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Politização

Tentativa de vincular ciência e politicamente correto dá errado: o caso Nature

Revista científica Nature
Revista científica do grupo Springer Nature usou vocabulário progressista ao instituir novas diretrizes de publicação. Após críticas, fez esclarecimentos. (Foto: Bigstock / Postmodern Studio)

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Em agosto, a revista Nature Human Behaviour, dedicada ao estudo do comportamento humano, publicou um editorial em que “se reserva o direito” de rejeitar artigos que falhem a aderir a determinada visão moral. Essa visão moral seria, em tese, uma adesão aos direitos humanos. Os editores prometeram não publicar conteúdo “que tenha como premissa a presunção de inerente superioridade ou inferioridade biológica, social ou cultural de um grupo humano sobre o outro”.

Nos argumentos, o editorial lembra aderências mornas à liberdade de expressão: “Embora a liberdade acadêmica seja fundamental, não é sem limites”, diz a frase que abre o artigo. A pesquisa “pode ser discriminatória, racista, sexista, capacitista ou homofóbica”, explicam os editores. Eles aderem a conceitos cuja cientificidade é questionada, como gênero enquanto algo “socialmente construído”, além de “gênero fluido”, “não binário”, “agênero” e “bigênero”. É o mesmo vocabulário dos ativistas identitários. A noção de que gênero seria algo diferente de sexo, por exemplo, é questionada pela filósofa da biologia Helena Cronin e por Marco Del Giudice, professor de psicologia da Universidade do Novo México.

Noah Carl, um doutor em sociologia que em 2019 foi demitido de uma posição da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, após pressão de progressistas que desaprovam que ele estudasse diferenças entre grupos étnicos, é cético quanto às reais intenções do editorial. “Em outras palavras: nem tente submeter [à revista] qualquer trabalho a respeito de diferenças biológicas de grupos”, comentou Carl, em publicação própria. Com sarcasmo, ele “parabenizou” a Nature Human Behaviour por ser honesta a respeito de uma política “que a maioria das revistas de ciências sociais já tem”, “mas não assumem ou, se assumem, escondem com letras pequenas”.

Na época da demissão de Carl, o jornal britânico The Times a descreveu como mais um exemplo “de uma monocultura acadêmica que premia a narrativa de vítima de vários grupos de pressão de minorias acima do debate robusto”. Essa monocultura, para o jornal, difama qualquer pessoa que discorde dela “como uma ameaça aos membros de grupos marginalizados do corpo discente”. “Alguns racistas pilharam a pesquisa dele para seus propósitos repugnantes, mas um autor não pode ser culpado por seus leitores”, concluiu o jornal. “O principal ‘crime’ dele parece ter sido desafiar uma ortodoxia esquerdista identitária [“woke”] que agora toma de assalto as universidades britânicas como já faz com muitas americanas”.

Como noticiou em junho a Gazeta do Povo, 100 universidades britânicas estavam oferecendo um curso que alegava que o “cancelamento tem benefícios” e que difamava a própria língua inglesa como um idioma que prega a “superioridade branca”. É neste clima que foi publicado o editorial da revista: um clima de pressão para mais adesão das universidades e do mundo acadêmico ao identitarismo e outras formas de autoritarismo de esquerda. De fato, a própria revista Nature, a mais famosa do mesmo grupo da Nature Human Behaviour, removeu um artigo em 2020 porque a publicação mostrava evidências que cientistas mulheres poderiam ter mais sucesso na pesquisa ao serem orientadas por homens, uma conclusão que ofende feministas em particular e o progressismo identitário em geral.

A emenda ao soneto

O editorial de agosto foi recebido com revolta por muitos cientistas além de Noah Carl. Gad Saad, professor que estuda a aplicação da teoria da evolução ao mercado, disse no Twitter que o editorial “codifica conhecimento proibido como parte de suas diretrizes editoriais”. Colin Wright, biólogo evolutivo que questiona a dita “ideologia de gênero”, comentou na mesma rede social que “agora é completamente possível que a revista não publicará, e até comece a remover, artigos que digam corretamente que existem somente dois sexos entre humanos”. Stuart Ritchie, psicólogo autor de livros acessíveis sobre a crise da replicação e sobre o quociente de inteligência, disse que o editorial “deveria dar um arrepio na espinha”. Para ele, as boas intenções são claras, “mas a linguagem vaga é fácil de abusar e poderia ser usada para cancelar pesquisas que qualquer um considere ofensivas por qualquer motivo”.

Em resposta às críticas e a “perguntas levantadas pelos leitores”, na semana passada (18), a Nature Human Behaviour publicou esclarecimentos a respeito de suas novas diretrizes, com exemplos hipotéticos de publicações que seriam rejeitadas. A revista diz que as diretrizes foram desenvolvidas por um período de dois anos com consulta a editores, pesquisadores e especialistas em ética. Comentando por que motivo publicou o editorial com as diretrizes, a revista diz que a ciência é a busca de conhecimento, “mas a busca de conhecimento não pode se dar a todo custo”, mencionando os julgamentos de Nuremberg que revelaram práticas cruéis de pesquisa em humanos feitas pelos nazistas.

No novo editorial de esclarecimento, a revista pergunta a si mesma “essa diretriz é para suprimir resultados socialmente controversos?” e responde que não, pois “o conhecimento pode ser desconfortável, controverso ou inconveniente”. Diz também que a diretriz busca minimizar danos em potencial da pesquisa em humanos, e também “usar linguagem respeitosa para se referir a grupos humanos” e ajudar os autores a apresentar seu trabalho de uma forma que minimize “o mau uso, más interpretações e outros danos não intencionais”.

A revista também nega que tenha igualado “causar danos” a “ofender”, aderindo à noção de dano de acordo com tratados de direitos humanos das Nações Unidas. “Nem todo conteúdo que ofende é danoso”, explica, usando como exemplo os criacionistas que se sentem ofendidos com a pesquisa da biologia evolutiva, que apesar disso não deve ser barrada.

Sobre o potencial de abuso de diretrizes bem-intencionadas de partida, os editores reconhecem esse risco e dizem que “a melhor forma de evitar isso é permanecermos responsáveis e transparentes nas nossas decisões editoriais, buscar conselho de especialistas em ética onde for preciso” e discutir os potenciais problemas com os autores. Nos exemplos hipotéticos, os editores dizem que, para artigos que usem termos datados como “caucasiano”, farão “sugestões de mudanças”, mas não dizem se o artigo será rejeitado em caso de recusa dos autores de seguir o que foi sugerido.

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