Vocalista da banda Detonautas, Tico Santa Cruz, publicou carta com críticas ao juiz Sérgio Moro após condenção do ex-presidente Lula| Foto: Predro Serapio/Gazeta do Povo

Líder da banda Detonautas Roque Clube, o vocalista Tico Santa Cruz tem aproveitado a polarização política no país para viralizar nas redes sociais com textos com viés de esquerda. Na semana passada, logo após a divulgação da sentença do juiz Sérgio Moro condenando o ex-presidente Lula (PT) a nove anos e seis meses de prisão, na quarta-feira (12), Tico não perdeu a oportunidade de escrever uma carta ao magistrado. O texto foi publicado pelo The Intercept Brasil e serviu como música aos ouvidos dos apoiadores do petista. 

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A carta tenta soar como um puxão de orelhas a Moro, em que Tico Santa Cruz compara a atuação do juiz a de um herói, mais preocupado com fãs e vaidade, do que com a sociedade. Mas o texto não sai da tentativa de criticar o trabalho da Lava Jato. Isso porque a carta está cheia de equívocos, o que a impede de convencer o leitor mais esclarecido. 

Gazeta do Povo listou sete erros na publicação do cantor. Veja os trechos: 

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1 – Fotos com políticos 

Em sua carta a Moro, Tico Santa Cruz cita fotos do juiz ao lado do senador Aécio Neves (PSDB) e próximo do presidente Michel Temer (PMDB), capturada no evento Brasileiros do Ano na Justiça, realizado pela revista Isto É, em 2016. “E que fotos são aquelas com aquele monte de políticos do PSDB? Sempre sorrindo, pertinho, simpático, convidativo. Arrisco-me a dizer que parecem amigos, daqueles que se sentem confortáveis ao serem fotografados, como se tivessem orgulho um do outro”, argumenta. 

Juiz Sérgio Moro ao lado do senador Aécio Neves: teorias da conspiração  

Considerando as teorias conspiratórias que envolvem Moro, não é de se surpreender que a foto em questão tenha causado polêmica. Vale lembrar, no entanto, que uma foto jornalística não é uma foto 3x4, já que tem muito mais a se considerar do que o primeiro caso. Há não só um contexto por trás, mas um imaginário, público-alvo e uma dimensão crítica, conforme o sociólogo Dominique Wolton. 

O mesmo entendimento serve ao analisar outra foto famosa, a da ex-presidente Dilma com Aécio, no dia do impeachment dela. Em uma análise fora de contexto, a petista estaria de conluio com o tucano? Quem faz um “flagra” desses já sabe que o registro terá impacto, apesar da possibilidade de retratar, na verdade, apenas um breve comentário entre os envolvidos. 

2 – Participação em eventos 

Em outro trecho logo no início da carta a Moro, Tico Santa Cruz sugere, ainda citando o evento da Isto É, que “num momento tão delicado, um juiz preocupado, que não se deixou seduzir, jamais participaria de um evento não oficial. [...] Mandasse um representante”. 

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Não há vedação explícita, contudo, pelo Código de Ética da Magistratura, ao comparecimento de juízes a eventos. Pelo contrário. O que não pode ocorrer, segundo o dispositivo, são procedimentos que atentem contra dignidade, honra ou decoro do magistrado. Ir a um evento, por si só, não é suficiente para colocar todas essas questões em jogo. 

3 – Áudios de Aécio Neves 

A carta a Moro diz ainda que, nessa mesma festa promovida pela Isto É, o juiz aparece “trocando risadinhas com Aécio Neves – senador gravado em áudios comprometedores”. Ocorre que, à época dos fatos, os áudios do tucano sequer tinham vindo à tona. Moro precisaria ser clarividente para ter ciência de algo que só aconteceria quase seis meses depois. 

4 – Conceito de bom juiz 

“Eu queria que o senhor fosse apenas um bom juiz. Discreto e eficiente”, sustenta Tico Santa Cruz, que apesar da politização, não tem formação acadêmica na área para avaliar, com consistência, a eficiência de um magistrado no país. O Código de Ética da Magistratura estabelece que os juízes sejam guiados pela independência, imparcialidade e transparência. 

5 – Má impressão 

“Que, ao condenar uma figura tão simbólica (para o bem ou para o mal), não nos deixasse dúvidas de que a justiça ‘estavivesse’ sendo feita”. Sim, o leitor viu um erro de digitação no que seria uma carta ao juiz Sérgio Moro. Além do erro, Tico também deixou com isso uma má impressão na apresentação de suas ideias. 

6 – Ministério Público acusador 

Em outro trecho da carta, Tico Santa Cruz diz que se sentiria mais seguro, caso estivesse assistindo a um julgamento “justo, onde consta o Ministério Público versus o réu, e não o juiz versus o réu”. No entanto, em nenhum momento, o Ministério Público Federal se opôs às medidas estabelecidas por Moro. Pelo contrário, juiz e representantes do MPF têm caminhado juntos na Lava Jato. 

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7 – Lula preso 

O vocalista do Detonautas também questiona por que, até agora, Lula não foi preso. “Então, caro Moro, se existem provas robustas, por que não prender o condenado? Prenda! Faça valer sua sentença com a segurança de quem tem como bancar o que assinou. A Justiça não lhe permite?”, escreve. 

Qualquer pessoa que tenha acompanhado o desenrolar da sentença de condenação ao ex-presidente sabe, no entanto, que o petista pode recorrer em liberdade. É somente após a confirmação da condenação em tribunais superiores que Lula deve cumprir a pena em regime fechado, inicialmente. O primeiro tribunal a apreciar o recurso de Lula será o TRF4, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de Porto Alegre.

Moro admitiu que chegou a cogitar a possibilidade de decretar a prisão preventiva de Lula, mas ponderou que uma prisão cautelar de um ex-presidente poderia envolver traumas para o país.  O magistrado deixou, inclusive, claro na sentença que a decisão não trazia a ele qualquer satisfação pessoal. “É de todo lamentável que um ex-presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei”, argumentou Moro.