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A história da vacina AstraZeneca contra a Covid-19 é um exemplo típico da manipulação política e de suas consequências. Um dia talvez os cientistas políticos se debruçarão sobre o assunto.
Quando ficou claro que o Reino Unido estava imunizando sua população bem mais rápido do que o restante da Europa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, acusou a empresa que fabrica uma das vacinas usada pelos britânicos, a farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca, de favorecer ilegalmente o Reino Unido e de não cumprir o contrato com a União Europeia.
O pronunciamento se revelou uma desculpa duvidosa, no mínimo, e poucas pessoas acreditaram nela. As críticas em relação à velocidade da imunização na União Europeia, em comparação não só com o Reino Unido, mas também com Israel e – pior do que tudo, considerando a reputação de seus precários serviços de saúde – os Estados Unidos aumentaram. Era preciso tentar outra tática para explicar a lentidão europeia: qualquer coisa para desviar a culpar.
Depois de ameaçarem processar a AstraZeneca por não conseguir distribuir sua vacina na Europa, várias autoridades, entre elas a própria Von der Leyen e o presidente da França, Emmanuel Macron, passaram a duvidar da eficácia da vacina. Mas, se ela não funciona, então a União Europeia não errou ao se mostrar incompetente para garantir o fornecimento dela. Na verdade, ela demonstrou antevisão e sabedoria em relação aos britânicos, que arriscam a saúde da população usando um produto insuficientemente testado.
Macron disse que a vacina era “praticamente ineficiente” para pessoas com mais de 65 anos. Ele é inteligente o bastante para saber que não estava falando a verdade. A verdade é que, na época, os resultados da vacina para as pessoas com mais de 65 anos eram incertos, mas havia estudos e princípios em geral que sugeriam que a vacina provavelmente era eficiente, como de fato revelou ser. Nunca houve qualquer prova sugerindo que o imunizante era “praticamente ineficiente”.
Na Alemanha, o Handelsblatt, importante jornal de economia, publicou um artigo citando um funcionário público dizendo que a vacina tinha uma eficiência de apenas 8% nos idosos. Não há evidência nenhuma de que isso seja verdade. O fato de o artigo ter sido publicado sugere que a imprensa está envolvida na manipulação política.
Apesar de a Agência Europeia de Medicamentos ter aprovado a vacina para adultos e idosos, muitos países restringiram o uso dela a pessoas com menos de 65 anos e até a pessoas com menos de 55 anos. Não é de se surpreender que as populações desses países acreditem que a vacina seja “praticamente ineficiente”. Além disso, começaram a surgir boatos sobre efeitos colaterais. Agora sabe-se que uma porção reduzida das vacinas disponíveis foram usadas — de 20% a 25%.
Muitos países agora estão mudando o discurso e dizendo que a vacina é eficiente e deveria ser usada por todos os adultos (ainda que a França, mais preocupada em se garantir do que em ser cartesiana, mantém a aplicação apenas a pessoas com menos de 75 anos). Se a confiança do público pode ser restaurada é outra questão. O objetivo das informações desencontradas foi alcançado; eles conseguiram desviar a culpa.
A história revela o tamanho da desonestidade à qual a classe política está disposta a recorrer para posar de boazinha (e para garantir seu emprego). Mais interessante, talvez, é notar como as populações continuam dispostas a procurar orientação na classe política quando se trata de tomar decisões. Eu me confesso surpreso.
Theodore Dalrymple é colaborador do City Journal, membro do Manhattan Institute e escritor.