O recente filme sobre a trajetória do assassino Francisco de Assis Pereira, o “Maníaco do Parque”, reacendeu um debate controverso. O motivo é que, mesmo condenado a 285 anos de prisão, o criminoso tem chances de voltar às ruas já em 2028, beneficiado pela progressão de regime prevista no Código Penal brasileiro.
Preso pelo assassinato de sete mulheres — e ainda por estupro, ocultação de cadáver e atentado violento ao pudor —, o ex-motoboy foi capturado em 1998. Ou seja: está perto de completar 30 anos encarcerado, o tempo máximo de cumprimento de pena no país à época de sua condenação (em 2019, uma mudança na lei aumentou o limite para 40 anos, mas a regra não se aplica a sentenças anteriores).
Caso seja aprovado em todos os testes psicológicos necessários e realmente saia da prisão, o serial killer vai se juntar à galeria brasileira de homicidas famosos soltos nos últimos anos. E a exemplo de colegas de crime como Suzane Richthofen, Elize Matsunga, Alexandre Nardoni e o “Goleiro Bruno”, terá seus passos acompanhados pelo público e pela imprensa.
Suzane, por exemplo, tem até uma conta no Instagram, na qual divulga e vende bijuterias, chinelos e outros produtos feitos à mão (“Su Entre Linhas” é o nome da marca). Condenada a 39 anos de prisão por planejar a morte dos pais, ela atualmente está no regime aberto e vive em Bragança Paulista (SP).
Casada com o médico Felipe Muniz, com quem teve seu primeiro filho, nascido em janeiro, Richthofen, de 41 anos, cursa a faculdade de Direito e recentemente chamou a atenção ao ser vista prestando o concurso para ingressar no Tribunal de Justiça de São Paulo. Se for aprovada, terá de apresentar um atestado de antecedentes criminais, o que pode atrapalhar seus planos de virar servidora pública.
Daniel Cravinhos, ex-namorado de Suzane e igualmente condenado a 39 anos de prisão pelo duplo homicídio do casal Richthofen, também virou notícia nos últimos dias. Aos 43 anos, o assassino que cumpre pena em regime aberto foi exposto nas redes sociais pela ex-mulher, a estudante Andressa Rodrigues.
Segundo ela, Daniel a traiu e terminou o relacionamento logo após o nascimento da primeira filha. “Ele me largou na hora em que mais precisei. Os pontos do parto nem haviam sido retirados. Não conhecia esse lado insensível dele”, afirmou, talvez sem elaborar a última frase.
Cristian Cravinhos, de 48 anos, irmão de Daniel, conseguiu um benefício semelhante em 2017. No entanto, naquele mesmo ano, voltou ao regime semiaberto após tentar subornar os policiais que o detiveram por supostamente agredir a ex-mulher (e, por isso, recebeu mais três anos de condenação).
Os irmãos se viram pela última vez há pouco tempo, em setembro, durante uma “saidinha” de Cristian — que registrou o encontro em sua conta do Instagram, seguida por quase 8 mil pessoas.
Elize Matsunaga tem um novo amor; Bruno é entregador de móveis
Quem também voltou ao noticiário foi Elize Matsunaga, conhecida por matar e desmembrar o marido em 2012. Agora motorista de aplicativo em Franca (SP), ela tem um novo amor, cujo nome ainda não foi revelado.
Sabe-se apenas que pessoas próximas de seu parceiro estão bastante preocupadas com esse relacionamento. E não só por causa do passado tenebroso de Elize. Elas afirmam que a ex-prostituta apresenta um comportamento possessivo e obriga o namorado a manter o mínimo de contato possível com os amigos e familiares.
Condenada a 20 anos de prisão pela morte do empresário Marcos Kitano Matsunaga, herdeiro do grupo Yoki Alimentos, Elize teve sua pena reduzida pelo Superior Tribunal de Justiça para 16 anos e 3 meses. Está em liberdade condicional desde 2022, após cumprir dez anos em regime fechado.
Bruno Fernandes de Souza, o “Goleiro Bruno”, também vem atuando em outra profissão: é entregador de móveis no município de Rio das Ostras, no litoral fluminense. Uma notícia divulgada na última semana, no entanto, vem para reforçar seu orçamento. É que ele venceu um processo contra a editora Record, que utilizou sua imagem sem permissão num livro, e vai receber R$ 30 mil de indenização.
