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Se você conhece a teoria das janelas quebradas, pode ter aprendido sobre ela, talvez indiretamente, no best-seller de Malcolm Gladwell, "O ponto da virada: Como pequenas coisas podem fazer uma grande diferença" (Ed. Sextante), publicado há 25 anos. No capítulo mais discutido do livro, Gladwell tentou explicar por que a cidade de Nova York, na década de 1990, de repente experimentou a maior queda em crimes violentos já registrada. É verdade que outras cidades viram o crime cair nesse período, mas em nenhum outro lugar o crime caiu tão significativamente e tão rapidamente. Em apenas alguns anos, Nova York deixou de ser uma das grandes cidades mais perigosas e assustadoras dos EUA para se tornar uma das mais seguras. Por quê?
Gladwell pesquisou várias possibilidades relacionadas à economia, mudanças demográficas e o declínio do comércio mortal de crack, mas as considerou pouco convincentes. O verdadeiro fator de diferença, ele disse, foi o comprometimento do Departamento de Polícia de Nova York com a teoria das janelas quebradas — a ideia extraordinariamente simples de que crimes sérios têm mais probabilidade de ocorrer em ambientes desordenados do que em ambientes ordeiros. Ao melhorar o ambiente das pessoas, diz a teoria, você pode melhorar seu comportamento.
Agora, no entanto, no aniversário de prata do livro "O ponto da virada", Gladwell diz que errou no capítulo sobre crimes. Ele ainda acredita que o comportamento criminoso pode ser socialmente contagioso, mas rejeita a ideia de que a polícia deve aplicar leis contra crimes relativamente menores com a esperança de prevenir os maiores. Em um episódio recente de seu popular podcast Revisionist History [História Revisionista], ele diz que a teoria das janelas quebradas era pior do que ineficaz; era contraproducente, porque aumentava inutilmente as tensões em comunidades minoritárias. "Eu estava errado", diz Gladwell, tristemente. "Sinto muito."
Tenho boas notícias para Gladwell: ele estava certo na primeira vez.
Normas básicas de comportamento
Embora alguns progressistas tenham tentado desacreditar a teoria das janelas quebradas, uma riqueza de evidências sugere que a abordagem continua sendo um poderoso impedimento ao crime. O mea culpa de Gladwell está fadado a semear confusão. Como muitos críticos da polícia, ele confunde erroneamente a teoria das janelas quebradas com o procedimento policial de "parar e revistar" e "tolerância zero", quando, na verdade, todos eles são distintos um do outro.
Vamos voltar um pouco. A teoria das janelas quebradas entrou no léxico do controle do crime em 1982, quando os cientistas sociais George Kelling e James Q. Wilson publicaram um ensaio com esse título na revista The Atlantic. Eles exploraram a relação entre crime e desordem com uma analogia: "Se uma janela em um prédio é quebrada e deixada sem conserto, todas as outras janelas logo serão quebradas", eles observaram. "Uma janela quebrada sem conserto é um sinal de que ninguém se importa, então quebrar mais janelas não custa nada." Da mesma forma, quando o comportamento turbulento ou desordeiro fica impune nos bairros, os cidadãos cumpridores da lei tendem a evitar essas áreas, tornando-as mais suscetíveis à invasão criminosa.
Gladwell ignora duas coisas cruciais sobre a teoria das janelas quebradas (que também podem ser chamada de "policiamento de manutenção da ordem"). Primeiro, a teoria das janelas quebradas concede aos policiais ampla discrição ao decidir se devem emitir uma multa ou efetuar uma prisão. Segundo, a teoria das janelas quebradas nunca foi pensada para ser imposta às comunidades. Em vez disso, é uma abordagem que pede aos policiais que mantenham normas básicas de comportamento, com o entendimento de que as áreas urbanas variam muito e que muitas "regras" de bairro são estabelecidas informalmente.
