Pode não ser coincidência que traços de psicopatia como mentira, frieza, manipulação e narcisismo sejam comuns em histórias sobre o poder. Nossos piores políticos podem mesmo ser psicopatas, admitem especialistas – e não há nada que possa ser feito para evitar que eles cheguem lá.
O tema é um tabu, já que não há pesquisas que comprovem a maior incidência de psicopatas na política do que na população em geral – em que a proporção é de 1% a 5%, e acordo com o entendimento sobre o transtorno. Mas é mais ou menos aceito que eles são mais numerosos na área. “Não é um tema muito discutido devido à dificuldade de se pesquisar sobre isso. Não sei se os políticos se interessariam em autorizar uma pesquisa deste tipo”, especula o professor de psiquiatria da UFPR Roberto Ratzke. “Mas a impressão que dá é que [a incidência] é maior”, diz.
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A psiquiatra forense Hilda Morana, especialista em psicopatia com doutorado na USP, diz que a política é um campo atraente para pessoas com o transtorno. “É uma área que privilegia, no mundo inteiro, a presença de psicopatas”, diz. “Eles são atraídos porque conseguem obter muitas vantagens e ter acesso a muito dinheiro. E não se submeteriam aos testes, porque sabem que seriam desvendados.”
Uma vez no poder, diz Hilda, eles são difíceis de punir. Antes de causarem danos, conseguem passar despercebidos. “Eles têm o dom do poder de convencimento. E as pessoas acreditam nisso. Não há como impedir um psicopata de ser eleito”, diz.
Sinais
Entenda algumas características de um psicopata:
Ausência de empatia
O psicopata não qualquer sensibilidade em relação às pessoas que o cercam.
Manipulador
As relações afetivas do psicopata são superficiais e baseadas em ganhos pessoais imediatos.
Mentira
Um psicopata não tem nenhum pudor em contar as mentiras mais escabrosas para se beneficiar.
Falta de responsabilidade
O psicopata nunca assume responsabilidades e tende a colocar a culpa nos outros.
Habilidade social
O sujeito psicopático é adaptado socialmente e consegue manobrar. Dificilmente é pego nas situações em que está envolvido.
Auto-engrandecimento
Os psicopatas tendem a se achar invencíveis.
Máscaras
Para o psicólogo Nelson Hauck Filho, professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade São Francisco, em Itatiba (SP), é arriscado propor a identificação de um psicopata na vida pública – assim como qualquer transtorno de personalidade. “A psicopatia já foi descrita como uma ‘máscara da sanidade’ exatamente por abranger características que se contrapõem à imagem pública que uma pessoa faz de si mesma”, diz, por email. “Claro que existem políticos que não parecem muito discretos no que diz respeito à falta de caráter ou de empatia, mas sem uma avaliação clínica é difícil de estabelecer hipóteses nesse sentido.”
“Os bons psicopatas enganam até os psiquiatras”, conta.
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Traços de psicopatia
A sociedade vem aceitando cada vez mais traços de psicopatia como coisas aceitáveis.“Todos temos traços psicopáticos”, diz a psicóloga.
São necessários questionários e até exames de imagem do cérebro para diagnosticar um psicopata, o que significa que avaliar alguém por meio de seu comportamento público não tem qualquer validade científica – além de representar risco de banalização e estigmatização de um transtorno grave. Mas existem sinais que permitem levantar desconfiança, segundo a doutora Hilda.
O quadro clássico da psicopatia apresenta traços específicos desde a infância. “Eles têm uma grande capacidade de criar intrigas”, diz a psiquiatra.
Na adolescência, mentem muito e começam a cometer pequenas delinquências. Apresentam uma personalidade ávida por intensidade máxima em áreas como a vida sexual. São sedutores, consideram-se invencíveis e fazem o que for preciso para conseguirem o que desejam. Na vida adulta, segundo acordo o grau do transtorno e o nível de inteligência, podem acabar na cadeia ou em posições de poder, seja na vida pública ou nas empresas.
Segundo Hilda, o psicopata na vida pública será o político que rouba o dinheiro da merenda escolar, cobra propinas e tentar ganhar algo para si por meio de qualquer projeto que se propõe a apoiar. “Podemos avaliar quais são os interesses deles. O que fazem de bom para os outros, ao longo de suas trajetórias. Mas não podemos provar nada”, avalia Hilda.
A psicóloga clínica Tárcia Rita Davoglio, professora de Psicologia da PUCRS, alerta para a banalização do termo “psicopata” e propõe outro olhar sobre a questão. Para ela, a sociedade de hoje vem aceitando cada vez mais traços de psicopatia como coisas aceitáveis.
“Não dá para sair com uma caça às bruxas, rotulando pessoas como psicopatas”, diz. “Temos que olhar o que interessa, que é o que está na cultura, no social. Ao acusar o outro, também estamos sendo perversos”, comenta.
A política, para Tárcia, acaba refletindo uma cultura marcada por traços como a insensibilidade ao sofrimento do outro, além de desrespeitos cotidianos a regras sociais em graus variados. “Não é que estejamos todos doentes mentais. Mas estamos anestesiados do ponto de vista de reconhecer que alguém que está sofrendo. É o que se passa também na política”, diz. “Em alguma medida, todos temos traços psicopáticos, antissociais. E temos que nos perguntar qual o momento de dizer qual é o limite.”
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