Ter armas em casa é uma maneira de proteger a família.
Há décadas essa tem sido uma parte essencial do mantra da Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês) para defender a propriedade de armas de fogo, repetido em audiências no Congresso, em propagandas e em camisetas.
O doutor Mark Rosenberg, que liderou pesquisas sobre a violência com armas de fogo no Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), questionava-se se havia qualquer evidência que confirmasse essa afirmação da NRA.
"Então, resolvemos pesquisar a resposta para a questão: ter uma arma em casa protege sua família ou não?", lembra-se ele.
E ficou surpreso com a resposta. O estudo de 1993, que se tornou referência no assunto, mostrou que ter uma arma em casa aumenta muito o risco para todos na família. "Eles estavam dizendo, se você quer manter sua família segura, se você é um homem de verdade, terá uma arma em casa", diz Rosenberg.
"Ter uma arma não apenas não protege você, mas aumenta muito seu risco."
Até hoje, os defensores dos direitos de possuir armas contestam as descobertas do estudo. Em 1995, a NRA pressionou o Congresso para impedir que o CDC gastasse dinheiro do contribuinte em pesquisas que defendiam o controle das armas. No ano seguinte, o Congresso aprovou a Emenda Dickey e cortou o financiamento, o que efetivamente encerrou o estudo do CDC sobre violência com armas de fogo como uma questão de saúde pública.
O resultado é que 22 anos e mais de 600 mil vítimas de armas de fogo depois, grande parte do governo federal praticamente abandonou os esforços para saber por que as pessoas atiram umas nas outras, ou em si mesmas, e o que pode ser feito para prevenir a violência armada.
No entanto, depois do massacre da escola Parkland, na Flórida, no mês passado, os legisladores e os especialistas em controle de armas exigiram que a agência volte a estudar a questão, argumentando que a lei federal não bane a pesquisa em geral, mas proíbe a defesa do controle de armas.
Alex M. Azar II, secretário de Saúde e Serviços Humanos, disse em uma audiência no Congresso que acredita que o CDC deve voltar ao trabalho. "Nossos negócios são a ciência e a geração de evidências, e assim farei com que nossa agência trabalhe nesse campo, como fazemos com um espectro amplo de controle e prevenção de doenças", afirmou Azar. Em um encontro com repórteres na semana passada, Azar lembrou que outras questões, como combater a gripe e o Ebola, também estão competindo por financiamento.
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Ele não especificou quais assuntos serão prioritários, quanto dinheiro vai pedir que o Congresso devote à pesquisa de violência por armas de fogo ou se vai transferir fundos de outros programas de saúde da agência.
Não há uma escassez de ideias – ou crítica do tempo perdido nos estudos de violência por armas de fogo. "Nós, consciente e repetidamente, viramos as costas para o problema", afirma Garen Wintemute, professor de Medicina de Emergência que em julho inaugurou um Centro de Pesquisa de Violência por Armas de Fogo na Universidade da Califórnia, em Davis, com financiamento do estado.
"Quantas milhares de pessoas estão mortas hoje que poderiam estar vivas se esse esforço de pesquisa tivesse acontecido, se tivéssemos respondido a questões importantes e colocado medidas preventivas em prática?"
Prioridades
É uma questão que assombra os pesquisadores. Após o tiroteio da escola Sandy Hook, em 2012, o presidente Barack Obama pediu ao CDC que reconsiderasse a pesquisa sobre violência com armas. A agência encomendou um relatório do Instituto de Medicina elencando as prioridades, mas não houve continuidade no projeto.
As questões mais importantes citadas pelo instituto, hoje conhecido como Academia Nacional de Medicina, ainda não têm respostas. Quem tem mais possibilidades de usar uma arma em um crime e de onde vem essa arma? Com que frequência as armas são usadas em casos de violência doméstica? Com que frequência as pessoas presas por crimes com armas são as mesmas que realmente compraram as armas? E há um conjunto separado de perguntas sobre que tipo de mudanças na política e quais esforços de prevenção reduziriam de verdade as mortes e os ferimentos relacionados às armas.
Andrew R. Morral, cientista comportamental sênior da RAND Corp., dirigiu um estudo recente que descobriu evidência moderada de que verificação de antecedentes reduzem tanto os suicídios quando os homicídios por armas de fogo. O relatório também afirma que há uma evidência moderada de que as leis de proteção de território, que permitem que as pessoas usem armas para se defender sem antes tentar recuar, podem aumentar a taxa de assassinatos.
"Em vários casos, temos tido argumentos sobre questões factuais há décadas", afirma. Como exemplo, ele cita leis que procuram impedir as crianças de se matarem ou de matarem outras pessoas com armas.
"A NRA afirma que essas leis tornam mais difícil para as pessoas se defenderem em uma crise. Mas não há qualquer pesquisa sobre isso. Nós já discutimos mil vezes e não investimos na pesquisa necessária para responder à questão: qual é o equilíbrio entre as mortes de crianças e a autodefesa?", pergunta Morral.
O novo conjunto de propostas do presidente Donald Trump exige que uma comissão examine a elevação da idade de 18 anos para 21 anos para jovens comprarem certos tipos de armas de fogo. Logo depois dos assassinatos em Parkland, Trump apoiou repetidamente a elevação da idade, mas as últimas propostas não incluem essa medida – à qual a NRA se opõe.
