Se de um lado a mata pega fogo, de outro ela se recupera, ainda que parcialmente. Entre 2004 e 2014, a área de vegetação secundária que se desenvolveu na região depois de derrubadas de árvores cresceu de menos de 100 mil km² para mais 170 mil km², e sua participação saltou de 16,5% de 2004 para 22,8% para 2014. Foi um ganho, portanto, de 70 mil km².
É um número expressivo: representa 58% do total perdido no mesmo período para o desmatamento: 120 mil km² de mata primária.
Esses dados são relativamente recentes porque, até 2008, o Brasil simplesmente não conhecia a área de mata amazônica que se recuperou depois de queimadas e desmatamentos. Desde 1998, o governo contava com duas ferramentas, que não faziam essa medição. Desde 1988, quem fornece os dados para essa análise é o Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônia Brasileira por Satélite (Prodes). O sistema faz uma varredura anual que identifica áreas que, no ano anterior, eram mata, e localiza aquelas que foram derrubadas.
O problema desse método de medição é que, uma vez que determinada área era marcada como desmatada, essa identificação jamais era revista. Assim, ano após ano, as áreas desmatadas que foram recuperadas e voltaram a ter vegetação simplesmente não são identificadas pelo Prodes. O sistema é, portanto, cego para o fato de que parte considerável da Amazônia se recupera – uma pequena parte com ações de reflorestamento e a maioria graças à recuperação natural da floresta, que se inicia assim que as terras desmatadas são abandonadas.
Projeto TerraClass
Em complemento ao Prodes, o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), na ativa desde 2006, faz um rastreamento mais rápido, em busca de focos de incêndio e desmatamento enquanto eles acontecem, para garantir o acesso dos fiscais e do poder público. Mas o Deter parte da base de dados do Prodes, e por isso também não identifica terras regeneradas.
“O foco do Prodes sempre foi mapear o que foi desflorestado, as terras que passaram por todo o processo que começa com a extração da madeira de valor comercial e termina com o pecuarista retirando os restos de madeira e tocando fogo para produzir pasto”, explica Alexandre Coutinho, pesquisador da Embrapa há 30 anos. “O Deter identifica quando o processo de desmatamento está em andamento, para permitir que o Ibama envie fiscais para a área”.
Alexandre Coutinho é um dos coordenadores de um projeto realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), chamado TerraClass, que vem preenchendo essa lacuna desde 2010, ao medir as áreas da Amazônia cobertas por vegetação secundária. “Em 2008, aconteceu um embate enorme, dentro do governo, entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente. O ministério do Meio Ambiente acusava a soja de provocar o desmatamento”. Foi quando surgiu a proposta de desenvolver o TerraClass, uma ferramenta capaz de mapear o uso das terras que foram desflorestadas.
Lançado em 2016, o relatório mais recente do projeto, baseado em dados de 2014, chegou a uma conclusão expressiva: em 2014, 22,9% desmatada na Amazônia brasileira ao longo de sua história continha indício de regeneração. “Continuamos olhando para a área que já foi desflorestada, para analisar a ocupação. Esse trabalho permite identificar, por exemplo, se a soja produzida na Amazônia vem de regiões onde é permitido plantar”, afirma Coutinho, que coordena e executa projetos de pesquisa relacionados ao desenvolvimento e aplicação de geotecnologias para o monitoramento e gestão territorial da agricultura.
Mais vegetação
O projeto identificou que a expansão da agricultura na região aconteceu principalmente sobre terras desmatadas antes de 2008 e também sobre áreas antes utilizadas para pasto. Ou seja, em geral, não são os agricultores que desmatam, são os pecuaristas. Do total de áreas desmatadas, 60% viraram pasto. Das terras que perderam a vegetação, apenas 0,42% foi posteriormente reflorestado.
Quando se analisa um período mais curto, entre 2008 e 2012, em que o desmatamento estava em queda acelerada, as áreas em regeneração (equivalentes a 113 mil km²) se mostraram 2,5 vezes maiores do que o total desmatado no mesmo período, 44 mil km² .
“A regeneração tropical, portanto, geralmente passa despercebida e os números oficiais para a taxa de desmatamento na Amazônia não incluem a perda de vegetação secundária”, conclui o estudo Como Interpretar o Aumento da Regeneração na Amazônia Brasileira?, realizado pela Iniciativa para o Uso da Terra em parceria com o Climate Policy Initiative.
O estudo faz uma ressalva: “Ainda que a regeneração da Amazônia traga grandes expectativas, é importante frisar que florestas secundárias não são necessariamente equivalentes às florestas primárias em termos biológicos ou ecológicos”. Afinal, a mata secundária surge rapidamente, um ano depois que a atividade econômica sobre a terra acaba, mas precisa de, pelo menos, vinte anos para recuperar as características da vegetação original.
