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Trump: cabo de força com o ditador norte-coreano | JIM WATSON/
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Trump: cabo de força com o ditador norte-coreano| Foto: JIM WATSON/ AFP

Em seu ano pilotando a nave do comando nuclear presidencial durante o pico da guerra fria, Barry Walrath começou a perceber um padrão. O Boeing 747 especialmente adaptado, conhecido nas Forças Aéreas como Nightwatchplane (ou avião da vigília noturna), era um dos primeiros espaços de onde um presidente poderia levar sua nação para guerra, e a tarefa da equipe era treinar insistentemente para um conflito nuclear. 

Esses testes, com codinomes de Silver Dollar, sempre envolviam um oficial do Pentágono ou da Casa Branca atuando como presidente – a autoridade nacional que tinha o poder de lançar armas nucleares. Uma vez que o avião estivesse em voo, os procedimentos se desenrolavam da mesma maneira. O "presidente" receberia um briefing sobre as tensões geopolíticas em andamento, que escalaria rapidamente para uma disputa termonuclear. Então haveria o momento da verdade: a equipe pediria uma ordem de lançamento. 

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E era nesse ponto, percebeu Walrath, que o sistema parava. "Ninguém iria apertar o botão – mesmo quando era obviamente um teste, mesmo com alguém dizendo que nada aconteceria", ele lembra. "Parecia real demais. Você suspendeu a descrença. Era perverso". 

Os exercícios fizeram Walrath duvidar que, no calor do momento, em frente ao horror de uma guerra nuclear mundial, os EUA permitiriam que o lançamento fosse feito. Nos treinamentos, o "presidente" sempre esperava pelo menos que mísseis inimigos atingissem o país para ordenar uma retaliação. Com frequência, ele ou ela continuavam não ordenando o golpe, assistindo o cenário se encaminhar para a destruição dos EUA. 

"Eu sempre me perguntei se as coisas teriam sido diferentes se os soviéticos tivessem noção de como éramos relutantes com a ideia de lançar um míssil", diz Walrath. "Não era incomum que nada fosse feito nos testes". 

A observação de Walrath permaneceu no planejamento nuclear por gerações. Basicamente, não há dúvidas que, se ordenada, a cadeia de comando militar executaria um lançamento válido de forma rápida e decisiva. Mas e se um presidente nunca fizer a ordem? E se a dissuasão nuclear, uma pedra fundamental da segurança nas últimas décadas, for uma promessa sagrada, dos dois lados? 

Presidentes e líderes de estados com força nuclear sempre mantiveram essas cartas próximas – a própria ideia de dissuasão entraria em colapso se os adversários soubessem que podem atacar impunemente. Mas existem evidências da Guerra Fria que uma guerra nuclear é impensável, que os homens no poder nunca apertariam o gatilho. 

As regras mudaram

Mas essa questão deve ser revisitada hoje, quando o presidente Donald Trump e Kim Jong-un se encaram pelo Pacífico, cada um se perguntando se o outro dispararia um ataque nuclear. Mais momentos tensos devem acontecer se a Coreia do Norte insistir com seus esforços de ter um míssil nuclear balístico e intercontinental. Mas o lançamento eventual de um míssil contra os Estados Unidos ou contra a Coreia do Norte ainda não é certo. Na realidade, a evidência da Guerra Fria oferece um conforto que, no momento decisivo, um ou dois lados podem piscar e se afastar do abismo. 

Presidentes da Guerra Fria gastavam muito tempo para entender o arsenal nuclear e ver os treinamentos – pela tradição, os governantes nunca encenavam a si mesmos nos treinamentos, para garantir que nunca dessem dicas de como responderiam a uma crise real. 

Em maio de 1969, Richard Nixon voou no avião presidencial do "dia do juízo". Na sala de conferência, a equipe de batalha o liderava por um treinamento que seguia o plano de guerra militar dos EUA. 

"Assustador. Eles passaram pelo briefing operacional da inteligência e por um teste de exercício – com interrupções, para parecer mais realista", escreveu H.R. Haldeman, então chefe de equipe da Casa Branca, em seu diário. 

"O presidente demorou um pouco para entrar na coisa (sua cabeça estava em um plano de paz), mas ele finalmente fez – e ficou até interessado. Fez várias perguntas sobre nossa capacidade nuclear – e resultados de morte. Obviamente preocupado com a possibilidade de milhões de mortos". 

Depois disso, o conselheiro de segurança nacional Henry Kissinger sabia que Nixon nunca puxaria o gatilho. O presidente ficou tão impactado pelo treinamento que nunca seria capaz de usar isso em uma guerra. 

