Mas o que é isso, Meritíssima?!
De todos os imorais “crimes contra a honra”, injúria é seguramente o mais imoral. Calúnia e difamação também são imorais, embora um tiquinho mais compreensíveis numa sociedade que depende do Estado até mesmo para proteger coisas etéreas e subjetivas como “o bom nome”, “o bom conceito junto à sociedade”, “a honradez”.
Pois o comediante Danilo Gentili foi condenado a seis meses de prisão (pena máxima prevista pelo Código Penal) pelo crime de injúria contra a deputada Maria do Rosário. O crime que ofendeu profundamente a deputada e que a deixou prostrada no chão, em meio a uma poça de desonra, foi um vídeo (sem graça) no qual Gentili esfrega notificações extrajudiciais supostamente enviadas pela nobre e autoritária parlamentar em suas (dele) partes pudendas – como diria minha finada avó. Grosseiro, vulgar e sem graça, sim! Mas… crime?
Mas o que é isso?! Mas o que é isso?!, perguntaria a nobilíssima legisladora se a mesma condenação tivesse sido imposta a um de seus amigos em sites satíricos como o Sensacionalista ou se Gregório Duvivier tivesse cometido a suprema ousadia de dessacralizar uma foto de um deputado como, sei lá, Delegado Waldir. Ou ainda se uma manifestante de esquerda defecasse sobre um exemplar da Constituição. Mas pedir um mínimo de coerência, tolerância e respeito pela diversidade de opinião por parte de quem reza pela cartilha stalinista seria, aqui, uma injúria contra mim mesmo.
Tão ou mais preocupante do que a ação movida pela deputada Maria do Rosário é a sentença da juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo. E não só pela tipografia usada pela douta magistrada para proferir a sentença draconiana, autoritária, abusiva e assustadora – uma fonte dessas que imitam a escrita cursiva e que me faltam adjetivos para descrever quão injuriosa é ao bom-senso estético.
Em 113 longas páginas e usando aquele latinório indecoroso e palavras que ofendem a virtude do bom texto, como “outrossim”, a egrégia juíza argumenta sua decisão dizendo que o vídeo de Gentili é “reprovável” e, pecado dos pecados, feito “em tom de deboche”. Para em seguida se contradizer e concluir que não, o vídeo não tinha fins meramente humorísticos, como alegou a defesa de Gentili.
Num trecho particularmente preocupante, a juíza escreve:
“registre-se que o crime de injúria consuma-se no momento em que a vítima toma conhecimento das palavras ofensivas à sua dignidade ou decoro. Com efeito, tratando-se de delito formal, sua consumação prescinde de resultado danoso para a sua configuração”.
Ou seja, para a juíza, o humor ácido, crítico e até divertidamente grosseiro e vulgar (há quem goste; eu não) é tão nefasto que a “vítima” não precisa nem mesmo sofrer ou ter um prejuízo material de fato. Cabe a ela, à juíza onipotente, zelar pela honra não só do indivíduo que se sente ultrajado como também pela honra coletiva, pela “honra social”.
É a socialização do ultraje.
A verdade é que, se ainda houver juízes em Berlim, a decisão há de cair nas instâncias superiores. Liberdade de expressão é, até onde sei, cláusula pétrea da Constituição e, teoricamente (teoricamente!), nenhuma decisão escrita em comic sans pode atentar contra ela. Gentili é, a meu ver, um comediante medíocre com meia-dúzia de piadas razoáveis por ano, e o vídeo que ele gravou é mais expressão de indignação cívica do que de humor, mas criminalizar a raiva de alguém que se vê intimidado por uma parlamentar notadamente autoritária é ofensa muito maior do que a raiva em si.
A consequência disso tudo é que Danilo Gentili não fará companhia a Lula na cadeia. Ele continuará arrancando risos forçados da plateia em seu talk-show. Enquanto isso, a honra da deputada Maria do Rosário continuará sendo o pilar de massa de modelar que é – algo natural para uma personalidade pública conhecida por seus posicionamentos políticos em defesa de bandidos. Quanto à honra da juíza que proferiu a escandalosa sentença, a imagem de uma senhora togada mandando para a prisão (ainda que a sentença não seja cumprida) alguém que cometeu o terrível crime de fazer uma piada ruim fala por si.
Mas nem tudo são trevas na vida e neste texto. Se há algo de bom nessa balbúrdia (se este texto tivesse trilha sonora, neste momento começaria a tocar “Always Look on the Bright Side of Life”) é a mobilização dos artistas em torno do caso. Porque Gentili, declaradamente um comediante à direita, conta com o apoio em massa de seus pares, majoritariamente de esquerda.
Para o próximo dia 31 de abril está marcada uma grande manifestação que certamente contará com a presença do já citado Gregório Duvivier, de todo o elenco do elogiadíssimo Tá no Ar, dos redatores do site O Sensacionalista e, claro, de Regina Casé. Estão previstos ainda shows de defensores históricos da liberdade de expressão como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Thiaguinho, Gabriel, o Pensador e Roberto Carlos. Uma grande faixa verde-e-amarela com os dizeres “CENSURA NUNCA MAIS” já está sendo bordada à mão.
E a CUT prometeu soltar na Avenida Paulista dez mil balões azuis com a inscrição “#GentiliLivre”.