É ilegal dormir em uma calçada da cidade de Nova York, por exemplo, mas na maioria das partes da cidade, os policiais não acordam um morador de rua que não esteja causando distúrbios. Pedir esmolas, por outro lado, é legal em Nova York, mas a polícia pode intervir se for feito de forma ameaçadora, ou perto de um caixa eletrônico, ou se o mendigo estiver abordando as pessoas enquanto elas estão comendo. Uma noite, muitos anos atrás, em Hell's Kitchen [bairro de Nova York], um policial me viu bebendo uma cerveja em uma calçada — uma infração clássica de qualidade de vida que me colocou em violação da Seção 10-125 do Código Administrativo da Cidade de Nova York. Mas era tarde, havia poucas pessoas por perto e ninguém parecia se importar. Ela olhou para mim interrogativamente, e eu respondi timidamente, momento em que ela tirou a cerveja da minha mão e, em um movimento fluido, jogou-a em uma lata de lixo próxima. "Tenha uma boa noite", ela disse secamente.
Em outras palavras, o policiamento de janelas quebradas, quando implementado corretamente, não tem a intenção de reprimir agressivamente as pessoas por cada possível infração menor. É muito mais flexível. Seu objetivo é simplesmente demonstrar que as áreas urbanas estão "sob controle" e que vários tipos de desordem irrestrita não serão tolerados.
Em "Justice in New York" — uma história oral compilada por professores do John Jay College of Criminal Justice — o falecido John Timoney, um oficial de alta patente do Departamento de Polícia de Nova York, justificou a teoria das janelas quebradas com dois argumentos. "As pessoas merecem ter uma qualidade de vida decente, certo? Você não deveria ter que ver caras bebendo na rua, urinando na calçada, tudo isso." E a redução de crimes resultado de sua aplicação foi significativa.
Timoney deu um exemplo: durante as décadas de 1970 e 1980, o bairro de Greenwich Village era um refúgio para jovens barulhentos de Nova Jersey e dos subúrbios (a temida "multidão da ponte e do túnel") nos fins de semana. Eles se divertiam em grupos, bebendo abertamente. Tarde da noite, enquanto estavam bêbados, eles eram propensos a cometer crimes, como brigas, vandalismo ou assédio a gays. Em resposta às reclamações da comunidade, os policiais começaram a esperar pelos intrusos na estação PATH da Christopher Street por volta das 19h. "No minuto em que eles saem do trem, [se eles estavam bebendo] confiscamos sua cerveja, damos a eles a multa e os mandamos para casa", disse Timoney. Quando os policiais começaram a emitir multas por violações de qualidade de vida em Greenwich Village, o bairro deixou de ser uma meca para comportamento turbulento. "O absurdo que aconteceria mais tarde não acontecia mais", ele observou.
Outro benefício do policiamento de manutenção da ordem é que ele ocasionalmente levará à apreensão de criminosos perigosos. Em 1990, quando William J. Bratton liderou a Polícia de Trânsito da Cidade de Nova York, ele começou a abordar o problema generalizado das pessoas que pulavam as catracas no metrô, o que, além de custar à cidade cerca de US$ 100 milhões anualmente, eram uma fonte constante de aborrecimento para cidadãos cumpridores da lei que pagavam por suas viagens e achavam que outros também deveriam pagar. (“Os sugadores de fichas” eram um flagelo ainda maior. Esses eram nova-iorquinos desfavorecidos que colocavam suas bocas em slots de catraca emperrados, sorviam as fichas do metrô e as revendiam. Era nojento.) Quando policiais e inspetores da MTA começaram a honrar os desejos da maioria dos cidadãos finalmente reprimindo os saltadores de metrô e os sugadores de fichas, eles descobriram que uma em cada sete pessoas que paravam tinha um mandado pendente, e uma em cada 20 estava portando uma arma.
O novo prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, viu que o uso da teoria das janelas quebradas por Bratton trouxe grandes reduções de crimes no metrô, então, em 1994, seu primeiro ano no cargo, ele nomeou Bratton comissário do Departamento de Polícia de Nova York, e o departamento implementou a teoria das janelas quebradas em toda a cidade. O crime despencou. Em 1993, a cidade de Nova York registrou 1.946 assassinatos e 86.000 roubos relatados. No ano seguinte, o crime caiu em todas as sete principais categorias de crimes. Em 2000, os homicídios despencaram para um total de 673 (um declínio de 65% em sete anos) e os roubos caíram para um total de 30.000 (também um declínio de 65%).