Fiscalização
“Como não existe uma política ativa de reflorestamento na Amazônia, acredita-se que a mata se recupera de forma passiva”, afirma Clarissa Gandour, uma das autoras do estudo, doutora em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e que, no Climate Policy Initiative, coordena a agenda de pesquisa sobre proteção de vegetação nativa.
“A floresta tropical tem condições que a permitem se regenerar sozinha. É diferente da Mata Atlântica, que perdeu tanto de sua vegetação primária que não consegue se recuperar mais. Todo esse ganho de recuperação aconteceu sem nenhum incentivo. Imagine se houvesse um cuidado maior em monitorar, proteger e regenerar a Amazônia?”.
Mas por que desmatar uma área e depois ir embora tão rápido? E mais: não seria mais vantajoso desmatar novamente uma área que já está em recuperação, e que não é monitorada pelo Prodes e pelo Deter? Os dados de satélite não fornecem respostas, mas Clarissa Gandour apresenta uma hipótese: “Tudo indica que a maior presença da fiscalização inibiu a atuação e levou os desmatadores a abandonar as áreas, que se regeneraram”. Ou seja: a fiscalização tem um benefício duplo: reduz o ataque à mata primária e também à secundária. Por outro lado, uma redução na fiscalização prejudicaria tanto as áreas monitoradas quanto as não monitoradas.
Para Alexandre Coutinho, há também uma questão fundiária. “Diferente do cerrado, a Amazônia tem uma dificuldade muito grande para mapear as terras, identificar as divisas. Às vezes o proprietário abre a floresta simplesmente para demarcar o limite da área dele”, afirma. “Outras pessoas desmatam e tentam vender para pecuarista e não conseguem. Não é um mercado regulamentado, nem com dinheiro. Quem derruba muitas vezes não é dono da terra, ele abre para vender. Se não consegue vender, abandona. É um processo calcado na ilegalidade.”.
Enquanto a mata se recupera parcialmente, outro estudo, o relatório Restauração de Paisagens e Ecossistemas, produzido pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) com base no trabalho de 45 pesquisadores de 25 instituições, aponta para a importância econômica da preservação e recuperação da vegetação nativa: essa atividade poderia criar 2 milhões de empregos em dez anos.
Parceria com agricultura
O documento aponta a importância econômica da parceria entre produção agrícola, pecuária, conservação e restauração. Afinal, em trinta anos, o país perdeu 70 milhões de hectares de vegetação nativa, e boa parte dessa área, equivalente ao território do Chile, é hoje formada por terras mal utilizadas para a produção econômica.
Segundo o estudo, ampliar a produtividade média da pecuária brasileira, de 4,4 para 9 arrobas por hectare por ano, possibilitaria a recuperação de 12 milhões de hectares de vegetação nativa e a liberação de 30 milhões de alqueires para a agricultura, alcançando as metas nacionais de produção de alimentos.
Na Amazônia em específico, em 15 anos seria necessário aumentar a produtividade da agricultura, de 46% para 63 a 75% de seu potencial sustentável, para garantir, ao mesmo tempo, a melhoria da produção agrícola e florestal e, por outro lado, o desmatamento ilegal zero e a recuperação a vegetação nativa. Para a região, o relatório pede a regeneração natural com restauração com aproveitamento econômico, de forma a fomentar a cadeia produtiva da restauração, a silvicultura de espécies nativas e a implementação de sistemas agroflorestais.
“A adequação ambiental das paisagens rurais no Brasil deve ser o objetivo de políticas públicas específicas, pois permitirá grandes ganhos ao garantir a conservação e o provimento de serviços ecossistêmicos para os agricultores e a sociedade, e promover a melhoria da qualidade de vida dos agricultores”, afirma o estudo.
“Isto se dará principalmente por meio da redução de custos, do aumento de produção, da resiliência climática e da diversificação da renda, contribuindo, assim, para a reversão do êxodo rural”. Esse processo poderia acontecer com a reconversão de parte das áreas agrícolas em ecossistemas nativos, com o objetivo de obter benefícios comerciais da produção nas áreas de maior aptidão agrícola. “Uma agricultura sustentável depende de solo, de água, de inimigos naturais de pragas, de polinizadores, que são serviços ecossistêmicos fornecidos pela restauração e por formações naturais”, afirma Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo. “Isso pode ocorrer através da certificação ambiental da produção que cumpre as leis ambientais e essa certificação proporcionar novos mercados ou preços melhores, aumentando renda da propriedade e assim facilitando recursos para restauração”.
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