Lembrado mundialmente como sinônimo de qualidade de vida, o Canadá costuma aparecer no topo das listas de melhores países para se morar e trabalhar, por fatores como liberdade, estabilidade econômica e política e acesso a saúde. Nos últimos tempos, no entanto, as notícias sobre o país mostram que o progressismo pode estar deixando profundas marcas na face feliz canadense.
As posturas autoritárias do primeiro-ministro Justin Trudeau têm mostrado que mesmo um país tradicionalmente livre como o Canadá pode enveredar por caminhos pouco compatíveis com a democracia. Em fevereiro, para suprimir protestos de caminhoneiros contra a exigência do passaporte sanitário, o premiê invocou a Lei de Emergências, que lhe permite suspender direitos fundamentais e governar com mais poderes. A única vez que isso tinha acontecido antes no país fora em 1970, com o pai de Justin Trudeau, Pierre Trudeau.
A liberdade para protestar caracteriza as democracias ocidentais, que nunca tomaram uma medida semelhante contra seus cidadãos, exceto em caso de terrorismo. Trudeau, no entanto, usou a Lei de Emergências para dissuadir os dissidentes, dando ordens para que bancos parassem de “oferecer quaisquer serviços financeiros a pessoas relacionadas aos protestos”, incluindo congelamento de contas, cancelamento de cartões e sequestro de fundos. Entre os “suspeitos” a lei coloca qualquer pessoa que faça doações em dinheiro para apoiar os protestos.
O uso de poderes emergenciais para tirar o dinheiro de oponentes políticos se parece com a política de créditos sociais chinesa, que pode punir dissidentes do regime tirando-lhes o acesso a serviços básicos. “Onde é que isso vai parar? O que haverá de impedir que políticos influentes violem as liberdades usando os mesmos pretextos? A resposta, claro, é ‘nada’. E talvez este seja o ponto: de agora em diante, a dissidência contra a visão esquerdista pode ser criminalizada”, questiona o comentarista político Ben Shapiro.
Incentivo ao suicídio dos pobres
Desde o ano passado, a lei canadense permite que os cidadãos pobres demais para continuar vivendo recebam “assistência médica para morrer”, um eufemismo para suicídio assistido.
Promulgada em março de 2021, a lei Bill C-7 alterou o Código Penal, revogando a exigência de que “a morte natural de uma pessoa seja razoavelmente previsível para que ela seja elegível para assistência médica para morrer”. A legislação abre brechas para casos como o de uma mulher de 51 anos, moradora de Ontário, que optou pela morte assistida após tentar auxílio público por mais de dois anos para obter uma moradia livre de agentes químicos que agravavam sua alergia crônica.
Outra mulher, em Vancouver, estava em busca da morte assistida porque sua renda, afetada pelos efeitos da pandemia, não é mais suficiente para arcar com um tratamento que mantinha sua dor crônica suportável. Até o ano que vem, a legislação deve ampliar o acesso ao suicídio assistido para pessoas com doenças mentais, por meio de uma revisão parlamentar. Também se fala em tornar “menores maduros” elegíveis para esse tipo de procedimento.
No dia 10 de maio, o senador do Partido Conservador Donald Neil Plett, líder da oposição no Senado, mencionou casos de abusos, questionando o líder governista, senador Marc Gold (sem partido), sobre como as prometidas “salvaguardas necessárias para proteger os mais vulneráveis da sociedade” falharam nessas situações.
“As histórias que você contou são trágicas e nossos corações estão com as famílias que sofreram. Ainda acredito que o projeto de lei que aprovamos atingiu um equilíbrio razoável. Também me sinto encorajado pelo trabalho do Comitê Conjunto Especial de Assistência Médica ao Morrer para buscar melhorias na lei. Estou confiante de que nós no Senado e nossos colegas de outro lugar continuaremos trabalhando para garantir que a lei continue a encontrar o equilíbrio adequado”, disse Gold.
O pesquisador Yuan Yi Zhu, da Universidade de Oxford, lembra em um artigo publicado pelo Spectator, que a economia líquida anual gerada pela lei C-7 está na casa dos US$ 62 milhões. O dado é de um relatório do Orçamento Parlamentar do Canadá de 2020. Enquanto os cuidados em saúde para pessoas com doenças crônicas são bastante onerosos, cada suicídio assistido custa US$ 2.327. “Apesar da insistência do governo canadense de que o suicídio assistido tem tudo a ver com autonomia individual, ele também está de olho em suas vantagens fiscais”, reforça.
Basicamente, conclui Yuan Yi Zhu, “a lei canadense, em toda a sua majestade, permite que tanto os ricos quanto os pobres se matem, se forem pobres demais para continuar vivendo com dignidade. Na verdade, o sempre generoso estado canadense vai até pagar por suas mortes. O que não vai fazer é gastar dinheiro para permitir que eles vivam em vez de se matarem.”.
