Governo americano financia no Brasil iniciativas cujo propósito poderia ser considerado censura com base no ordenamento jurídico dos EUA.| Foto: Eli Vieira com Dall-E
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Um relatório publicado em 1º de outubro pela organização Civilization Works, dos mesmos autores da série de reportagens Twitter Files Brasil e duas colaboradoras americanas, revelou que o governo americano tem aplicado fundos no Brasil, por várias vias, para projetos de suposto combate à “desinformação” e “discurso de ódio”.

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“Desinformação” e “discurso de ódio” evidentemente não são desejáveis, mas ambos não são crimes perante a lei brasileira ou a americana, e vêm sendo usados como pretexto pela esquerda e pelo governo Biden para censurar vozes dissonantes ou críticas. A própria tentativa de combatê-los é classificada como censura pelo ordenamento jurídico dos Estados Unidos, por causa da Primeira Emenda da Constituição, que prevê liberdade de expressão absoluta.

As verbas americanas foram aplicadas nos últimos anos de forma direta e indireta no Brasil. Um de seus beneficiários foi o grupo de esquerda Sleeping Giants Brasil, dedicado à censura de pessoas e órgãos de imprensa não alinhados com os dogmas do pensamento progressista. Outro foi um instituto fundado por Felipe Neto.

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O financiamento indireto tem intermediários como o Atlantic Council, uma organização de relações internacionais sediada em Washington D.C. que tem departamentos de Estado dos EUA entre seus principais financiadores; e a Meedan, uma organização global sem fins lucrativos que promete “tornar os ecossistemas online mais seguros e mais inclusivos” e recebe dinheiro da Fundação Nacional da Ciência (NSF), um órgão do governo federal dos EUA que financia pesquisas.

Dinheiro do governo americano desemboca em projeto do TSE

A Meedan esteve envolvida no projeto “Confirma 2022”, junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que juntou as agências de checagem de fatos Lupa, Aos Fatos, Projeto Comprova (da Abraji), Estadão Verifica e UOL. O projeto, que tinha o apoio do próprio WhatsApp, era um robô de conversação apelidado de “Tira-dúvidas” pelo TSE, que então ainda era presidido pelo ministro Alexandre de Moraes. O robô foi desenvolvido pela Meedan.

“Os usuários podem fazer perguntas que trazem à tona checagem de fatos pela coalizão” das agências, explicou a Meedan na época. Uma versão do projeto de lei das “fake news” (PL 2630/2020), para o qual Moraes havia até feito sugestões de artigos e que terminou “ressuscitado” em resolução do TSE, previa o “uso de verificações provenientes de verificadores de fatos independentes”, ou seja, agências de checagem.

A parceria entre agências de checagem e a remoção de conteúdo é clara. Inúmeros conteúdos foram retirados da Internet após tais agências os classificarem como falsos, especialmente nas redes sociais da Meta (de Mark Zuckerberg), incluindo conteúdos verdadeiros como corroborações ao tratamento precoce da Covid por revisões científicas. Usuários comuns pareciam ser alvos mais fáceis dessa censura que contas maiores ou vinculadas a veículos de comunicação de direita.

Há uma preferência política entre os “checadores de fatos”. Em junho de 2023, o congresso internacional de checagem de fatos Global Fact 10, realizado na capital da Coreia do Sul, recebeu o ex-chefe de segurança do Twitter, Yoel Roth, um dos responsáveis pela censura a Donald Trump na rede social, e à notícia do jornal New York Post sobre o laptop de Hunter Biden, antes que o Twitter fosse comprado por Elon Musk em 2022.

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Três semanas antes das eleições de 2020, o New York Post publicou uma reportagem de capa sobre emails colhidos de um laptop deixado em uma loja de penhores que mostravam tráfico de influência feito por Hunter Biden usando o nome de seu pai, Joe Biden, especialmente no período em que este era vice-presidente no governo Barack Obama. Segundo delatores do IRS (equivalente à Receita Federal brasileira) que falaram com a repórter investigativa Catherine Herridge, em reportagem da última terça-feira (29), o FBI sabia da autenticidade do laptop desde 2019. Mas agentes de inteligência simpáticos ao Partido Democrata orquestraram uma carta aberta, para influenciar as eleições, alegando que a notícia era fabricação russa — o que se encaixou no projeto de moderação de suposta desinformação em redes sociais como o Twitter e o Facebook, que prontamente censuraram a notícia. O New York Times só reconheceu a autenticidade dos emails e do laptop dois anos depois. As investigações sobre a possível corrupção da família Biden revelada pelos emails seguem abertas.

Rebatizada com o nome X, a rede social comprada por Musk “não tem plano nenhum para lidar com a desinformação”, alegou Roth. O plano adotado por Elon Musk após comprar a rede social, cujo nome é “Notas da Comunidade”, foi elogiado por um artigo na principal revista da Associação Médica Americana e não envolve a censura a conteúdos checados com tarjas de “contexto adicional”.

