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Em fevereiro de 2022, a Suprema Corte da Colômbia legalizou o aborto no país até o quinto mês de gestação. O caso foi saudado por grupos pró-aborto brasileiros como um exemplo. "Histórico", escreveu a ex-deputada comunista Manuela d'Ávila em seu perfil na rede social X.
Agora, os resultados começam a aparecer.
Segundo o governo colombiano, o número de nascimentos caiu 7,1% entre 2021 e 2022. Em um ano, número passou de 616.914 para 573.090. É uma mudança sem precedentes. A natalidade vinha caindo na Colômbia, mas a redução era gradual. Entre 2012 e 2021, a queda anual média havia sido de 1%.
Os dados foram publicados no fim de setembro. E os números parciais de 2023 sugerem uma queda ainda maior neste ano. Nos primeiros seis meses deste ano, a Colômbia teve 254, 2 mil nascimentos. Se mantiver o ritmo, o país fechará o ano com uma queda de 11,3% em relação a 2022.
Embora pouco surpreendentes, os números contrariam uma tese fundamental dos defensores do aborto: a de que a legalização não afeta o número total de abortos, já que o aborto aconteceria de qualquer maneira — legal ou ilegal.
Efeito comprovado
O exemplo da Colômbia é apenas o caso mais recentes de uma longa lista. Em outros países, a legalização do aborto foi imediatamente seguida por uma queda no número de nascimentos.
Na Espanha, por exemplo, a liberação do aborto reduziu não só o número de partos, mas também o de casamentos.
Liderados por Libertad González, da Universidade Pompeu Fabra, um grupo de pesquisadores analisou o número de nascimentos no país logo após a legalização do aborto, em 1985. “Nós constatamos que a queda no número de nascimentos e casamentos foi significativamente mais forte entre as mulheres jovens em regiões com uma grande oferta de clínicas de aborto nos anos iniciais após a reforma na legislação”, eles escrevem.
Na Cidade do México, que aprovou o aborto em 2007, o efeito foi similar. Pesquisadores alemães concluíram que, na capital mexicana, “a mudança reduziu o número de nascimentos entre 2,3% e 3,8%”.
Uma dupla de pesquisadores americanos também constatou algo parecido no leste europeu. "Países que mudaram de uma política muito restritiva para leis liberais de aborto tiveram uma grande redução no número de nascimentos”, afirma o estudo, feito por professores do Wellesley College e do Dartmouth College.
Já os Estados Unidos oferecem outro contra-argumento, mas com sinal invertido: lá, mais restrições ao aborto de fato aumentaram o número de nascimentos.
Nos EUA, proibição reduziu abortos
Depois que a Suprema Corte reverteu a decisão Roe x Wade, que impedia a proibição do aborto, alguns estados implementaram normas mais rígidas contra a prática.
Se o argumento dos movimentos pró-aborto estivesse correto, o número de nascimentos não sofreria um impacto visível, já que os abortos passariam a ocorrer de forma clandestina.
Mas um novo relatório do IZA (Instituto de Estatísticas Laborais) mostra que a decisão da Suprema Corte levou, sim, a um aumento nos nascimentos.
O estudo, que tem um viés pró-aborto, foi feito por docentes do Instituto de Tecnologia da Geórgia do Middlebury College, nos Estados Unidos. O levantamento afirma que as restrições à prática tendem a aumentar a desigualdade econômica ao permitir "nascimentos não desejados". Mas a parte mais relevante do relatório são as estatísticas sobre o número de nascimentos.
A análise dos pesquisadores conclui que, desde a decisão da Suprema Corte, o país teve um acréscimo de mais de 30 mil partos nos estados que proibiram o aborto.
“Nos seis primeiros meses de 2023, os nascimentos aumentaram 2,3%, em média, nos estados que proibiram o aborto em comparação com um grupo de controle de estados em que o direito ao aborto permaneceu protegido, somando cerca de 32 mil nascimentos adicionais anuais como resultado de proibições ao aborto", afirma o relatório.
Crise demográfica a caminho
A situação na Colômbia mostra que a legalização do aborto acelerou um processo que já estava em andamento há mais de uma década: a redução na taxa de natalidade, que tende a causar um desequilíbrio demográfico no futuro.
Há cerca de 15 anos, a taxa de natalidade colombiana tem ficado abaixo do necessário para a reposição da população (por volta dos 2,1 nascimentos por mulher). Se isso não se reverter, o país vai mergulhar num ciclo de redução populacional.
Os países europeus passam por um problema parecido há mais tempo. Todas as nações europeias têm uma taxa de fertilidade abaixo de 2,1, o que os força a escolher entre o declínio e a chegada de imigrantes em massa. Na Itália, na Espanha, na Grécia e em Portugal, o índice não chega a 1,5.
A taxa brasileira, que caiu rapidamente nas duas últimas décadas, é de 1,7.
Caso em tramitação no STF
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal já iniciou a votação da ADPF (Ação de Descumprimento de Direito Fundamental) 442, que pretende legalizar o aborto nos três primeiros meses de gestação. Até agora, apenas a então ministra Rosa Weber votou. Ela se posicionou a favor da legalização.
A petição foi apresentada pelo PSOL, e repete os argumentos refutados pelos exemplos da Colômbia e dos Estados Unidos. “A criminalização do aborto não é capaz de fomentar o resultado pretendido com a restrição de direitos fundamentais das mulheres, qual seja, a redução do número de abortos”, diz a representação apresentada pelo partido.
O argumento tem sido repetido por outras entidades que ingressaram na ação como amicus curiae. Em audiência pública promovida pelo Supremo para discutir o assunto, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão afirmou que o aborto é inevitável, sendo legal ou não. "O que está em discussão é se o aborto será seguro ou clandestino."
Não é o que mostram os números.
"Todas as estatísticas, nos vários países que legalizaram, mostram que o aborto aumenta quando deixa de ser considerado crime", explica à Gazeta do Povo Lenise Garcia. Ela é professora de Biologia da Universidade de Brasília e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil Sem Aborto.
Lenise, cuja entidade também foi ouvida na ação que tenta legalizar o aborto no STF, diz que o caso da Colômbia deve preocupar os brasileiros. "É preciso que tanto a população quanto os parlamentos estejam alerta para não permitir essa violação de direitos", afirma ela, que complementa: "O direito à vida é básico e nem deveria ser objeto de debate. Mas, se o debate existir, ele deve ser público, e o locus adequado é o parlamento".