Os críticos da a teoria das janelas quebradas apontam que não existe uma explicação monocausal para o aumento ou diminuição do crime, e que é impossível saber precisamente quais fatores facilitarão ou atenuarão o crime, ou em que grau. Isso é verdade. As cidades não são laboratórios onde os pesquisadores podem controlar variáveis de confusão, e os seres humanos não são ratos de laboratório. Milhões de cidadãos autônomos habitam Nova York, e eles têm razões complicadas para cometer, ou não, crimes. Ainda assim, as evidências que apoiam o policiamento de manutenção da ordem são notavelmente fortes.
Em seu podcast, Gladwell critica a teoria das janelas quebradas com uma anedota. No início de 2008, um estudante de medicina afro-americano chamado David Floyd estava a caminho da escola no Bronx quando encontrou um vizinho que havia se trancado para fora de seu apartamento. Como a madrinha de Floyd era a proprietária do prédio, ele se ofereceu para ajudar o inquilino recuperando o pesado molho de chaves de sua madrinha, com o qual ele tentou deixar o vizinho entrar em sua residência. Naquele momento, eles foram surpreendidos por três policiais à paisana que disseram que houve uma onda de invasões de domicílio na área. "Fomos parados", disse Floyd. "É claro que nos disseram para levantar as mãos e ficar onde estávamos."
Gladwell diz que este incidente "revela como a polícia colocou a teoria das janelas quebradas em prática", mas ele está errado. Os policiais que pararam Floyd não estavam tentando manter a ordem pública de acordo com os desejos da comunidade. Eles estavam tentando evitar um possível crime em andamento. Floyd certamente é sincero quando diz que achou a provação "humilhante" e "assustadora", mas o que mais os policiais disfarçados, que estavam procurando por ladrões, deveriam fazer? Não é possível policiar uma cidade densamente povoada de 8 milhões de pessoas sem mal-entendidos ocasionais ou algumas mágoas.
Em todo caso, Floyd não foi preso ou mesmo acusado de um crime. No entanto, ele se tornou o rosto de uma enorme ação coletiva contestando a prática conhecida como “parar e revistar” — que, aliás, é conhecida pela polícia pela sigla em inglês “SQF”, de ["stop, question, and frisk": parar, questionar e revistar]. Isso porque o interrogatório é uma etapa vital que precede a decisão de revistar alguém. Embora a polícia precise ser capaz de interrogar as pessoas com base em suspeitas bem fundamentadas, ela pode obviamente ir longe demais. Em 2013, no caso Floyd v. City of New York, um juiz federal decidiu que, na prática, as táticas de parar e revistar do Departamento de Polícia de Nova York violavam os direitos das minorias, que eram paradas desproporcionalmente e excessivamente. (A cidade apelou, mas o prefeito Bill de Blasio retirou o recurso em 2014.) Mas isso não teve nada a ver com a teoria das janelas quebradas.
A teoria das janelas quebradas também difere da política de tolerância zero, que impõe uma adesão estrita a todas as leis, com pouca leniência ou discrição. Gladwell erroneamente iguala as práticas. Em seu podcast, ele chama a teoria das janelas quebradas de "uma atitude histérica ao ver um homem urinando na calçada e dizer: 'não temos escolha a não ser prendê-lo.'"
Desde 2017, urinar em público na cidade de Nova York é uma infração civil, não criminal, então ninguém vai para a cadeia por isso. Mais significativamente, sob a teoria das janelas quebradas, os policiais decidem se aplicam certas leis com base nas circunstâncias e prioridades da comunidade. Ninguém gosta de urinar em público. Mas se, por exemplo, um morador de rua fosse encontrado furtivamente fazendo suas necessidades em um canto, ou atrás de alguns arbustos, porque não tinha para onde ir, era de se esperar que um policial bem treinado deixasse passar.
