O desmatamento e as queimadas na Amazônia estão de volta aos holofotes depois da divulgação de números ruins e de respostas e ações controversas do presidente Jair Bolsonaro. Mas até que ponto ele e seus oito primeiros meses de governo têm culpa pela situação ambiental?
Em sua primeira capa de agosto, a prestigiada revista britânica The Economist destacou o tema. "O mundo deveria deixar claro a Bolsonaro que não tolerá seu vandalismo", dizia a revista.
Diego Cardoso, doutorando em economia aplicada pela Universidade Cornell e pesquisador na área de economia do meio ambiente e energia, afirma que a percepção pública é importante para pressionar o governo, que ao seu ver tem culpa pela crise atual, mas que não se pode atribuir a responsabilidade somente a ele. “As atitudes do governo em questões ambientais apontam na direção de tornar a situação mais grave no futuro. Com expectativas de mais permissividade e menor monitoramento, podemos ver inclusive efeitos a curto prazo. Porém, o que está acontecendo agora não parece ser consequência disso, dado que as queimadas estão dentro da média histórica segundo diversas fontes”, ressalva.
Guerra de dados
A crise ambiental ganhou impulso a partir da divulgação de dados que mostram que, em julho de 2019, o desmatamento triplicou em relação a julho de 2017 e 2018.
O fato chamou atenção da Science Magazine, que publicou o gráfico abaixo, elaborado pelo jornalista brasileiro Herton Escobar.
Desde 1988, isto é, analisando a questão do desmatamento na Amazônia sob uma perspectiva de longo prazo, na verdade ele está diminuindo. Em 2018, o desmatamento foi de 7,5 mil km², uma área quase 70% menor do que a observada em 1988. A máxima histórica foi observada em 1995, com 29,1 mil km² desmatados. Já a mínima histórica foi registrada em 2012, quando foram desmatados 4,6 mil km².
Nos últimos quatro anos, o que se percebe é uma tendência de aumento do desmatamento. Se a atual variação se revelar mesmo como tendência, retornaremos aos índices de desmatamento de 2008, o que é preocupante.
Queimadas
Entre janeiro e agosto de 2019, as queimadas na Amazônia aumentaram. Os números até agora são os maiores desde 2016, mas estão muito distantes dos números obtidos em 2010 e 2005 (nos governos de Lula), como mostra este gráfico elaborado por Gabriel Nemer a partir de dados do Inpe.
Além da variação sazonal, outro elemento que pode ter fomentado o aumento das queimadas no Brasil foram os cortes no Ibama. Em meio à crise fiscal, o contingenciamento anunciado em maio pelo governo brasileiro afetou 11 ministérios, o que, por consequência, destinou menos verbas para a pasta do Meio Ambiente. A verba do Ibama para a prevenção e controle de incêndios sofreu uma redução de 38%.
Mas vale notar que, proporcionalmente, em 2019 o aumento nas queimadas registrado na Guiana, Suriname e Bolívia foram superiores aos verificados no Brasil.
Para as organizações ambientalistas, o aumento nas queimadas na Bolívia está relacionado à decisão do governo de ampliar a fronteira agrícola e pecuária. O presidente Evo Morales, de esquerda, firmou uma aliança com os setores agropecuário, agroindustrial e de assentamentos ao expandir o direito deles dos agricultores de iniciar "incêndios controlados".
Segundo Morales, se as famílias não iniciam incêndios, como vão sobreviver?" O maior incêndio verificado na Amazônia em 2019 foi iniciado na Bolívia.
Silêncio da comunidade científica
PhD pela London School of Economics, Dimitri Szerman é considerado uma das maiores referências brasileiras em desmatamento da floresta amazônica.
Ele afirmou que essa preocupação com aumento de desmatamento na Amazônia não foi levantada por cientistas há alguns anos, ou ao menos não houve tanta atenção da mídia como agora, quando os números eram piores do que os atuais.
Nesse sentido, a grande dúvida é: as coisas estão piorando tanto sob o governo de Bolsonaro a ponto de haver esse alerta apenas agora?
Segundo Szerman, parte da preocupação pode estar vinculada ao discurso do presidente Jair Bolsonaro e sua sinalização de que não há problema algum em desmatar. “Por exemplo, o presidente afirma que não há problemas na mineração, mesmo que isso signifique invadir reservas indígenas. Isso pode ter tido um efeito para que grandes proprietários de terra se sentem fortalecidos pelas ações e declarações de Bolsonaro”, escreveu.
Ele afirma que temos motivos para nos preocupar se a tendência de aumento do desmatamento continuar, pois voltaremos aos níveis de desmatamento anteriores a 2009 até o final de 2019.
Declarações e ações do governo despertaram alerta
Após os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontarem para um aumento do desmatamento, o presidente Jair Bolsonaro reagiu e criticou o órgão no início de agosto. À época, ele questionou os dados fornecidos, afirmando que são mentirosos, e disse que o instituto estaria "a serviço de alguma ONG".
O então diretor do Inpe, Ricardo Magnus Osório Galvão, reagiu, comparando a declaração do presidente a uma "conversa de botequim". "Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País. Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo à instituição", disse.
A respeito dos questionamentos dos dados do Inpe por parte tanto do presidente quanto do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, Galvão esclareceu:
“Eles nunca fizeram uma crítica objetiva apresentando dados. Eu entendia que o ministro Ricardo Salles fazia essas críticas por falta de conhecimento. Há três semanas mandei um ofício para o Ministério da Ciência e Tecnologia falando que polêmicas não ajudavam em nada o Brasil, inclusive com relação à repercussão internacional, e propus ao ministro Marcos Pontes abrir um canal de comunicação para explicar o que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e tentar arrefecer esse clima de disputa."
Como resultado, Galvão, que estava no cargo desde 2016, foi demitido.
Especula-se que a divulgação dos números pelo Inpe possa ser modificada. Segundo o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, os números podem passar a ser entregues cinco dias antes ao Ibama, em vez de ficarem disponíveis ao público como é hoje, diminuindo a transparência dos dados.
Além disso, 25 superintendentes regionais do Ibama foram exonerados ao final de fevereiro pelo Ministro Salles. Os cargos estão vagos, sem ninguém ter sido designado para ocupá-los, o que reduz a capacidade de fiscalização.
Em meio à repercussão dos dados negativos, a Alemanha e Noruega, que doaram R$ 3,4 bilhões desde 2009 para o Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES, suspenderam novos pagamentos. O dinheiro do fundo é utilizado para compra de mecanismos de fiscalização que ajudam na fiscalização e coíbam o desmatamento na região.
Apesar da crise fiscal, Bolsonaro respondeu criticando esses países, afirmando que eles não cuidaram adequadamente de seus ecossistemas. Em sua conta no Twitter, publicou erroneamente um vídeo de caça às baleias na Dinamarca para criticar o país escandinavo.
Na última quinta-feira (22), o presidente francês Emmanuel Macron chamou a atenção da comunidade internacional para a crise amazônica. Em resposta, o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, compartilhou em sua conta no Twitter um vídeo em que o francês é chamado de “um idiota”.
A França, por sua vez, se posicionou nesta sexta (23) de forma contrária ao acordo de livre comércio entre o Mercosul e União Europeia.
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