As intenções do TSE são outras. Como deixou claro o tribunal em seu “Plano Estratégico Eleições 2024”, ele atribui a si mesmo a função de “enfrentar a desinformação com foco no controle de comportamentos e, excepcionalmente, com controle de conteúdo”.

O TSE também participou rotineiramente nos últimos anos de eventos sobre combate à desinformação com patrocínio indireto da Agência dos EUA pelo Desenvolvimento Internacional (USAID), como detalhou o relatório da Civilization Works.

Sleeping Giants e Alma Preta

A USAID, junto com o Departamento de Estado e diferentes embaixadas dos Estados Unidos, financia o Centro Internacional de Jornalistas (ICFJ). Em parceria com o YouTube Brasil, o ICFJ premiou no ano passado, no seu projeto “Jogo Limpo 2.0”, nove iniciativas de mídia no Brasil com até US$ 13.750 (R$ 78 mil na cotação atual).

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Um dos projetos sendo pagos indiretamente pelo governo americano através do ICFJ é uma iniciativa da organização identitária de jornalismo Alma Preta em parceria com o Sleeping Giants Brasil. Em seu site, a Alma Preta diz que “não acredita na existência de um jornalismo neutro ou imparcial” e fez uma cobertura favorável ao PL das “fake news”, chamado de “PL da censura” pelos críticos.

O deputado Orlando Silva (PcdoB/SP), que foi relator do projeto, chamou em entrevista à Alma Preta de “desinformação” a opinião de quem acredita que “o movimento negro serve para dividir o Brasil” e “quebrar a identidade nacional”. Esta é uma opinião compartilhada até por pensadores de esquerda críticos do identitarismo, como o antropólogo baiano Antonio Risério.

O parceiro da Alma Preta no projeto financiado indiretamente pelo governo americano é o Sleeping Giants Brasil, conhecido por fazer campanhas de censura contra veículos de comunicação que não sigam uma linha editorial progressista. O grupo se dedica à “chantagem online anônima que busca intimidar anunciantes de veículos de comunicação, com o objetivo de sufocar economicamente as empresas de mídia caso elas não se curvem às demandas dos achacadores”, como afirmou um editorial da Gazeta do Povo em novembro de 2020. O jornal foi um dos alvos, por causa da opinião de um de seus colunistas.

Em uma postagem sobre a parceria no X, o Sleeping Giants Brasil e a Alma Preta anunciaram em novembro de 2023 que estavam fazendo uma “pesquisa” sobre “o perfil da desinformação no Brasil”. A postagem encaminhava para um robô de conversação no WhatsApp que cumprimenta o usuário dizendo “bora combater juntes a desinformação e o discurso de ódio?” e oferece um questionário.

Depois de colher dados pessoais, o robô avalia o “conhecimento” do usuário com uma série de perguntas sobre falsos acontecimentos no país como um filme blasfemo dirigido pelo “deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ)”, que não é mais deputado desde 2019, e suposto desligamento das bombas da transposição do rio São Francisco, pedindo ao usuário que clique no botão “verdadeiro” ou “falso”. Algumas das notícias são falsas por detalhes introduzidos: por exemplo, uma diz que o governo fez as vacinas da Covid obrigatórias (para crianças), o que é verdade, mas complementa que seriam fabricadas todas pela Pfizer, o que é falso.

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Da forma como está organizada, a enquete via WhatsApp de Sleeping Giants e Alma Preta não tem valor científico.

Entre outros favorecidos pela verba do ICFJ estão a agência de checagem Lupa, com projeto para “mapear publicações falsas que levaram brasileiros a participarem de atos antidemocráticos em Brasília em 8 de janeiro de 2023”; e o Correio Sabiá, “organização de mídia criada no WhatsApp em 2018 para combater a desinformação”, com projeto para desmentir “falsas narrativas que questionam a credibilidade do sistema eleitoral e colocam a democracia em risco”. O projeto seria criar um mapa global interativo para permitir comparações de sistemas eleitorais.

Felipe Neto

O influenciador Felipe Neto, desde que se converteu à esquerda do espectro político, aceitou participar de um grupo de trabalho “antidesinformação” dentro do Ministério de Direitos Humanos no começo da gestão Silvio Almeida, e usou acesso privilegiado ao Twitter para chamar pela censura de desafetos, como o jornalista Allan dos Santos. Neto também fundou o Instituto Vero, que faz parte de iniciativas “antidesinformação” do TSE. A organização do influenciador ganhou US$ 30 mil (R$ 170 mil) da Embaixada dos Estados Unidos desde 2023.

