A Open Society Foundations, organização criada pelo bilionário George Soros, despejou US$ 20,7 milhões (R$ 106,5 milhões) em ongs que atuam no Brasil em apenas um ano.
Em reais, o valor é praticamente o mesmo enviado pela Open Society a ongs brasileiras em 2021.
O levantamento abarca os dados de 2022, divulgados recentemente pela organização, e foi feito pelo Instituto Monte Castelo. Os números de 2023 ainda não estão disponíveis.
Na lista de organizações que receberam recursos da Open Society no Brasil em 2022 estão 83 nomes. Mais da metade (45) obteve doações acima de R$1 milhão naquele ano.
O topo da lista
Em 2022, duas organizações dividem o primeiro lugar como principais beneficiadas pela Open Society no Brasil: o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Instituto Makarapy. Ambas receberam US$ 1,5 milhão (R$ 7,7 milhões) da Open Society .
O Fundo Brasil de Direitos Humanos redistribui recursos para organizações dentro do Brasil. Oficialmente, a missão da entidade é “promover o respeito aos direitos humanos no Brasil, construindo mecanismos inovadores e sustentáveis que canalizem recursos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social”.
Em 2022, o Fundo Brasil repassou R$ 50,2 milhões de reais a 1.224 projetos diferentes. A lista inclui programas contra o racismo, a favor da comunidade "LGBTQIA+" e grupos de "defesa da democracia".
A entidade também recebe contribuições de outras organizações globais, como a Fundação Ford e a OAK Foundation. O Fundo Brasil serve como uma espécie de intermediário do dinheiro estrangeiro para organizações brasileiras. Como o processo de competição para os fundos internacionais exige certo grau de organização, o Fundo Brasil facilita o repasse dos recursos vindos do exterior a organizações menos estruturadas.
Parceira do MST recebeu R$ 7,7 milhões
O Instituto Makarapy, com sede em Imperatriz, no Maranhão, foi fundado em 2017. A organização afirma atuar junto a “povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultoras/es familiares”.
Dentre os parceiros do Instituto Makarapy estão o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o Greenpeace, além de diversas organizações indígenas. “Essas parcerias não são apenas colaborações pontuais, mas conexões profundas que enriquecem nossa trajetória, promovendo mudanças significativas na busca pelo BEM VIVER”, afirma a página da entidade maranhense.
O site oficial do instituto não informa quem são os líderes da ong, cuja página no Instagram tem cerca de 400 seguidores. A Open Society tampouco detalha o objetivo da doação concedida ao Instituto Makarapy. Diz apenas que o recurso se destina a “apoio geral”.
Veja abaixo as dez organizações que mais receberam recursos da Open Society no Brasil em 2022.
ORGANIZAÇÃO | VALOR OBTIDO EM 2022 (R$) |
Fundo Brasil de Direitos Humanos | 7.710.000 |
Instituto Makarapy | 7.710.000 |
Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre | 3.695.660 |
Instituto Cidades Sustentáveis | 3.084.000 |
Instituto Sou da Paz | 3.084.000 |
Fórum Brasileiro de Segurança Pública | 2.904.100 |
Instituto de Estudos da Religião (ISER) | 2.698.500 |
Agência Mural de Jornalismo das Periferias | 2.570.000 |
Associação Coletivo Cultural | 2.570.000 |
Plataforma CIPÓ | 2.570.000 |
Nomes conhecidos na planilha da Open Society
Na lista de entidades beneficiadas pela Open Society em 2022, alguns nomes chamam a atenção.
O Sleeping Giants Brasil, que atua para intimidar patrocinadores de veículos de imprensa não alinhados com as pautas de esquerda, obteve US$ 400 mil (equivalente a R$ 2,05 milhões) com uma justificativa genérica de “apoio geral”.
A Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, vinculada a um órgão público, obteve US$ 50 mil (R$ 257 mil) para "ampliar e fortalecer a representação de afro-brasileiros no sistema de Justiça".
Já o Instituto Marielle Franco foi agraciado com US$ 60 mil (R$ 308 mil) para promover a "justiça racial e de gênero". Desde 2020, a ong já recebeu mais de R$ 3 milhões da Open Society. A entidade foi fundada por Anielle Franco, irmã de Marielle Franco e atual ministra da Igualdade Racial.
O jornal Folha de S. Paulo também é citado na prestação de contas da fundação de George Soros. Em 2022, veículo obteve US$ 200 mil (pouco mais de R$ 1 milhão) com o objetivo de “promover e melhorar o debate sobre a crise climática”, “dando visibilidade a diferentes vozes nacionais e internacionais.”
Apoio à liberação das drogas
A Open Society tem entre suas prioridades a legalização das drogas ao redor do mundo.
No Brasil, isso se reflete na lista de ongs financiadas pela entidade. Por exemplo: a INNPD (Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas), com sede no Rio de Janeiro, foi a terceira organização mais beneficiada em 2022, com US$ 719 mil (R$ 3,7 milhões). Entre 2019 e 2021, a ong já havia recebido R$ 2,4 milhões da Open Society. A "nova" política defendia pelo INNPD é a legalização das drogas.
