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Entrevista

Stella Maris Rezende: a caçadora de palavras

Stella Maris Rezende: relação intensa com as palavras e paixão pela literatura (Foto: Adriana Machado/ Divulgação)

A paixão de Stella Maris Rezende despertou cedo pelas letras, aos 8 anos de idade, e este é um possível indicativo para explicar a obsessão pelas palavras que a autora desenvolveu ao longo da carreira como escritora. A mineira do pequeno município de Dores do Indaiá, que estreou na literatura no final da década de 1970, possui uma sólida obra infantojuvenil — Justamente porque sonhávamos (2017), A fantasia da família distante (2016), A coragem das coisas simples (2015) e A poesia da primeira vez (2014) são alguns dos seus títulos mais recentes. Entre outros prêmios literários, já levou o Jabuti, o APCA e o João de Barro. Atualmente, reside no Rio de Janeiro (RJ) e ministra a oficina Letras Mágicas, que incentiva a leitura e a escrita entre todas as faixas etárias.

Quando se deu conta de que queria ser escritora?

Quando eu tinha 8 anos, minha professora dona Marlene pediu que cada aluno escrevesse sobre o assunto que quisesse. Escrevi meu primeiro conto, vinte páginas. Dali alguns dias, ela trouxe as composições de volta — naquele tempo se dizia “composição”, palavra que considero mais bonita que “redação” — e, ao entregar minhas folhas, disse: “Stellinha, você vai ser escritora”. Eu já gostava de contar histórias em voz alta e já me encantava com as palavras, mas a afirmação da professora me estimulou a frequentar, com mais assiduidade, o lugar-mor da escola: a biblioteca. Afinal, se eu ia ser escritora, precisava conhecer o que já havia sido escrito, precisava ler mais, apaixonadamente mais.

Quais são suas manias e obsessões literárias?

Manias: ouvir atentamente o que as pessoas dizem. Colecionar frases que escuto nas ruas, no metrô, no supermercado, em todo lugar. Observar a entonação, o sotaque, os gestos, as pausas e o olhar. Viajar de ônibus, para ficar olhando pela janela e imaginar personagens e histórias. Obsessões: reescrever inúmeras vezes, até encontrar a palavra mais sonora e quase insubstituível; descobrir no dicionário palavras esquecidas ou abandonadas.

Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?

Dicionários. Sou uma caçadora de palavras. No YouTube tenho o canal Fada das Palavras. Gosto de descobrir palavras que ninguém diz e fazê-las entrar na vida das pessoas, reavivá-las, sugerir novas possibilidades.

Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?

A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas, de Maria José Silveira. Um retrato impressionante do Brasil desde os primeiros anos coloniais até a década de 1980, ainda na ditadura militar. Em linguagem poética e encantadora, é uma bela aula de Brasil. Para machistas e misóginos, leitura penosa, mas imprescindível.

Quais são as circunstâncias ideais para escrever?

Ter dicionário de sinônimos e dicionário analógico, algum silêncio e xícara de café.

Quais são as circunstâncias ideais de leitura?

Horas e horas livres e xícara de café.

O que considera um dia de trabalho produtivo?

Ter escrito ou reescrito no mínimo 30 páginas e ter lido pelo menos 50 páginas de um belo livro.

O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?

Reescrever. Trabalhar a linguagem poética. Me surpreender com atitudes de personagens.

Qual o maior inimigo de um escritor?

A empáfia. Não combina com o papel da arte no mundo.

O que mais lhe incomoda no meio literário?

O machismo. Há muitas mulheres com obra vigorosa, mas em geral os homens têm mais visibilidade nas mídias e nos encontros literários. No entanto, de uns anos para cá, as mulheres vêm ocupando mais espaços e até se criou um movimento chamado Mulherio das Letras, com encontros nacionais importantes.

Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.

Rosângela Vieira Rocha, autora de O indizível sentido do amor e Véspera de lua.

Um livro imprescindível e um descartável.

Imprescindível: Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves. Descartável: qualquer livro que se pretende literário, mas na verdade dá lição de moral, privilegia um conteúdo de ensinamento, é pobre e chato na forma.

Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?

Um total desmazelo com a palavra e as entrelinhas, um evidente menosprezo pelos significantes e seus múltiplos significados.

Que assunto nunca entraria em sua literatura?

Literatura é linguagem. Qualquer assunto é bem-vindo. Uma boa qualidade literária dá conta de qualquer assunto.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?

Um tapete esgarçado e preso debaixo da porta.

Quando a inspiração não vem...

Não fico esperando por ela. Dano a escrever qualquer coisa, a esmo. Palavra puxa palavra e, aos poucos, o texto vai se construindo. Aliás, nunca planejo meus textos, faço questão de ser leitora o tempo todo, quero me surpreender, levar sustos. Escrevo para descobrir qual é o texto que eu quero escrever.

Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?

Helena Morley, autora de Minha vida de menina, um clássico que abrange conflitos íntimos, aspectos sociais e políticos de Diamantina, interior de Minas, entre 1893 e 1895.

O que é um bom leitor?

Quem não tem medo de palavras que nunca ouviu, gosta do desconhecido e não está em busca apenas de respostas. No fundo, um bom leitor é apaixonado por perguntas.

O que te dá medo?

Perder a memória, a maior riqueza de quem escreve.

O que te faz feliz?

Prestigiar os amigos nos lançamentos. Continuar a escrever. Viajar a convite de feiras, congressos e encontros literários.

Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?

Escrevo por via das dúvidas. Tenho poucas certezas. Uma delas: literatura é linguagem, arte, universo simbólico, transgressão, polissemia, susto e mistério.

Qual a sua maior preocupação ao escrever?

Trabalhar uma linguagem poética. Para mim, a poesia é indispensável e ela pode estar numa metáfora, numa elipse ou numa palavra qualquer, corriqueira às vezes, mas muito bem inserida na frase.

A literatura tem alguma obrigação?

Não obrigação, mas destino. A literatura se destina a encantar, fazer pensar e imaginar, humanizar, provocar um olhar mais arguto e mais crítico.

Qual o limite da ficção?

Se houver algum limite, a arte pode ultrapassá-lo.

Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?

Com o olhar de professora, Paulo Freire. Com o de escritora, Cecília Meireles.

O que você espera da eternidade?

Não creio que haja vida após esta, a não ser a vida dos meus livros. Espero que continuem existindo e falando por mim.

© 2019 Rascunho. Publicado com permissão.

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