O doutor Thomas R. Frieden, que foi diretor do CDC de 2009 a 2017, disse em um e-mail que acreditava que o estudo da violência relacionada às armas de fogo era importante, apesar de ter conduzido poucos em seu mandato. "É por isso que, ano após ano, pedi ao Congresso que financiasse pesquisas nessa área. Precisamos saber quais intervenções são mais efetivas e como elas podem ser mais bem executadas para salvar a maior quantidade de vidas", explicou.
Investimento em pesquisa
O Congresso, no entanto, recusou-se a incluir fundos para essas propostas, diz ele. O Instituto Nacional de Saúde continuou a financiar algumas pesquisas de violência com armas, incluindo crimes violentos relacionados ao consumo de drogas e álcool, e o papel dos pais para prevenir ferimentos com armas de fogo.
O Instituto também está avaliando maneiras de reduzir os suicídios e as mortes acidentais entre crianças, adolescentes e veteranos de guerra. Mais de 60 por cento de todas as mortes por armas nos Estados Unidos são suicídios.
O Departamento de Justiça também estuda violência por armas, mas o orçamento para essa pesquisa é uma pequena fração do que o governo federal gasta avaliando outros perigos de alta mortalidade, como acidentes de carro ou o tabagismo – dinheiro que levou a ações que reduziram muito as mortes nessas duas categorias.
Fundações privadas adiantaram-se para preencher a lacuna. Há, porém, outro bloqueio do Congresso que o dinheiro não pode contornar – a Emenda Tiahrt, que impede que o Escritório de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos compartilhe seu banco de dados de rastreamento de armas de foto com qualquer um que esteja fora dos órgãos de aplicação da lei.
Esses dados, segundo Morral e outros especialistas, são cruciais para analisar o fluxo de armas usados em crimes entre os estados, de locais onde as armas podem ser compradas facilmente para lugares onde a aquisição é mais difícil.
Tecnicamente, a Emenda Dickey não baniu a pesquisa sobre armas, apenas a defesa do controle. Seu objetivo real – que foi facilmente atingido, segundo autoridades de saúde pública nos cargos na época – era assustar as agências federais para que pensassem duas vezes antes de coletar dados que poderiam ter um reflexo ruim na propriedade de armas.
Desde os assassinatos em Parkland, porém, houve sinais de mudança. Vários legisladores republicanos disseram que apoiariam que o CDC assumisse a questão.
"Existe um tremendo mal-entendido aqui e talvez uma superabundância de cautela da parte do CDC e do Instituto Nacional de Saúde", afirmou o legislador Tom Cole, de Oklahoma, presidente do subcomitê de verbas da Câmara que supervisiona o financiamento para o departamento de serviços humanos e de saúde.
Em uma entrevista, Cole disse também que espera que haja dinheiro disponível para esse trabalho tanto no Instituto quanto no CDC, mas não até as alocações do ano que vem.
Alguns democratas estão aproveitando para tirar vantagem do novo clima no Capitólio. Os senadores democratas Patty Murray, de Washington, e Edward J. Markey, de Massachusetts, pressionaram Azar para conseguir detalhes, mas até sexta-feira, não tinham obtido qualquer resposta.
Saúde pública
"De lutar contra o câncer a diminuir as mortes no trânsito, as pesquisas de saúde pública têm um papel importante na hora de salvar vidas", escreveu Murray para Azar. "É imoral e inaceitável tratar a violência por armas de maneira diferente." Na Câmara, os democratas membros do Comitê de Energia e Comércio pediram uma audiência sobre a pertinência da pesquisa federal sobre violência armada.
Jennifer Baker, porta-voz da NRA, disse que o grupo continua apoiando a Emenda Dickey. "Nós nos opomos ao gasto de dólares dos contribuintes com a defesa do controle de armas", afirmou ela. Perguntada se há qualquer tipo de pesquisa que o grupo apoiaria, ela disse que a NRA gostaria de ver um estudo sobre com que frequência as armas de fogo são usadas na autodefesa.
O relatório do Instituto de Medicina, publicado com o Conselho Nacional de Pesquisas, ainda é considerado um roteiro pelo CDC. O documento propõe que se façam pesquisas sobre questões como a motivação para a compra e o uso das armas; a relação entre a pobreza e o uso de armas; os fatores de risco que levam os jovens a portar armas; e dezenas de outras questões.
O CDC pediu e recebeu fundos para expandir seu Sistema Nacional de Notificação de Mortes Violentas, que rastreia homicídios e suicídios em 40 estados, o Distrito de Columbia e Porto Rico.
O projeto visa ajudar os departamentos de saúde estaduais a desenvolver estratégias para reduzir as mortes violentas, mas alguns críticos dizem que o banco de dados não possui detalhes suficientes para ser muito útil.
Os proponentes das pesquisas querem ter certeza de que os novos estudos não vão funcionar como uma desculpa para a falta de ação no controle das armas.
"Embora sejam necessárias mais pesquisas sobre o assunto, existem maneiras provadas de diminuir a violência por armas, incluindo melhores verificações de antecedentes, tirar as armas de agressores domésticos e de pessoas condenadas por crimes violentos, além do armazenamento seguro. Fazer novas pesquisas pode ajudar, mas não é desculpa para falta de ação", disse Frieden.
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