Semtertempoparanadaagentevaificandosemfôlegoenãovêavidapassar.
Perturbador ler sem espaços, não é? Mas não deveria mais ser chocante porque, na verdade, é assim que a gente tem vivido: sem intervalos, sem tempo para respirar, sem silêncio para pensar. Imagine que cada pessoa gera cerca de 50 mil pensamentos por dia, muitos dos quais repetitivos e mecânicos e que, por isso, esgotam nossa criatividade e sugam nossa energia. A minha relação com o silêncio, por exemplo, nunca foi das melhores, confesso.
A primeira vez que o “ouvi” na vida tive uma impressão assustadora. Eu havia sobrevivido às emoções do vestibular e da graduação, que passaram como em um estalar de dedos. Mas os primeiros cinco minutos em que fiquei completamente solitária, em um pequeno quarto na zona leste de Milão, pareciam intermináveis. E me davam a impressão de que, pela primeira vez, estava sozinha no mundo. Talvez por isso o silêncio tenha sempre significado desassossego em minha alma, e não o contrário.
Acredito que para muitos de nós isso seja verdade, e é por essa razão que buscamos sempre fugir dele e ocupar nosso tempo e nossas mentes.
A consequência é que vivemos em um tempo de ansiedade e falta de concentração, praticamente a partir do momento em que nascemos. Fatos que só se intensificam na ânsia que temos de fazer tudo parecer perfeito e eternamente feliz, como se a vida fosse uma sonora gargalhada.
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Só que uma gargalhada, se for eterna, nos deixa sem fôlego. E com insônia. E o que era um estilo de vida para poucos começa a se propagar. Ioga, meditação, slow travel, slow fashion, slow food, design e arquitetura que planejam espaços dentro do lar dedicados ao relaxamento... tudo numa tentativa quase desesperada de acalmar espíritos e mentes.
Necessário. Acontecimentos marcantes demandam tempo para ser processados pela nossa consciência – sabe o luto? Então, é um exemplo. Se algo nos deixa tristes ou surge como uma ruptura nos planos e, mesmo assim, seguimos adiante sem refletir, sem respeitar nosso tempo, a pressa se traduz em angústia. “Digerir” o que se passou é parte fundamental do processo.
É doce saber calar
Isso sem contar que é sábio calar. Existe uma cena muito sensível no filme Pequena Miss Sunshine que ilustra bem o que quero dizer. Quando o irmão da protagonista descobre que seu sonho de ser piloto cai por terra, ele se senta no chão e parece chorar. Ela vai atrás, senta-se ao lado e o abraça. Não precisa de palavras para dizer que está ao seu lado. É um bom começo: calar quando nenhuma frase vai expressar o que se quer. Mas é também a parte mais fácil. Difícil mesmo é fazer a mente se abster de repetir que tudo vai dar errado quando algum prazo está estourando, quando seu chefe está gritando no seu ouvido, quando o trânsito te faz pensar mil vezes “o que estou fazendo aqui?” e quando você decide participar de uma maratona e, ao acabar os primeiros 5 km, tem a certeza de que vai desistir.
É por isso que, em uma rápida busca pelo Google, a gente encontra mais de 6 milhões de resultados para o termo “meditação”. Pontualmente, já se fala em “meditação para eficiência nos negócios”, “o poder da meditação no desenvolvimento da performance esportiva” e “meditação para medo de andar de avião”. Ela é tema de livros, matérias jornalísticas e sites. Mas sua importância vai muito além: ela diminui insônia e depressão, fortalece os sistemas nervoso e imunológico e reduz a pressão arterial. Muitas vezes, é procurada por seus efeitos benéficos à mente, pois estimula a criatividade, melhora a memória e diminui o estresse.
Eu tentei, admito. Comecei a fazer ioga na metade de 2014– durante a barulhenta Copa do Mundo, para ser mais exata. Gostei, me sentia bem, e sei que foi um primeiro passo importante, principalmente para quem trabalha com criatividade o tempo todo. Mas bastou chegar o final do ano para as desculpas começarem: vou passar 15 dias viajando. Ihhhh, agora tem carnaval. Março? Tô sem grana. Já começo a sentir os efeitos da falta da ioga: dor nas costas, um pouco de insônia e uma leve taquicardia se algo foge dos planos nas semanas de agenda lotada.
