A brutalidade policial está marcada no inconsciente de muitos norte-americanos — sobretudo negros — desde os anos 1960, quando a TV mostrou manifestantes em defesa dos direitos civis espancados por departamentos de polícia que impunham as leis segregacionistas.
Depois de todo caso transmitido para o país inteiro — o mais recente deles sendo a morte horrível de George Floyd — clama-se por mudanças. Especialistas exigem que a polícia seja mais bem treinada, que haja mais fiscalização civil e que haja mais diversidade nas forças policiais. Muitos departamentos de polícia tomaram medidas nesse sentido.
O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, admitiu no domingo (31): “Precisamos de medidas disciplinares mais rápidas quando se trata dos policiais”. Mas isso parece nunca ocorrer.
Talvez já esteja na hora de refletir sobre o papel que os sindicatos exercem na perpetuação da brutalidade policial. De Blasio é visto sempre tratando com os poderosos sindicatos da cidade, mas ele jamais questiona o imenso poder político dessas instituições. E não se engane: esse poder costuma ser usado para encobrir acusações de comportamentos inapropriados por parte dos policiais.
“Os sindicatos, ao menos em Nova York, só protegem mesmo os policiais”, escreveu o comandante aposentado do Departamento de Polícia de Nova York, Corey Pegues, em seu livro de memórias, Once a Cop [Já fui um policial, tradução livre]. “Trata-se de um sistema amplo de acobertamento”.
Escrevendo para a Stanford Law Review, a pesquisadora Katherine Bies observa que, “desde a ascensão dos sindicatos de policiais ao poder político, nos anos 1970”, eles conseguem evitar que seus membros prestem contas à sociedade. “Os sindicatos de policiais criaram uma máquina política extremamente desenvolvida que exerce uma pressão política e financeira considerável sobre os três poderes”, escreve Bies. “O poder dos sindicatos sobre os legisladores, no contexto da justiça criminal, distorce o processo político e gera consequências políticas que prejudicam os valores democráticos da transparência e da responsabilidade”.
Pegue a questão das câmeras de celulares, que demonstraram seu valor ao exibirem o caráter tenebroso da morte de George Floyd. Andy Skoogman, diretor-executivo da Associação de Chefes de Polícia de Minnesota, disse à Fox News: “Acredito que os vídeos feitos com celulares mudaram tudo. (...). Eles revelam as frutas podres. O vídeo é essencial neste caso, assim como em vários outros casos da nossa época”.
Mas Jim Pasco, o diretor-executivo de 73 da Fraternal Order of Police, o maior sindicato do tipo nos Estados Unidos, com 342 mil membros, é claramente um obstáculo para a transparência. Pasco acredita que deveria ser ilegal gravar ações policiais com os celulares. Ele defendeu até mesmo um projeto de lei rejeitado em Illinois que tornava a gravação do trabalho policial crime, com punição de até 15 anos de prisão.
“Em algum momento temos de ter fé e confiar nas autoridades”, disse ele à revista Reason em 2011.
Os sindicatos de policiais — como todos os sindicatos em geral — fazem todo o possível para proteger seus membros. Booker Hodges é o responsável pelo Departamento de Segurança Pública de Minnesota. Ele é membro de um sindicato há muito tempo, mas, em 2018, escrevendo para o site PoliceOne.com, reconheceu que “o sindicato é necessário para representar o policial, mas nos casos em que alguém claramente viola seu juramento, a defesa pública do policial que violou seu juramento esgarça as relações comunitárias e corrói a confiança”.
Hodges não está sozinho. Skoogman disse ao jornalista Chris Wallace que o processo de arbitragem dos sindicatos de policiais geralmente impede que as corporações se livrem dos frutos podres. “Temos policiais que violam as regras, eles fazem isso consistentemente, e temos chefes e xerifes que tentam demitir esses policiais, mas nossos tribunais ordenam que eles sejam recontratados”.
Derek Chauvin, o ex-policial de Minneapolis que matou George Floyd, tinha 18 reclamações contra si no Departamento de Polícia de Minneapolis. Assim como em vários departamentos, as regras de “sigilo” impostas pelos sindicatos impedem que se saiba detalhes desses casos.
Pegue a Califórnia, por exemplo. Mesmo depois que o Legislativo estadual aprovou a abertura dos arquivos policiais, o procurador-geral Xavier Becerra foi contra uma ação movida pela estação KQED-TV que buscava ter acesso a registros de casos sérios de má conduta e uso excessivo da força. Becerra exigiu até que os jornalistas destruíssem registros policiais que tinham “vazado” para eles.
Sabemos que apenas duas das 18 reclamações contra Chauvin resultaram numa reprimenda por escrito. O ex-policial Tou Thao, que ficou por perto enquanto Chauvin imobilizava Floyd, tinha seis reclamações na ouvidoria, uma delas ainda um caso aberto. Thao também esteve envolvido numa ação de 2017 que pedia indenização de US$25 mil da cidade de Minneapolis. A ação dizia que ele e outro policial haviam sujeitado um suspeito a um castigo “cruel e incomum”.
Há muito tempo me interesso por expor os “Vilões de Azul” [Nota do tradutor: a cor faz referência ao uniforme usado pelos policiais americanos]. Meu irmão trabalhou como policial em Tucson, no Arizona, por mais de 30 anos, alcançando um alto cargo de liderança. Ele há muito diz que os sindicatos são prejudiciais para a manutenção da disciplina dos policiais e que eles protegem pessoas que já deveriam ter sido expulsas da corporação.
Mas ninguém acredita que o assassinato de outro civil por um policial vai mudar toda a cultura de silêncio que permeia os departamentos de polícia.
Talvez esteja na hora de a Suprema Corte intervir. A corte anunciará se analisará a doutrina da imunidade qualificada, criada em 1982. A doutrina protege policiais e autoridade do governo por suas ações, a não ser que as vítimas demonstrem que seus direitos foram “claramente violados”.
Mas “a questão se as ações do policial são inconstitucionais, intencionais ou maldosas é na prática irrelevante”, dizem Patrick Jaicomo e Anya Bidwell, advogados do Institute for Justice. “Quando a Suprema Corte concebeu a imunidade qualificada, ela prometia que a regra não seria usada como uma “licença para a conduta ilegal” por parte das autoridades governamentais. Mas foi o que aconteceu”.
O Institute cita vários exemplos. Em novembro passado, uma Corte de Apelações decidiu que policiais do Tennessee que deixaram que um cão mordesse um suspeito já rendido não tinham violado nenhum direito.
A questão dos maus policiais que rotineiramente violam direitos constitucionais, juntamente com seus superiores e os sindicatos que os protegem, não é uma questão de direita versus esquerda.
Isso deveria ser uma questão unindo todos os americanos. Porque, se não podemos confiar nas figuras de autoridade que exercem um poder enorme sobre nós, talvez a decadência da lei e da ordem que veremos seja nossa culpa – e não dos criminosos.
John Fund é repórter da National Review.
Deixe sua opinião