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Uma equipe de 17 cientistas comunicou à revista NEJM a descoberta de um novo vírus que infecta humanos na China oriental. Trata-se do Langya vírus, do gênero dos henipavírus e família dos paramixovirídeos. Ele foi identificado em amostras do muco da garganta de 35 pacientes que estavam com febre, 26 dos quais não tinham outras infecções virais concomitantes.
Além de febre, metade dos pacientes apresentavam fadiga, tosse, anorexia, dor muscular e uma contagem de glóbulos brancos (células de defesa) menor que a normal no sangue. Menos da metade tinham náusea, dor de cabeça, vômito, redução de plaquetas no sangue e problemas no fígado e nos rins. A amostra de pacientes é pequena demais para generalizar esses sintomas.
Langya é o nome de uma comandaria (uma área administrativa) estabelecida na dinastia Chin (221-206 a.C.) na atual província costeira oriental de Xantum, um dos locais em que o vírus foi encontrado. Ele também foi encontrado em Honã, província na fronteira sudoeste de Xantum.
Qual é a origem do Langya vírus?
Em investigação preliminar na natureza, os pesquisadores apontam que o principal reservatório animal deve ser os musaranhos, um grupo de pequenos mamíferos que se assemelham a ratos, mas não são roedores. Quase um terço da amostra de 262 musaranhos testou positivo para Langya vírus, entre 25 espécies de pequenos animais silvestres. Na América do Sul, os musaranhos só são encontrados ao norte dos Andes. O vírus também foi encontrado a baixas frequências entre cabras (2%) e cachorros (5%), que podem ter sido infectados ao interagir com musaranhos.
O vírus é perigoso?
Como acabou de ser descoberto, é preciso esperar mais investigações do Langya para tirar conclusões. O que se pode fazer até lá é especular com base nos parentes mais próximos. O gênero dos henipavírus tem três parentes importantes do Langya vírus: o mais semelhante é o Mojiang vírus, e há também o Nipah vírus e o Hendra vírus. Os dois últimos têm como reservatório animal os morcegos, especialmente os grandes conhecidos no sudeste asiático como raposas voadoras. O Mojiang é mais presente em roedores.
Em uma revisão sobre os henipavírus publicada em fevereiro em uma revista do grupo PLOS, as cientistas alemãs Susann Kummer e Denise-Carina Kranz, do Centro de Ameaças Biológicas e Patógenos Especiais no Instituto Robert Koch em Berlim, informam que o Nipah e o Hendra são altamente patogênicos e podem ser fatais em humanos e animais.
O Hendra vírus foi identificado em um surto ocorrido em 1994 na Austrália. Seu nome vem de um subúrbio da cidade de Brisbane, no estado de Queensland, onde vários cavalos e seu treinador morreram com uma doença pulmonar hemorrágica. Outro surto no mesmo ano, no mesmo estado, levou à morte de uma pessoa no ano seguinte que desde que foi infectada sofria com uma encefalite persistente.
Já o Nipah vírus, cujo nome vem de uma vila da Malásia, afetou 265 pessoas no país e em Cingapura em surtos em 1998 e 1999, com 105 mortes confirmadas. Nenhum dos dois países sofreu mais surtos desde então. Um surto em Bangladesh no ano de 2001 afetou 13 pessoas, 9 das quais morreram — o país teve menos sorte, sendo afetado com surtos anuais chegando a 17 surtos até 2015. De 261 casos, 199 resultaram em óbitos. Outros surtos aconteceram na Índia em 2001, 2007 e 2018; nas Filipinas em 2014, também com taxas preocupantes de mortalidade, mas geralmente envolvendo números pequenos de pessoas.
O Mojiang vírus, o mais próximo do Langya, tem um histórico em comum com o novo coronavírus da Covid-19: a mina de cobre Mojiang no sul da China, onde três mineiros contraíram esse henipavírus e morreram de pneumonia em 2012. O vírus foi identificado pelo Instituto de Virologia de Wuhan. Até hoje, o mais próximo parente conhecido do novo coronavírus (SARS-CoV-2) é o presente em uma amostra conhecida como RaTG13, coletado na mesma época e na mesma mina. Essa amostra, que o instituto diz que tem origem em fezes de morcego e já foi esgotada, sofreu alterações suspeitas em seus registros que defensores da origem laboratorial do SARS-CoV-2 consideram evidência favorável a essa hipótese. O vírus causador da pandemia é da família dos coronavirídeos, que diferem dos henipavírus.
Tem potencial para uma nova pandemia?
Como indica o histórico de duas décadas do Nipah vírus, que não saiu do sudeste asiático, e a falta de mais surtos do Mojiang vírus em dez anos, não parece haver um potencial pandêmico no Langya.
Tem alto potencial de transmissão?
Os cientistas que descreveram o Langya pensam que não. Estudando o material genético do vírus, cujo RNA tem tamanho similar ao do DNA das nossas mitocôndrias (organelas das células que produzem energia), eles viram uma diversidade viral incompatível com a transmissão comunitária de pessoa para pessoa. As infecções também não tinham uma conexão óbvia no espaço ou no tempo, sugerindo que os pacientes se infectaram ao manejar animais. Não havia, também, histórico de contato entre os 35 pacientes. Retraçando os passos de nove deles com 15 contatos familiares em comum, nenhuma transmissão por contato próximo foi encontrada.
Sabe-se que outro henipavírus, o Nipah, tem capacidade de passar de uma pessoa para outra. É possível que o Langya vírus faça o mesmo, mas são necessários mais estudos para estabelecer essa possibilidade.
Hendra e Nipah podem continuar viáveis em superfícies com guano ou restos de frutos mordidos por morcegos por horas ou poucos dias, a depender da temperatura e umidade. É importante evitar o contato de animais domesticados como cães, cavalos e porcos que vivem em ambientes em que há animais silvestres como morcegos e musaranhos, pois os domesticados podem ser os hospedeiros intermediários que passam os henipavírus para humanos. O contato mais próximo parece ser necessário, mas porcos, em particular, poderiam intermediar o contágio pela via respiratória. Humanos infectados podem passar esses vírus pelo sangue, fezes, urina e saliva. O Nipah pode ficar viável em amostras de sangue por até uma semana, mas os poucos estudos não o detectaram em superfícies em torno dos pacientes infectados, exceto lençóis e toalhas (tempo não aferido). A depender do método de contágio, o período de incubação pode durar até dois meses.
O que está sendo feito para combatê-lo?
Malásia e Cingapura servem como exemplo do que fazer a respeito de henipaviroses, pelo seu sucesso em evitar novos surtos do Nipah vírus. Também foram abatidos animais infectados, especialmente porcos. Bangladesh serve como uma lição negativa. Precauções hospitalares são cruciais: em 2001, um surto de Nipah no Hospital do Distrito de Siliguri, na Índia, começou quando um paciente infectou 11 membros da equipe do hospital.
Há o problema persistente da falta de transparência do Partido Comunista Chinês. Taiwan, a “China livre”, que fez um bom trabalho no começo da pandemia de Covid-19, está monitorando atentamente o novo henipavírus Langya. Chuang Jen-hsiang, do Centro de Controle de Doenças de Taiwan, disse ao jornal Taipei Times que os laboratórios do país estão trabalhando em um método molecular padronizado para identificar o vírus.
Tem tratamento?
Não há vacinas para henipaviroses no momento. O tratamento para infectados foi paliativo, com mortalidade em torno de 70% especialmente para os infectados pelos parentes do Langya. A mortalidade dele próprio é desconhecida.