Tudo slow
Mas, se ainda me faltava algum incentivo, eu o tive em meados do mês de março de 2015. Em São Paulo aconteceu a exposição Terra Comunal – Marina Abramovic, que reuniu quatro décadas de produção da artista sérvia de 69 anos. Ela é conhecida por suas intensas performances – como “A Cebola”, em que devora de maneira dramática uma enorme, entre lágrimas, e “512 Horas”, que mostra quando interagiu com visitantes da Serpentine Gallery, em Londres. Eles deveriam deixar para trás seus pertences e, em completo silêncio, cumprir atividades simples, como deitar-se em uma cama e caminhar lentamente. Marina atuou nesta performance por exatas 512 horas, em que não emitiu o som de uma palavra. Focada e atenta à percepção do tempo e das energias, ela busca aumentar a consciência física e mental do momento presente. Não foi à toa, portanto, que a artista se tornou um dos principais nomes da arte mundial contemporânea: ela teve a sensibilidade de perceber o que mais necessitamos hoje – não só beleza, tampouco apenas conhecimento, mas, sim... silêncio.
E a “avó da performance” percebeu que, com ele, é possível buscar uma de-sa-ce-le-ra-ção. Sim, esta parece ser a palavra de ordem. Buscar outro estilo de vida, mais contemplativo e menos corrido é a pedra filosofal dos nossos tempos, e tem ecoado em áreas diferentes.
É o caso do slow movement, por exemplo. Trata-se de um movimento que começou em 1986, quando o ativista político italiano Carlo Petrini protestou contra a abertura de um McDonald’s na tradicional Piazza di Spagna, em Roma. Suas ações se desdobraram em uma organização, a Slow Food, hoje de alcance global, que prega uma nova gastronomia. Ela começa com a escolha dos alimentos e a forma de produção, respeita o meio ambiente e os produtores artesanais e chega até a mesa, onde a convivência e a celebração são fundamentais. O conceito se espalhou para o slow travel (nada de “conhecer” 15 cidades em 20 dias, a ideia aqui é aproveitar o tempo, flanar pelo seu destino e apreciar momentos cotidianos) e até pelo slow parenting, em que os pais são chamados a retirar compromissos das rotinas atribuladas de seus filhos pequenos. Mas sua face mais bonita e delicada é o slow fashion.
O fim do fast fashion?
Não é que o fast fashion tenha morrido nem tampouco que as marcas do mainstream estejam produzindo menos coleções por ano. Mas surgiu uma onda que, de marola, está se transformando em tsunami. Reparou como tricô, crochê, rendas manuais e outras técnicas artesanais se tornam cada vez mais importantes nas tendências de moda? É claro que elas já existiam, mas antes eram parte de um reduto hippie-natureba-alternativo. Agora, aparecem em desfiles de alta costura. Alta costura, esta, que foi declarada quase em extinção há cerca de 20 anos, mas que, agora, veja só...
Está voltando ao centro das atenções. A trendhunter holandesa Li Edelkoort, considerada pela revista Time uma das pessoas mais influentes do mundo da moda, publicou um “Manifesto Antimoda”, em que concluía: da forma como a conhecemos hoje, a moda vai deixar de existir. “Quase tão grave quanto a mão de obra escrava é a mensagem que se passa com roupas tão baratas: ‘compre, use e jogue fora, como se fosse uma camisinha’. As pessoas acabam não ‘saboreando’ o que compraram e, pior, isto ensina aos jovens consumidores que a moda não tem valor”, diz Li. Isso desestimula criações mais ousadas e os estilistas têm se concentrado cada vez mais no que realmente dá dinheiro: bolsas e sapatos. E o que a alta costura tem a ver com isso? Ela vai ocupar esse vazio: o da moda pela beleza, pela inovação e pela criação. Mas, para produzir sonhos, ela precisa de tempo. E de silêncio.
Taí. Fazer as pazes com o silêncio pode começar com essa admiração que temos pelo bem-feito, por aquilo que é fruto de muito tempo de dedicação, de estudo, de concentração. São produtos e serviços, no mínimo, inspiradores, que trazem a vontade de fazer tudo na vida assim... lentamente... com calma... com paciência... e em silêncio.
Fazer as pazes com ele é perceber que não se trata de ausência ou solidão. Que não precisa ser angustiante, como na precisa e poética descrição do escritor Gabriel García Márquez no livro Cem Anos de Solidão: “... sentindo que não conseguia mais aguentar o rumor glacial de seus rins e o ar de suas tripas, e o medo, e a ânsia atordoada de fugir dali e ao mesmo tempo ficar para sempre naquele silêncio exasperado e naquela solidão espantosa”.
É entender que o silêncio pode trazer paz, conforto, sossego. Que permite pensar, compreender e aceitar o que acontece à nossa volta. Que respeita espaço e tempo. Que pode fincar os pés no chão ao invés de deixá-los sair por aí, em uma fuga desenfreada não sabemos nem mesmo de quê. Mas também pode levar a cabeça às nuvens, onde tudo é mais leve e a mente se esvazia, para então se preencher de novas ideias que vão, por fim, acelerar o coração e nos trazer de volta à correria cotidiana, revigorados, centrados e plenos. É, pensando bem, quem sabe eu não volto à ioga, pelo menos uma vez por semana?