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Comportamento

“Shame”: vício em pornografia, fraqueza, apatia e confusão

O ator Michael Fassbender no papel de Brandon, no filme 'Shame'
O ator Michael Fassbender no papel de Brandon, no filme "Shame": o efeito da pornografia não é restrito à sexualidade. Aquela remodela a personalidade, afastando o ser humano da consciência, aprisionando-o no ego (Foto: Divulgação)

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O filme “Shame” (2011) conta a história de Brandon (vivido pelo ator Michael Fassbender), um publicitário bem-sucedido que, no entanto, é viciado em pornografia. Ele é a imagem do homem moderno, que se volta a conquistas exteriores, mas tem fracassos interiores incontornáveis. Paradoxalmente, quanto mais busca prazer, mais sente dor. É o sofrimento existencial. A sua tensão é dramatizada pelos seus atos sexuais, que não são mostrados de forma agradável, mas ao modo de uma escravidão. O personagem é prisioneiro de suas próprias paixões, refém de suas necessidades fisiológicas, tão viciosas quanto uma droga.

Afinal, o vício em pornografia faz com que o cérebro desempenhe atividades neurológicas comparáveis as dos usuários de drogas, como atestam os estudos da neurocientista Valerie Voon. Ela explica que a pornografia produz quantidades anormais de dopamina, o neurotransmissor responsável pelo sentimento de euforia, que “leva a ignorar os estímulos negativos, além de desencadear sentimentos de êxtase e excitação, podendo criar uma dependência poderosa.”

O mesmo não costuma acontecer com o sexo tradicional porque este envolve esforço, de modo a balancear o efeito positivo da dopamina: os solteiros precisam conquistar um parceiro, o que exige tempo; os compromissados, manter o cônjuge, o que exige paciência. Até às demais atividades o prazer decorre do esforço: a corrida exige treino; a comida, preparo; o conhecimento, estudo.

No entanto, o prazer da pornografia está sempre acessível, sem a exigência de nenhum esforço considerável, o que faz dele artificial. A artificialidade significa que a satisfação da pornografia inverte o fim último da dopamina, que passa da motivação para a ação à dependência sob o desejo de mais produção hormonal. A quantidade de hormônios torna-se tão alta que o sujeito tende a rejeitar os prazeres comuns, que se tornam pequenos demais para as suas exigências.

Com efeito, assim como as drogas mudam o funcionamento cerebral, exigindo doses cada vez mais altas para o aprazimento, a pornografia causa uma mudança anatômica no cérebro, que deixa o sujeito menos sensível a imagens tradicionais. Daí surge a necessidade de estímulos cada vez mais extremos para se chegar ao mesmo prazer. O estudo em língua inglesa “Agressão e comportamento sexual nos vídeos pornográficos mais vendidos” mostra que, dentre os mais populares, 49% têm cenas de agressão verbal e 88% de agressões físicas, dentre as quais sufocamento (28%), insultos (49%), engasgos (54%) e espancamentos (75%).

Casos mais extremos envolvem pedofilia, cuja tentativa de legalização parece teoria da conspiração para os desavisados, mas os estudiosos do assunto sabem que, com a crescente Revolução Sexual, diversos grupos vêm trabalhando para que esta se torne “uma atração sexual aceitável”. Estes movimentos surgiram como resultado do Enclave Kring, um círculo autodenominado de “ativismo pedófilo”, fundado por Frits Bernard, um sexólogo que se armou de fundamentos pretensamente científicos (artigos do “cientista” Magnus Hirschfeld) e escreveu periódicos favoráveis a relações sexuais entre adultos e crianças.

A obra “Psychopathia Sexualis”, do psiquiatra Richard von Krafft-Ebing, fortaleceu ainda mais o ativismo pedófilo. Este popularizou a ideia de que os primeiros impulsos sexuais voluntários ocorreriam entre os seis e sete anos de idade. Daí em diante foram surgindo vários grupos deste tipo de ativismo: NAMBLA (North American Man/Boy Association), Vereniging Martijn, Associação Pedófila Dinamarquesa, IPCE (International Pedophile and Child Emancipation), K13 (Associação Krumme 13), Boychat, Free Spirits, Forum Newgon, etc. Muitos dos pedófilos confessaram que tiveram o desejo transformado por meio da pornografia. E, se exponho a existência desses grupos, é para que os leitores tomem ciência de que não se trata de uma teoria da conspiração: os efeitos psicológicos dos filmes pornográficos são terríveis.

Na obra em questão, Brandon é incapaz de conquistar amizades profundas e de manter relações amorosas por mais de quatro meses. Este é mais um efeito da pornografia, que direciona a libido para um determinado objeto e esse investimento retorna ao sujeito, gerando o que os psicólogos chamam de “autoerotismo”. O sexo tradicional, pelo contrário, tende a aniquilar o sentimento de satisfação única, característico da infância, enquanto a pornografia volta o indivíduo para si mesmo, obstaculizando o amadurecimento do desejo.

Brandon desperta para estes problemas quando a sua irmã – Sissy (Carey Mulligan) – pede para morar com ele. A personagem relaciona-se com homens que lhe tratam como objeto, de forma que a sua participação no filme tem como objetivo a dramatização da consequência do autoerotismo na vida de outras pessoas. O adicto sexual trata os seus parceiros menos como personalidade e mais como uma droga. É como se o outro carecesse de existência subjetiva própria. Reduzido ao corpo, a pornografia afeta não somente o viciado, mas diz respeito ao seguinte problema: o uso do ser humano como meio para a autossatisfação, quando toda personalidade deve ter valor em si mesma.

Brandon tenta fazer com que a irmã reconheça esta sua dignidade, porém lhe falta paciência e sensibilidade, porque ele próprio trata as mulheres como objeto. O meio a que recorre é dar fim ao seu material pornográfico e iniciar um relacionamento sério. No entanto, ao tentar transar com a namorada, o personagem broxa e faz sexo com prostitutas. É um episódio que não traduz, em sua dimensão essencial, a impotência sexual, mas a impotência emocional. O adicto vive o autoerotismo, mas o seu autocentramento não é na consciência; é no ego. Diferentemente daquela – que tem vínculo com a essência e perenidade – o ego é sempre voltado às coisas passageiras.

Com tudo isso, o efeito da pornografia não é restrito à sexualidade. Aquela remodela a personalidade, afastando o ser humano da consciência, aprisionando-o no ego. A alma fica insensível aos outros e perde a própria identidade. O que é mostrado, cabalmente, com Brandon abordando uma mulher casada, apenas com o fim de provar a si mesmo de que é capaz. Sendo rejeitado, o personagem tem uma relação homossexual com um sujeito num bar, embora ele nunca tivesse tendências homoafetivas. Mas o homem foi quem lhe desejou, aumentando o seu ego, reavivando a sua dopamina. Sendo esta a consequência mais extrema do vício em pornografia: a inconsciência e a libido dominandi.

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