Atlantic Council favoreceu narrativa anti-Bolsonaro rejeitada pelo próprio TSE

Em fevereiro de 2021, o Tribunal Superior Eleitoral absolveu o ex-presidente Jair Bolsonaro e empresários apoiadores como Luciano Hang por suposto abuso de poder econômico em “disparo em massa de mensagens” via WhatsApp na campanha eleitoral de 2018. Desde aquelas eleições, havia uma insistência de que disseminações ilegítimas de mensagens falsas a favor do político teriam sido a principal razão pela qual ele foi eleito.

O Atlantic Council adotou a narrativa dos adversários de Bolsonaro. Em um relatório de seu Laboratório de Pesquisa Digital Forense (DFRLab), publicado em março de 2019, a entidade não chega a dizer diretamente que o político foi eleito por praticar desinformação, mas afirma que uma das razões de sua vitória foi “o uso das redes sociais como meio primário de se conectar com eleitores brasileiros” e que as eleições foram marcadas por “desinformação orgânica disseminada através de plataformas de mensagens encriptadas” (como o WhatsApp).

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Doutrinadora que influenciou o TSE também recebeu dinheiro do pagador de impostos americano

Em outubro de 2022, o então ministro do STF Ricardo Lewandowski (hoje ministro da Justiça de Lula) votou a favor da censura contra uma reportagem da produtora Brasil Paralelo de título “Relembre os esquemas do governo Lula”. “Considero grave a desordem informacional apresentada”, disse o ministro.

O curioso jargão de Lewandowski tem origem conhecida. “Desordem informacional” é um termo cunhado pela acadêmica Claire Wardle e seus colegas da First Draft News, uma organização focada em combater a “desinformação” online. O trabalho de Wardle, iniciado em Harvard e continuado na Universidade Brown no Information Futures Lab, também é citado em publicações oficiais do TSE.

Em Harvard, em abril de 2022, a antiga sede do grupo de Wardle, o Shorenstein Center, recebeu como convidado o atual presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso. O centro explicou que o tema da visita de Barroso era “discutir como o populismo e o autoritarismo puseram em risco democracias ao redor do mundo, e descrever o papel do Supremo Tribunal brasileiro em conter a disseminação de conteúdo danoso na véspera das eleições presidenciais de 2022”.

O Shorenstein Center tinha como pesquisadora da desinformação Joan Donovan, americana com pouca formação acadêmica que caiu em desgraça este ano. Antes celebrada como uma das maiores especialistas em “desinformação” do mundo e convidada para audiências no Congresso americano, uma devassa do jornal The Chronicle of Higher Education afirmou em junho que muitas das alegações de Donovan sobre seu tempo em Harvard “são enganosas, inverdades e contraditas pelas pessoas diretamente envolvidas”. Ela se mostrou parcial e de pouca confiança, e seu perfil não é de acadêmica, mas de ativista. O jornal também lançou dúvida sobre toda a empreitada da pesquisa da “desinformação”: “os estudos falharam em encontrar uma relação direta de causa entre ser exposto à desinformação online e mudar comportamentos específicos tais como o voto”.

O viés político de Donovan não é exceção, mas regra: em pesquisa de 2023 com 148 “especialistas em desinformação”, da Harvard Kennedy School, da qual faz parte o Shorenstein Center, 85% se disseram de esquerda, nenhum se identificou como conservador e menos de 5% se declararam “um pouco à direita do centro”.

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Projetos mentorados por Wardle e a First Draft com aplicação no Brasil tiveram verbas da USAID e da NSF. Em sua fundação, a First Draft também contou com recursos da Ford Foundation e Open Society Foundations (de George Soros). Segundo o jornalista Matt Taibbi, que cobriu os Twitter Files dos EUA, a First Draft era conectada também ao Observatório da Internet de Stanford (fechado este ano), ao DFRLab, ao Fórum Econômico Mundial de Davos e à Meedan. A organização foi fechada em 2022.

O outro lado

Em resposta à reportagem, Ed Bice, o diretor executivo da Meedan, disse que “enquanto tivemos a sorte de ganhar verbas de pesquisa do governo dos Estados Unidos, para o desenvolvimento de tecnologia de código aberto, a noção de que qualquer quantidade desses recursos foi empregada no nosso trabalho no Brasil é alucinatória, falsa e difamatória”. Bice afirmou que a organização firmou contrato com o TSE para desenvolver o robô conversacional no WhatsApp, mas “não produzimos o conteúdo para aquele robô, nem tivemos qualquer papel em decisões editoriais relacionadas ao conteúdo servido através daquele robô”.

A Gazeta do Povo não recebeu resposta da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, do Instituto Vero/Felipe Neto, do Atlantic Council, do TSE, do ministro da Justiça, da organização Alma Preta ou do Sleeping Giants. O espaço segue aberto para manifestação.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]