O ex-atleta do Flamengo foi condenado a 22 anos de prisão pelo assassinato e ocultação do cadáver da ex-amante, Eliza Samudio, além do sequestro do filho que teve com ela. Em liberdade condicional, chegou a jogar por alguns clubes de pouca expressão, interessados em capitalizar em cima de sua fama sombria. Bruno disputou sua última partida em julho, pelo União do Bom Destino, time amador do Espírito Santo.
Sobrenome “Nardoni” foi retirado dos registros dos irmãos da menina Isabella
Segunda vereadora mais votada em São Paulo nas últimas eleições, Ana Carolina Oliveira se elegeu pelo Podemos prometendo “dar voz às vítimas que sofrem em silêncio”. Ela é mãe da menina Isabella Nardoni, morta aos cinco anos de idade, em 2008, pelo pai e a madrasta — Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá.
Anna foi condenada a 26 anos e 8 meses de prisão, cumpriu 15 anos e obteve progressão para o regime aberto em junho de 2023. Desde então, vem sendo acusada de abusar do benefício concedido pela Justiça, pois já foi vista mergulhando no Guarujá, curtindo uma festa de formatura e participando de um casamento como madrinha.
Já Alexandre, sentenciado a 30 anos de reclusão, ficou preso durante 16 anos e desde maio cumpre o restante de sua pena em liberdade. Abriu uma microempresa e trabalha como promotor de vendas para a construtora do pai, por um salário fixo de R$ 2,5 mil.
O casal se divorciou em 2023 e solicitou a retirada do sobrenome Nardoni das certidões de nascimento dos filhos, sob a justificativa de que eles sofrem constrangimento na escola e nas redes sociais.
A lista de homicidas famosos em liberdade também inclui exemplos mais discretos, como o do ex-diretor de redação do Estadão, Antônio Pimenta Neves (que matou Sandra Gomide, também jornalista, em 2000), e do ex-PM Mizael Bispo (assassino de Mércia Nakashima, morta em 2010) — ambos tiraram as vidas das ex-namoradas.
Há ainda dois matadores recém-soltos e com potencial para dar o que falar daqui para frente. Gil Rugai, condenado a mais de 30 anos pela morte do pai e da madrasta, cumpre o restante de sua pena livre desde agosto. E Mateus da Costa Meira, que matou três pessoas a tiros durante uma sessão do filme “Clube da Luta”, foi solto em setembro (inicialmente condenado a 120 anos de prisão, teve sua pena reduzida para 48 e cumpriu 25).
Humanizados pela fama, criminosos não podem ter seus crimes esquecidos
Com exceção do “Maníaco do Parque”, todos os assassinos citados até aqui são o que o especialista em criminologia e psicanálise Rubens Correia Jr. define como “homicidas de impulso”.
“Para cometer um ato brutal, o indivíduo não precisa ser um psicopata ou ter traços psicopáticos. Isso desestabiliza a nossa segurança, pois um monstro como o ‘Maníaco’ é muito mais fácil de ser identificado”, diz o investigador forense e professor de Direito, autor de livros como “Criminologia Descomplicada” e “Serial Killers: Como Funciona a Mente Sombria dos Assassinos em Série”.
Segundo ele, figuras como Elize, Suzane e Bruno possuem perfis bastante distintos, mas hoje estão unidas por uma característica em comum: são “celebridades mórbidas”. E ao mesmo tempo que seduzem uma parcela do público, devem lidar com o ônus de serem mais vigiados por causa da fama.
Correia Jr. ainda cita o caso dos irmãos americanos Lyle e Erick Menendez, presos na década de 90 por matar os pais e que neste ano viraram tema de um documentário da Netflix. Ao mostrar o histórico de abusos sofridos pelos dois, o filme acabou humanizando sua condição e forçando uma reavaliação do processo.
“As novas gerações estão fazendo uma releitura desse e de outros casos. Mas nunca podemos esquecer da brutalidade que esses indivíduos cometeram.”
Sobre a sensação de impunidade da sociedade com relação à soltura de criminosos notórios, o especialista afirma que a questão em jogo é, na realidade, a insuficiência das punições.
“A impunidade, por si só, realmente existe no país. Estima-se que, de cada cem crimes, apenas oito vão se traduzir em algum tipo de procedimento penal. Mas a questão envolvendo essas ‘celebridades mórbidas’ não é a falta de punição, e sim a possibilidade de progressão de regime”, afirma, atribuindo aos legisladores a responsabilidade por essa marca do nosso sistema.
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