Quando críticos e executivos de televisão, bem como também os criadores e membros dos elencos de novas séries, se reúnem em Los Angeles para a turnê de imprensa da TCA, a Television Critics Association, que ocorre semianualmente, pode-se ter certeza de que certas coisas irão acontecer. Os críticos vão enlouquecer de passarem duas semanas confinados no salão de festa do hotel. O criador de alguma série vai soltar alguma nova verdade pesada, que todo mundo vai correr para registrar. E alguém vai dizer alguma coisa desagradável sobre violência sexual.
Eu mesma não estou na turnê da imprensa deste verão, porque tenho alguns outros projetos nos quais estou trabalhando. Mas nem de longe fico surpresa de ouvir que Casey Bloys, novo presidente da programação da HBO, se meteu em maus lençóis, verbalmente, quando Linda Holmes, da NPR, lhe fez uma pergunta sobre a frequência dos enredos que envolvem estupros nas séries do seu canal.
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Nota-se que os departamentos de relações públicas não estão pressionando os executivos e artistas dos canais para que tenham respostas para essa pergunta, já que ela surgiu em todas as turnês de imprensa de que eu participei. Na pior das hipóteses, respostas mais dignas, mesmo que fossem apenas frases feitas, ajudariam a levar adiante as discussões sobre a representação de violência sexual, em vez de nos deixarem presos aqui nessa mesma lengalenga intelectual frustrante de sempre. Por isso, aqui vai uma lista de sete conjuntos de perguntas que farei na próxima vez que estiver numa turnê de imprensa, ou em qualquer ocasião em que elas forem relevantes.
1. Vocês acreditam que a violência sexual é fundamentalmente semelhante aos outros tipos de violência? Se sim, por quê? Se não, então o que faz com que ela seja diferente? Ao responder à pergunta de Holmes, Bloys tentou apresentar a violência sexual como parte de uma estética de violência generalizada. Mas, dado o fato de que parte do público responde de maneiras diferentes a cenas de luta corporal, batalhas medievais e estupro, vale a pena provocar os executivos de modo a descobrir como eles mesmos se sentem em relação a classes diferentes de violência.
2. Que coisas vocês têm a dizer a respeito da violência sexual, seja no contexto de uma única história ou na programação de todo um canal ou estúdio? Quando vocês consideram o panorama geral das narrativas no seu canal, vocês não se preocupam quando há certos elementos de enredo que são recorrentes em séries variadas, sobretudo quando esses mesmos elementos são usados de forma semelhante em histórias diferentes? Eu acredito que a representação de violência sexual seja completamente razoável quando se conta uma história que tem a violência sexual como tema. Mas alegar estar representando cenas de estupro porque se quer discutir a questão de modo substancial não é o mesmo que fazer isso de fato. Eu gostaria de ver mais executivos e artistas cumprindo o que falam e discutindo as ideias por trás da violência.
3. Se vocês acreditam que a sua exploração da violência “não é direcionada às mulheres em específico”, que histórias vocês estão contando ou planejam contar sobre experiências masculinas com violência sexual? Vocês acreditam que as experiências de homens e mulheres com violência sexual são iguais ou diferentes? Não vale piadinha com estupro na prisão.
4. Filmar cenas de estupro, ou as consequências dessas cenas, é um processo difícil. Há regras determinadas pelos seus departamentos de padrões e práticas para esse tipo de cena, ou há certos ângulos que vocês tentam evitar porque podem levar a censura a dar uma classificação etária diferente a um filme ou episódio? Que condições vocês tentam preservar no set quando você ou os seus diretores filmam esse tipo de cena? Como os atores devem se preparar para essas ocasiões? Para vocês, o que faz com que uma cena seja violenta e não erótica? Aquilo que se vê na tela da televisão ou do cinema quase nunca é determinado só pela pura inspiração artística. É importante tornar visíveis as condições sob as quais os artistas e executivos trabalham e tomam decisões. E discutir certas decisões específicas é um gesto que pode nos aproximar dos artistas e das pessoas que produzem seu trabalho.
5. Que histórias sobre violência sexual feitas por outros artistas vocês admiram e por quê? Tem alguma história sobre o tema que vocês lembram de nome agora e que acreditam que foi mal feita ou desnecessária? Se sim, vocês poderiam explicar por que têm essa sensação? É preocupante quando diretores e criadores de séries tratam o estupro como um tempero que pode ser colocado em qualquer história para dar um toque picante a mais, porém também não gosto da ideia de partir da pressuposição de que cenas de violência sexual são ruins até que se prove o contrário. Eu gostaria de ouvir mais artistas e executivos falarem sobre essas histórias como parte de um gênero narrativo, que pode ser bem ou mal feito, e estabelecer alguns indicadores do que funciona ou não.
6. Dada a natureza exaltada das conversas sobre violência sexual, vocês têm qualquer hesitação a respeito de incluir enredos com estupro em histórias nas quais esse tipo de violência não é o principal tema da obra? Eu acredito que a chave para se conduzir esse diálogo é tentar compreender se os artistas e executivos enxergam a violência sexual como uma classe especial de violência ou não.
7. Vocês acham que a frequência de histórias sobre violência sexual fizeram com que elas se tornassem menos chocantes para os telespectadores? Vocês partem do princípio que o público tem certos níveis de conhecimento ou ideias compartilhadas sobre violência sexual que poderia não ter uns dez anos atrás? Há coisas que vocês sentem que têm permissão para dizer sobre estupro hoje que não poderiam ser ditas no passado? Eu entendo que a predominância de histórias sobre violência sexual é desgastante para alguns telespectadores. Mas é verdade também que os tabus em torno do tema impedem que haja diálogos, muitas vezes difíceis, sobre quem foi vítima, quem cometeu o estupro e o que poderia ter sido feito para evitá-lo. Se os artistas e os canais desejam insistir em tratar de violência sexual, eu terei muita curiosidade em pressioná-los para saber o que têm a dizer de diferente ou novo sobre o tema.
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