Julgamentos de fachada em Moscou
Julgamentos de fachada em Moscou| Foto: Commons Wikimedia
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Advogados atrás de pistas e testemunhas de última hora, jornalistas em frente aos tribunais, tensão nos corredores. O juiz está prestes a dar a sentença, mas todo mundo já sabe o veredicto: ele foi selado antes mesmo do julgamento começar. Poderia ser ficção, mas a história está cheia de exemplos reais. Os “show trials”, também conhecidos como julgamentos de fachada ou julgamentos políticos, são uma ferramenta usada por regimes autoritários para calar os opositores e reforçar seu poder.

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Na definição do dicionário Cambridge, consistem em um julgamento organizado por um governo para ter efeito sobre a opinião pública e reduzir a oposição política, e não para encontrar a verdade. Ou seja, não importa o que for apresentado pela defesa ou acusação, o réu já está condenado.

Os primeiros julgamentos de fachada datam da década de 1930, na União Soviética, quando o ditador Joseph Stalin, depois de afundar a economia, passou a eliminar vários oponentes políticos. O objetivo era manter o poder por meio do terror, mandando um claro recado sobre o que aconteceria com os “inimigos do povo”.

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Este tipo de julgamento costuma ser feito “para cumprir tabela”, com cartas marcadas. No nazismo, eram rápidos. Na URSS e na China ganhavam mais holofotes para deixarem clara as suas mensagens.

União Soviética: provas criadas e confissões sob tortura

Na União Soviética, Stalin usou três sessões para eliminar inimigos e manipular a opinião pública retratando os acusados ​​como traidores perigosos. Os “Julgamentos de Moscou” aconteceram durante o Grande Expurgo, como ficou conhecida a perseguição que levou à prisão e morte de pelo menos 750 mil pessoas, entre líderes, políticos e críticos de Stalin.

Os condenados eram fuzilados ou enviados para campos de trabalho forçado, os “gulags”, onde sofriam torturas físicas e psicológicas. Calcula-se que mais de 20 milhões de pessoas tenham passado por estes campos até sua extinção definitiva, na década de 1980.

O expurgo incluía antigos aliados, trotskistas, opositores do partido comunista e bolcheviques, inclusive militares. Nestes julgamentos de fachada eram apresentadas evidências fabricadas pela polícia secreta e confissões feitas sob tortura e intimidação.

Vladimir V.Tchernavin, um engenheiro sobrevivente dos gulags, conta no seu livro “Nos campos de concentração soviéticos – Relatos de um prisioneiro”, como foi submetido a interrogatórios e sofreu diversas formas de tortura, até conseguir fugir.

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No seu histórico “discurso secreto”, realizado no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, o sucessor de Stalin, Nikita Khrushchev, reconheceu a falsificação de provas e violação criminal da lei nesses tribunais. Durante cinco horas, criticou as práticas de Stalin – embora fosse parte da equipe do ditador.

Khrushchev citou o caso de Robert Eikhe, preso com base em “materiais caluniosos, sem a sanção do promotor da URSS”. Segundo Khrushchev, a investigação foi feita de uma maneira que violou brutalmente a legalidade soviética e foi acompanhada de falsificação.

Grigóri Zinoviev e Lev Kamenev são outros dois exemplos de desafetos de Stalin que passaram por um julgamento simulado e foram executados, em 1936. Foram acusados de assassinar um dirigente soviético e de planejar a morte de Stalin.

Em 1988, porém, a Suprema Corte Soviética anulou as condenações por traição, acrescentando que outros condenados nos julgamentos de fachada também foram inocentados pelo tribunal.

Nazismo tentou calar estudantes

Na Alemanha, o nazismo também usou um julgamento encenado como tática para condenar dois estudantes membros do grupo de resistência ao nazismo Rosa Branca à guilhotina. Eles espalhavam panfletos divulgando as atrocidades do regime. O Tribunal do Povo (Volksgerichtshof), criado por Hitler, realizava julgamentos rápidos, sem provas ou evidências concretas.

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Os dois condenados eram Sophie Scholl e seu irmão mais velho Hans. Eles nasceram em uma família luterana e seu pai era crítico de Hitler. Mesmo assim, se juntaram ao movimento da Juventude Hitlerista. Com o passar do tempo, e os irmãos indo para combate, ficaram horrorizados com as barbaridades cometidas, especialmente contra os judeus. Ao lado de outros estudantes, eles formaram o grupo Rosa Branca, denunciando os assassinatos e incentivando as pessoas a resistirem ao regime nazista.

O “interrogatório” de Sophie foi tão brutal que ela chegou ao tribunal com uma perna quebrada. Ainda assim, ergueu-se diante do juiz e disse: “você sabe tão bem quanto nós que a guerra está perdida. Por que é tão covarde que não consegue admitir isso?”

De acordo com o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, “o Terceiro Reich foi chamado de estado dual, já que o sistema judicial normal coexistiu com o poder arbitrário de Hitler e da polícia. Após a ascensão nazista, em 1933, o sistema de justiça alemão passou por alinhamento com os objetivos nazistas”.

China: julgamentos espetáculos e milícia

Depois do fracasso do Grande Salto Adiante, plano econômico que pretendia industrializar o país, ainda predominantemente rural, a China enfrentou uma fome avassaladora (a Grande Fome), que matou mais de 20 milhões de pessoas, enfraquecendo a popularidade do líder comunista Mao-Tsé Tung.

Para recuperar seu poder e para impor sua ideologia, Mao liderou a Revolução Cultural. Em 1966, estátuas foram derrubadas, bibliotecas saqueadas e livros queimados em praça pública por jovens militantes do partido.

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Os chineses passaram a ser obrigados a carregar pôsteres e broches do líder comunista, além do Livro Vermelho com as citações do ditador, e incentivados a denunciarem seus próprios familiares ao Partido Comunista – filhos chegaram a entregar seus próprios pais.

Sob um regime de repreensão e censura, quem divergia do regime era enviado para campos de “reeducação”, onde realizavam trabalhos forçados, ou passavam por julgamentos realizados pela Guarda Vermelha, uma espécie de milícia. Além de humilhações públicas e agressões, as pessoas não podiam nem se defender.

Cuba: paredão de fuzilamento em estádios

Do outro lado do oceano, os irmãos Fidel e Raúl Castro criaram tribunais populares em estádios e campo de beisebol em Cuba, onde realizavam julgamentos em massa, de forma parcial e sem humanidade de seus oponentes.

As condenações eram instantâneas e os inimigos políticos eram fuzilados contra os muros – os famosos “paredóns”. Estima-se que cerca de mil cubanos foram assassinados desta forma apenas no primeiro ano do regime comunista cubano.

Segundo o poeta Armando Valladares, que sofreu 22 anos de tortura e confinamento, “tanta gente era fuzilada que não havia caixão suficiente e as pessoas eram enterradas em sacos de náilon”.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]