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Toda vez que um caso de criança ou adolescente “transexual” ganha o noticiário e causa questionamentos no público, a resposta dos defensores da transição precoce costuma ser a mesma: a adoção de terapias hormonais ou de cirurgias é importante porque ajuda a prevenir distúrbios psiquiátricos e, consequentemente, reduz a taxa de suicídios nessa população. Um argumento semelhante é usado por defensores de leis que, sob o pretexto de proteger a população de transexuais, instituem medidas que têm o potencial de prejudicar crianças não-transexuais, especialmente as meninas. Mas uma análise fria dos números sobre o suicídio entre transgêneros mostra uma realidade muito mais complexa.
Em primeiro lugar, o consenso: os dois lados do debate concordam que a taxa de suicídio entre transexuais é extremamente elevada - de 4 a 10 vezes maior do que a população em geral, a depender da faixa etária. Ou até mais do que isto: a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulga, em sua página oficial, um estudo apontando que aproximadamente 40% das pessoas transexuais já tentaram o suicídio. Um dos estudos mais amplos sobre o tema, conduzido pela Associação Americana de Psiquiatria, concluiu que 41% dos adolescentes transgêneros já haviam tentado o suicídio, contra 14% dos adolescentes em geral.
Mais detalhado, o levantamento feito pelo Instituto Williams, da Universidade da Califórnia, traz resultados muito parecidos. Mas uma análise dos dados tende a enfraquecer a tese de que o preconceito e a falta de aceitação social são o fator determinante na epidemia de suicídios entre pessoas transexuais. Por exemplo: as tentativas de suicídio foram maiores entre os transexuais que se assumiram para amigos LGBT do que para os que não se assumiram.
Embora o estudo aponte que o apoio pela família e amigos ajuda a reduzir os índices de suicídio, as taxas continuam muito elevadas mesmo nesses casos: 37% dos transexuais que relataram ter o apoio da família já tentaram suicídio e quase 80% deles já tiveram pensamentos suicidas. Dentre os que fazem ativismo político, as tentativas de suicídio também são mais frequentes.
O preconceito parece não ser o único, ou mesmo o principal fator, nessa estatística. Mesmo entre grupos oprimidos historicamente, o suicídio não era tão comum quanto entre os transexuais atualmente. Na África do Sul do Apartheid, por exemplo, a taxa de suicídio entre negros era menor do que a de entre brancos. Entre os sobreviventes do Holocausto, a taxa de tentativas de suicídio é de 24% - ainda muito menor do que entre a população transexual.
Além disso, a maior parte dos estudos que tratam do suicídio de pessoas trans tem metodologias questionáveis porque não distinguem entre pacientes pré e pós transição de gênero. Um estudo mais rigoroso pareceu inicialmente comprovar a tese dos militantes LGBT. Feito na Suécia e divulgado em 2019, o levantamento proclamava ter encontrado sinais de que a transição reduz os problemas mentais em pessoas com disforia de gênero.
Mas o estudo acabou caindo em descrédito no ano passado, quando os autores divulgaram uma retratação e afirmaram que “os resultados demonstraram não haver vantagem na realização da cirurgia no que diz respeito a visitas ao médico ou prescrição de medicamento devido a desordens de humor ou ansiedade, ou à hospitalização após tentativa de suicídio”. Outro levantamento recente, publicado na Holanda em 2020, chegou a uma conclusão semelhante: “O risco de suicídio em pessoas transgênero é mais alto que o da população em geral e parece acontecer em todos os estágios da transição”.
Eli Vieira, mestre em Biologia e doutorando pela Universidade de Cambridge, afirma que um dos principais estudos sobre o tema, feito na Suécia em 2011, tem problemas metodológicos porque “não se propôs a investigar uma relação causal entre a transição e o suicídio”. Por outro lado, diz ele, o estudo feito em 2020 na Holanda aponta que parece haver algum benefício na transição para homens que se identificam como mulheres, embora o mesmo efeito não tenha sido identificado entre as mulheres que se identificam como homens. “Sólido, nesse campo, nada é”, afirma.
Para além da complexidade da pesquisa científica nessa área, um dos problemas é a politização do tema. “Há casos de cancelamento de acadêmicos e de retratação de artigos acadêmicos por blasfêmia contra os dogmas do ativismo”, afirma ele.
A tese de que o alto índice de suicídio entre pessoas transexuais se deve ao preconceito, e que a cirurgia precoce é eficaz para amenizar o problema, é fundada mais em princípios ideológicos do que em observações empíricas. Uma das explicações alternativas para o alto índice de suicídios entre transexuais é a simples correlação entre dois transtornos mentais. Na verdade, pelo paradigma científico, toda pessoa trans possui um distúrbio mental.
A disforia de gênero (termo usado pela academia para definir a condição de alguém que se identifica como pertencente ao sexo oposto) consta do DSM-5 (Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais), o documento de referência na área elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria. Nele, a disforia de gênero é definida como “uma nítida incongruência entre o gênero expressado por alguém e o gênero atribuído a ele, com duração de pelo menos seis meses” e que inclua a manifestação de pelo menos dois sintomas de uma lista de seis, dentre eles “um forte desejo de pertencer ao outro gênero”.
Os críticos das “terapias afirmativas”, como a cirurgia, dizem que, por ser um distúrbio mental, a disforia de gênero exige um tratamento para a mente, não modificações irreversíveis no corpo. “Se uma anoréxica disser que é gorda, a crença dela não vai ser reforçada. Essas pessoas precisam ser ajudadas a lidar com a realidade”, afirma Eugênia Rodrigues, jornalista que pesquisa o assunto e criou uma campanha chamada “No Corpo Certo” para ajudar pessoas a conhecer melhor o tema. De acordo com Eugênia, os transexuais são apresentados a uma mentira por médicos e militantes da causa quando compram a ideia de que podem, de fato, passar a pertencer plenamente ao sexo oposto e adquirir uma identidade completamente nova. "Essas pessoas já têm alguma questão psíquica ou psiquiátrica, fazem modificações corporais que prejudicam a saúde e correm o risco de terem vidas solitárias porque ficam fechadas no nicho LGBT", afirma.