Aborto
Diante da sinalização de que a Suprema Corte dos Estados Unidos está prestes a derrubar a jurisprudência de Roe vs. Wade, o Canadá “convidou” as norte-americanas a abortarem em seu território. A ministra de Famílias, Crianças e Desenvolvimento Social canadense, Karina Gould, afirmou que o país pode prestar “serviços de interrupção da gravidez” a cidadãs americanas. Segundo ela, tudo o que as mulheres precisariam fazer seria pagar o custo do procedimento.
A ministra também expressou receio de que a possível revogação dos direitos ao aborto nos EUA possa afetar o Canadá. Nesse sentido, Trudeau afirmou que o governo está considerando apresentar um projeto de lei para garantir o direito ao aborto no país. “"Toda mulher no Canadá tem direito a um aborto seguro e legal", disse o primeiro-ministro. A prática é permitida desde 1988, mas não existe uma lei que regule o tema.
Ideologia de gênero
Em 2017, o país aprovou a lei C-16, que coloca a identidade de gênero como parte do Código de Direitos Humanos e torna “crime de ódio” no Código Penal a recusa ao uso de pronomes neutros. A pena, que vai de multa à prisão, inclui até mesmo um “treinamento anti-preconceito”, ensinando a forma “certa” de agir.
O debate deu notoriedade ao psicólogo clínico Jordan Peterson, que publicou, em 2016, uma série de vídeos criticando a legislação. Ele denunciou o controle da linguagem por parte do governo, apontando a C-16 como uma forma de imposição governamental de uma ideologia. “A lei viola a liberdade de expressão dos cidadãos e que institui a ideologia de gênero”, disse, na ocasião, o professor da Universidade de Toronto.
Religiosidade em queda
A população do Canadá também está cada vez menos religiosa, como mostra o estudo “Religiosidade no Canadá e sua evolução de 1985 a 2019”, publicado pelo StatCan (departamento do governo federal encarregado de produzir estatísticas sobre a população canadense). Ao longo das décadas, tanto filiação religiosa, quanto frequência em atividades e importância dada a crenças espirituais diminuíram no país.
Em 2019, embora 68% dos canadenses tenham afirmado ter uma filiação religiosa, mais da metade da população (53%) relatou não ter participado de atividades ligadas ao tema no ano anterior à pesquisa. Apesar disso, 54% dos entrevistados disseram considerar crenças religiosas ou espirituais como um pouco ou muito importantes para suas vidas.
A queda de filiados em algumas denominações é tão assustadora que a Igreja Anglicana do Canadá projeta que não terá mais membros até o ano 2040, se o declínio de fiéis mantiver o ritmo atual. A conclusão é do reverendo canadense Neil Elliot, padre anglicano e principal autor de um estudo encomendado pela denominação. Na década de 1960, os anglicanos canadenses eram 1,3 milhão, número que caiu para 360 mil em 2019. A queda é ainda mais significativa porque a população do Canadá teve crescimento expressivo ao longo dessas décadas.
Crise entre os conservadores
A gestão dos protestos, em fevereiro, teve um custo para a popularidade em queda do primeiro-ministro. No começo de março, uma pesquisa feita pela empresa Nanos apontou que a aprovação de Trudeau chegava a menos de um terço da população (29,9%). A líder interina do Partido Conservador do Canadá, Candice Bergen, aparece em segundo na preferência popular, com 19,2%, enquanto 17,1% disseram que gostariam de um governo liderado por Jagmeet Singh, do Novo Partido Democrático. Antes do Comboio da Liberdade, eram 31,4% de canadenses que preferiam Trudeau a outros líderes.
Entre 1867 e 1935, os conservadores formavam a maior força política do país e, com o nome atual, governaram o Canadá de 2006 a 2015. Mas agora, o próprio Partido Conservador “se vê diante de uma profunda crise de identidade”. Paralelamente aos protestos, em fevereiro, Erin O'Toole foi retirado da liderança partidária, que ocupava desde agosto de 2020. Ele vinha sendo criticado por suas posições progressistas, que incluem ser favorável ao aborto.
Para o colunista Dennis Prager, do Daily Signal, a crise de identidade - que atinge de maneira especial as elites do Canadá - advém do fato dos cidadãos se identificarem em oposição aos norte-americanos. “Fora isso [não serem norte-americanos], não há muitos outros elementos de identidade entre os canadenses. E, quando uma nação não se identifica com basicamente nada, coisas ruins acontecem – porque o nada geralmente é preenchido ou substituído pelo mal”, adverte.
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