“Arcos e flechas”

Se for verdade, a abordagem de Nixon não difere muito de seus predecessores. Harry Truman, o único homem da história a ordenar o uso de uma arma nuclear, interrompeu um debate no Salão Oval sobre autoridade civil x militar sobre a bomba. "Vocês precisam entender que essa não é uma arma militar", disse Truman. 

"Ela é usada para destruir mulheres, crianças e pessoas desarmadas, não para usos militares. Então temos que lidar com ela de maneira diferente, não como fuzis e canhões e outras coisas ordinárias". 

Durante uma reunião de planejamento militar na Casa Branca, em janeiro de 1956, Dwight Eisenhower confrontou agressivamente seus conselheiros. Nenhum deles, ele reclamou, "tinha se retirado para um quarto silencioso e contemplado a natureza real de uma guerra termonuclear futura". Ninguém, ele disse, pode imaginar "o caos e destruição que uma guerra assim causaria". Não haveria um vencedor. "A destruição", disse o presidente para o grupo, "pode ser tanta que poderíamos ter que voltar para arcos e flechas". 

Em outra reunião, Eisenhower argumentou que a guerra nuclear não era uma opção real e que fazer planos amplos e sérios para isso era uma perda de tempo e dinheiro. Não era apenas uma questão de construir armas melhores ou abrigos mais profundos caso o conflito chegasse: "só não existem escavadoras suficientes para tirar os corpos das ruas". 

De sua parte, Lyndon Johnson vivia com medo do botão. “Quando Richard Nixon fez o juramento”, Johnson relembra, “foi como se o maior peso que eu carreguei em toda minha vida se erguesse dos meus ombros”. Ele explicou: “nunca um dia se passou sem que eu ficasse assustado ou nervoso, pensando que eu poderia ser o homem a começar a Terceira Guerra Mundial”. 

“O Dia Seguinte”

Contemplar a realidade da Terceira Guerra Mundial em 1983 fez com que Ronald Reagan mudasse drasticamente sua postura quanto à Guerra Fria. No outono, ele finalmente participou de um treinamento do plano de ação – que ele adiou por muito tempo, alegando que não via sentido em praticar para uma guerra nuclear – e assistiu o filme “O Dia Seguinte”, da ABC. 

O filme, superestimado, foi estrelado por Jason Robards e narra como habitantes de Lawrence, no Kansas, tentam remontar a sociedade depois que um ataque nuclear ter devastado os EUA; gráfico e violento de jeitos novos para a abordagem televisiva sobre a guerra nuclear, a sequência de quatro minutos de ataques, mortes, mutilações e destruição foi feita para deixar os espectadores perturbados. E o filme afetou Reagan profundamente. "Foi feito poderosamente", ele escreveu em seu diário. "É muito eficiente e me deixou muito deprimido… Minha reação tem relação com querer fazer tudo que posso para que nunca haja uma guerra nuclear". 

O biógrafo de Reagan, Edmund Morris, reportou que foi "a primeira e única admissão que pude encontrar em seus papéis" de que o presidente estava "deprimido". Se deparar com a guerra da maneira com que ele se deparou naquele outono fez com que ele alterasse drasticamente o curso de suas ações, diminuindo o seu discurso crítico sobre a União Soviética. 

Sem perdão

Perceber que a guerra nuclear não é uma opção real não é uma ideia que aconteceu somente para presidentes americanos. François Mitterrand, ex-presidente da França, disse uma vez que duvidava que qualquer líder francês teria lançado as armas nucleares do país. O único primeiro-ministro britânico a falar abertamente sobre o assunto, James Callaghan, que serviu entre 1976 e 1979, relembrou ter "dúvidas terríveis" quando pensava se teria ordenado um lançamento ou não. "Se eu tivesse sobrevivido depois de apertar o botão, eu nunca conseguiria me perdoar". 

O mesmo aconteceu com o homem que estava no lado oposto a John F. Kennedy durante a crise cubana de mísseis. Quando assumiu a União Soviética no alto da Guerra Fria, Nikita Khrushchev recebeu um briefing padrão sobre a autoridade nuclear da nação, que o deixou abalado. "Não consegui dormir por vários dias", ele relembrou anos depois. "Então me convenci de que jamais poderíamos usar essas armas e consegui dormir novamente". 

As palavras de Khrushchev oferecem algum conforto que Kim Jong-un talvez perceba o grande segredo da Guerra Fria: o ponto central de construir armas nucleares é garantir que você nunca precise usá-las.

*Graff é autor do livro "Raven Rock: The Story of the U.S. Government's Secret Plan to Save Itself - While the Rest of Us Die."

Tradução de Gisele Eberspächer
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