Mesmo que as estatísticas sobre crimes contra o patrimônio ou contra a vida apontem queda em diversos estados brasileiros, a sensação de insegurança incomoda e muito moradores de pequenas e grandes cidades do país. A urgência no debate sobre essas questões levou um grupo de especialistas e instituições do setor a elaborar uma agenda, com seis propostas prioritárias para subsidiar o debate dos candidatos durante o período eleitoral. Os temas elencados passam por um novo pacto federativo para a segurança, gestão das informações, redução de homicídios, reforma do modelo policial, modernização de política criminal e penitenciária e revisão da política de drogas.
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De acordo com Bruno Paes Manso, que atualmente faz pós-doutorado no Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e participou da elaboração da agenda, o principal objetivo do grupo é fazer com que a Presidência da República assuma a responsabilidade de nortear as políticas voltadas à segurança. “Esse é um problema institucional sério. Fica tudo nas costas dos governadores, que se tornam reféns das estruturas dos seus estados, dos vícios institucionais, o que é muito perverso”, analisa. Embora mirem o debate no Executivo federal, a discussão pode ser ampliada para outras esferas, já que uma das propostas é rever o pacto federativo.
Positiva
Essa revisão é vista como positiva pelo secretário de Segurança do Paraná, Leon Grupenmacher. Em entrevista por e-mail, ele afirmou que o modelo atual de distribuição das atribuições de cada ente federativo não seria o mais eficiente. “A maior parte dos investimentos em segurança vem de receitas estaduais, sem o necessário apoio de órgãos federais, o que onera de forma significativa a gestão do Estado. Isso sem contar que os investimentos federais nem sempre levam em conta particularidades locais”, avalia.
O coordenador do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná, Algacir Mikalovski, faz coro na questão orçamentária. “Na prática, o pacto hoje é meramente uma questão de transferência de recursos. O primo rico é a União, o pobre é o município e o paupérrimo é o estado”, define. Para ele, o modo de repasse das verbas também precisa de revisão. “Teria de proibir o contingenciamento de recursos previstos. O retorno dessa verba ao governo federal causa problemas”, pondera.
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Interferência
Já Guaracy Mingardi, que foi subsecretário nacional de Segurança Pública, argumenta que muitas vezes são os próprios estados que não querem interferência externa na área de segurança. “Governadores querem mandar nas suas polícias. O máximo que se pode fazer agora é normatizar algumas coisas, como a questão do uso da força. Tem portaria do governo federal, mas as polícias aderem ou não. Isso não é lei, e quem comanda a polícia é o governo do estado”, diz.
Reduzir mortes exige bom plano
A elaboração de um plano nacional de redução de homicídios, com a definição de metas, é uma das propostas apresentadas pela agenda prioritária. “Todo mundo quer, mas ali não diz como fazer, como reduzir. Prioridade ao combate ao homicídio, enfrentamento, eu concordo. Um plano não é uma politica, é uma ideia”, critica Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública.
Nesse aspecto, o Paraná definiu um plano plurianual (2011/2015), com a proposta de diminuir a taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes. Em 2010, a marca era de 30,4 e o objetivo é chegar a 2015 com taxa de 21,5. O índice de mortes por 100 mil habitantes de 2013 fechou em 23,36.
“A criação deste plano é absolutamente viável, desde que sejam respeitadas as peculiaridades de cada região. Não se pode aplicar as mesmas ações voltadas à redução nos índices de homicídios no Paraná e em Tocantins. O que se deve traçar são metas a serem atingidas (por estado) e possibilitar a oferta de recursos para ações voltadas ao alcance destas metas”, diz o secretário de Segurança do Paraná, Leon Grupenmacher.
A criação de divisões para investigar homicídios também é apontada como um caminho para baixar os índices. No Paraná, por exemplo, foi implantada recentemente a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Informação
No Brasil não há um padrão para a geração de estatísticas de segurança pública: cada estado determina como faz o controle. Isso gera inconvenientes. O principal problema é que é difícil comparar dados criminais entre os estados. No Paraná, se houve um crime que resultou em cinco mortes, a Secretaria de Segurança Pública contabiliza como cinco homicídios. Em São Paulo, se duas pessoas morreram no mesmo crime, a estatística conta como um homicídio, porque é uma única investigação. “A Coordenadoria de Análise e Planejamento Estratégico (Cape) da Secretaria da Segurança Pública luta em âmbito nacional por essa padronização, pois somente desta forma será possível o estabelecimento de políticas eficientes em cada região”, afirma Leon Grupenmacher. Bruno Paes Manso, do NEV-USP, lembra que em São Paulo, graças ao georeferenciamento dos dados de violência, foi possível determinar os pontos onde ocorriam mais crimes e traçar ações específicas. “É preciso ter padrão e qualidade de dados, para poder traçar um diagnóstico do problema”. Na avaliação de Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública, outro problema em relação à gestão da informação desses dados está no diálogo entre as próprias corporações. “Muitas vezes, as polícias Militar e Civil não trocam informações dentro do próprio estado. Às vezes, nem dentro da própria polícia. Isso precisa ser construído. A análise dessas informações é que vai estabelecer uma política pública.”
Em conjunto
O modelo policial brasileiro é composto por diversas corporações, que respondem aos governos federal e estadual e não trabalham integradas, salvo em casos de grandes operações conjuntas. Uma das propostas apresentadas na agenda prioritária é da reformulação do modelo policial, adotando um sistema integrado de ciclo completo.
Segundo Bruno Paes Manso, pesquisador do NEV-USP, a polícia ostensiva, como é o caso da Polícia Militar no Brasil, é responsável pelo patrulhamento e flagrante e, como está na rua e coleta muita informação, também poderia investigar o caso. Esse modelo é adotado em outros países, como a França, onde há forças específicas para patrulhamento e investigação, com diferenciação do tipo de polícia apenas de acordo com o tamanho da cidade (Polícia Nacional ou “Gendarmerie” nacional).
Para Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública, no sistema francês o ciclo completo funciona porque só há uma força policial na área. “No nosso modelo há duas polícias no mesmo terreno. Uma faz investigação e outra faz prevenção. Ciclo completo é legal se for polícia regional ou estadual. Aí funciona, mas não pode ter mais de uma polícia na mesma área”, argumenta.
Quem trabalha diretamente com a gestão da segurança pública, como é o caso do secretário da pasta paranaense, Leon Grupenmacher, não vê necessidade de uma remodelação total, mas concorda que há medidas para tornar o serviço mais eficiente. No estado, a integração entre as corporações é uma diretriz da pasta, inclusive com ações em parceria com as polícias Federal e Rodoviária Federal. “A PM mantém junto com a PF uma força-tarefa de combate ao crime organizado, com excelentes resultados”, afirma.
Impunidade
A impunidade é incentivo para a prática de crimes. A afirmação é do coordenador do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná, Algacir Mikalovski, que a considera o “câncer da segurança pública”. “Temos de investir em políticas penitenciárias, não necessariamente encarcerando as pessoas, mas fazendo com que sejam punidas pelo crime”, defende. Para ele, o problema é que os criminosos não se sentem punidos.
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