A maioria das pessoas concorda que, nos primeiros anos da década de 2000, o Departamento de Polícia de Nova York era muito agressivo com o SQF. A polícia fez cerca de 5 milhões de paradas SQF entre 2002 e 2011, mas apenas cerca de 10% delas levaram a uma prisão e, segundo algumas estimativas, apenas 2% das paradas levaram a uma condenação. Isso foi um policiamento equivocado e desnecessário, porque, naquela época, os crimes violentos já haviam diminuído.
Em seu livro de 2021, "The Profession: A Memoir of Community, Race, and the Arc of Policing in America" [A profissão: um livro de memórias sobre comunidade, raça e o arco do policiamento na América], Bratton inteligentemente faz uma analogia entre cidades e pacientes, e comandantes de polícia e médicos. "A habilidade de um líder policial bem-sucedido é a capacidade de olhar para seu paciente e desenvolver as prescrições e procedimentos apropriados para fazer o paciente ficar bem." Na década de 1990, quando o crime estava fora de controle e os nova-iorquinos queriam ajuda, uma abordagem mais agressiva e proativa era necessária. No novo século, o crime em Nova York era menos preocupante. O NYPD precisava ouvir seus "pacientes", que estavam dizendo, na verdade: "Não me sinto mais tão doente; as ruas estão mais seguras e talvez outros medicamentos mantenham o crime baixo sem todos esses efeitos colaterais".
Má vontade contra teorias conservadoras
Gladwell dá a infeliz impressão de que está relutante em dar crédito à polícia por fazer algo certo. Acho que sei por quê. A teoria das janelas quebradas se originou de círculos conservadores de formulação de políticas. Na medida em que a teoria das janelas quebradas prioriza o controle da comunidade sobre as liberdades individuais, é filosoficamente conservador. E teve seu maior sucesso e recebeu ampla aclamação sob Giuliani, um republicano polarizador. Como Matt DeLisi observou antes, teorias criminológicas com conotações conservadoras tendem a ser "evitadas e ridicularizadas", enquanto as progressistas são "abraçadas e elogiadas", independentemente de sua eficácia ou mérito.
Não faltam teorias de estimação que atribuem o declínio da criminalidade a algo diferente da teoria das janelas quebradas. Alguns dizem que a criminalidade caiu na década de 1990 devido à redução da exposição à gasolina com chumbo ou porque tivemos menos gravidezes indesejadas após Roe v. Wade. Pesquisadores especularam que a criminalidade caiu porque havia menos dinheiro em circulação (desde que as pessoas começaram a usar cartões de débito) ou porque os adolescentes estavam passando mais tempo em ambientes fechados (graças ao ar condicionado ou porque estavam jogando videogame ou assistindo pornografia). Alguns acham que a criminalidade diminuiu na década de 1990 por causa do Prozac.
Mas mesmo aqueles que afirmam se opor à teoria das janelas quebradas entendem sua lógica. Quando encontro críticos da teoria das janelas quebradas, pergunto a eles: você se sentiria confortável andando por um bairro onde as pessoas estavam pedindo esmolas agressivamente, consumindo drogas, vendendo bens roubados, se prostituindo ou tocando música em volumes ensurdecedores? Afinal, nenhum desses são crimes violentos ou especialmente sérios, certo? A resposta deles, se forem honestos, será "não". E por quê? Porque entendemos intuitivamente que crimes graves têm muito mais probabilidade de ocorrer em áreas fora de controle do que em áreas supervisionadas e ordenadas.
Gladwell deveria relaxar. Quando a teoria das janelas quebradas é cuidadosamente aplicada pela polícia que apenas busca manter os padrões mínimos da vizinhança, quase sempre resulta em uma vitória para a segurança pública.
John McMillian é professor associado de história na Georgia State University, em Atlanta. Ele está escrevendo um livro sobre crime e policiamento na cidade de Nova York.
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©2025 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Broken Windows Policing Is Still the Best Way to Fight Crime