Na lista de beneficiados também está o Igarape Inc. A organização é um desdobramento internacional do Instituto Igarapé, ong brasileira que advoga pela liberação das drogas.
Outra prioridade da Open Society é a promoção do chamado "desencarceramento". Em 2022, a fundação repassou US$ 207.000 (cerca de R$ 1 milhão) à Associação Elas Existem - Mulheres encarceradas. A justificativa para o repasse inclui a atuação da ong pelo fim do "encarceramento em massa" e a defesa de uma "reforma" no sistema prisional brasileiro.
Universidades também receberam
Quatro instituições de ensino aparecem nas planilhas de 2022 da Open Society: duas públicas e duas particulares.
A Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro ganhou US$ 340 mil (R$ 1,7 milhão) para estudar "o impacto das redes sociais sobre a democracia brasileira".
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, assegurou US$ 150 mil (R$ 771 mil) para o seu Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O levantamento também inclui a PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro e o INSPER. A PUC garantiu US$ 180 mil (R$ 925 mil), aplicados em um projeto para estudar a influência do autoritarismo no sistema multilateral, enquanto o INSPER obteve US$ 200 mil (R$ 1,03 milhão) para financiar estudos sobre a questão racial.
Como o levantamento foi feito
O levantamento do Instituto Monte Castelo utiliza a própria base de dados da Open Society. Como a organização de George Soros não detalha o país de cada entidade financiada, a análise precisa ser feita manualmente.
O valor das doações anunciadas são relativas ao ano de 2022, mas nem sempre os repasses foram feitos integralmente no mesmo ano. Por vezes, os pagamentos são divididos em um período de dois ou três anos.
O levantamento leva em conta ongs brasileiras (a maioria) e também as estrangeiras que tenham recebido recursos para financiar projetos no Brasil. Os números citados nesta reportagem foram convertidos para o real levando em conta o valor médio do câmbio de cada ano.
Influência desproporcional
Além da pouca transparência, a Open Society costuma ser criticada por exercer uma influência desproporcional no debate público dos países em que atua.
O Sleeping Giants, por exemplo, atuou diretamente contra os apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.
Para Giuliano Miotto, presidente do Instituto Liberdade e Justiça, a desproporção é evidente. À frente de uma organização de perfil liberal, ele afirma que as causas progressistas costumam receber um volume significativo de recursos de organizações estrangeiras. "Dada a realidade brasileira, é praticamente impossível levantar quantias desse montante para institutos mais identificados com ideias liberais ou conservadoras", diz ele, comentando a doação generosa recebida pelo Sleeping Giants.
Segundo ele, a influência da Open Society e de outras fundações internacionais acaba por "cooptar lideranças, professores, influenciadores e jovens".
Mas Miotto, que também é advogado, diz que é preciso dar mais transparência a esse tipo e financiamento. "Não creio que o Brasil deveria ter um tipo de legislação impedindo o financiamento e atuação de organizações estrangeiras, mas é preciso mais transparência a respeito do que está acontecendo e um mapeamento do destino final desses recursos, para que possamos entender a verdadeira dimensão do problema", diz ele.
Desde 2016 (e sem contar 2023), o valor enviado pela Open Society ao Brasil chega a R$ 451 milhões, com 565 repasses a 251 organizações.
UERJ afirma que doação não fere independência
A reportagem da Gazeta do Povo procurou as organizações mencionadas nesta reportagem.
A assessoria de imprensa da UFRJ informou apenas que não era possível atender o pedido por causa da greve dos servidores da universidade.
Já o Laboratório de Análise da Violência da UERJ afirmou, por meio de nota, que os recursos obtidos da Open Society foram usados "em um projeto internacional comparativo, que inclui dez países da América Latina, sobre o uso da força letal por parte dos agentes do Estado."
A entidade diz ainda que os recursos não ficaram restritos à UERJ, e que "a captação de recursos privados para a pesquisa pública é um expediente trivial para instituições de ensino do mundo todo." Por fim, a instituição afirmou que "a independência está atrelada ao fato de que o projeto já existia, com suas hipóteses e planos fixados bem antes da captação dos recursos, tendo seus resultados publicados com ampla visibilidade".
Por sua vez, a Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro afirmou que os recursos foram aplicados no Programa Abdias Nascimento, cuja finalidade é "promover o ingresso de pessoas negras no Sistema de Justiça". Mais especificamente, o valor foi destinado a bolsas de estudo em cursos preparatórios para concursos públicos, além de custear atendimento psicológico aos participantes.
A fundação afirma que "a prestação de contas deste convênio foi feita diretamente à Open Society", e que, como entidade de direito privado, "presta contas anualmente ao Ministério Público".
As demais organizações citadas na reportagem não responderam.
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