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Presidente argentino Javier Milei: mudanças na cultura
Presidente argentino Javier Milei: mudanças na cultura| Foto: EFE/ Juan Ignacio Roncoroni

A cultura não ficou de fora das mudanças implementadas pelo presidente argentino Javier Milei desde que ele assumiu o mandato, em dezembro do ano passado.

O presidente libertário alterou radicalmente as prioridades Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA), que tem um papel parecido com o da Agência Nacional de Cinema (ANCINE) no Brasil. Além disso, em vez de shows milionários, o governo passou a priorizar eventos que valorizam a identidade nacional — inclusive desfiles militares. 

A mudança rendeu ao chefe de Estado argentino muitos inimigos na classe artística do país. Mas nem todos os artistas da Argentina estão contra Milei.

As mudanças de Milei na cultura

Uma das primeiras mudanças que realizou Milei ao assumir o cargo foi anunciar o “plano motosserra” no INCAA para acabar com os gastos excessivos e encolher a estrutura do órgão. Em abril deste ano, o governo publicou uma resolução que reorganiza a entidade para que ela “conduza a mecanismos e processos mais ágeis, além de um menor custo orçamental”. De acordo com o texto, esta decisão ocorre “no contexto da crise econômica geral e do significativo déficit fiscal que o país atravessa há décadas”. 

Na nova estrutura, permanecerão apenas quatro departamentos: o da Administração Geral, de Assuntos Jurídicos, da Administração e Finanças, e o de Políticas Públicas. Entre os setores que serão eliminados estão os de Desenvolvimento, da Supervisão da Indústria Audiovisual, de Exposições e Audiências, e o de Assuntos Internacionais e Institucionais. 

A resolução ordena “a supressão das Unidades Operacionais de primeiro, segundo, terceiro e quarto nível". No mesmo sentido, todos os funcionários do instituto foram notificados de que permanecerão em “licença obrigatória” até que seja determinado para onde serão realocados e quais tarefas terão que cumprir. "Até que os agentes sejam realocados, de acordo com as competências técnicas e profissionais em relação às necessidades da nova estrutura, informa-se que, a partir desta notificação, vocês não terão que comparecer aos escritórios do INCAA, nem serão obrigados a prestar serviços", disse o comunicado oficial. Os salários foram mantidos durante a licença.

Em 24 de julho, o governo publicou outro decreto que reduziu ainda mais o orçamento do INCAA e limitou os subsídios à produção de filmes. De acordo com o governo, “ao longo dos anos foram delegadas ao referido Instituto tarefas que não têm qualquer relação com as suas missões e funções". Isso, combinado com um “aumento exponencial do número de funcionários” (que em 20 anos passou de 90 para 900), elevou as despesas operacionais a US$ 1,9 bilhões em 2023, somadas a uma dívida de US$ 700 milhões.

Os subsídios à produção e exibição de longas-metragens nacionais não poderão ultrapassar 20% e nem estar acima de 50% do custo total de produção de um projeto. Desta forma, “o proponente deverá assumir obrigatoriamente o restante custo de produção do projeto”, afirma o decreto. Além disso, o beneficiário deverá aguardar um ano para poder processar um novo subsídio.

As autoridades sindicais afirmam que já houve 200 demissões no INCAA.

Fim da farra para os artistas amigos do regime

Outro passo importante da gestão Milei, foi acabar com os contratos milionários do governo com os artistas na era kirchnerista. Até o ano passado, milhões de pesos foram utilizados para a celebração de atos oficiais e não oficiais.

Em 2021, no Dia dos Direitos Humanos e em comemoração aos 38 anos do “retorno da democracia”, o governo realizou um evento musical que custou mais de 40 milhões de pesos (cerca de R$ 245 mil em valores de hoje). Em 2023, ainda com Alberto Fernández na presidência, a celebração teve gastos de 27 milhões de pesos (cerca de R$ 165 mil).

Agora, o novo chefe de Estado argentino decidiu trocar as bandas de rock, pop e cumbia pelos símbolos pátrios acompanhados de marchas militares, soldados granadeiros e ex-combatentes das Malvinas. Desde que assumiu, além de afirmar que o governo não tem dinheiro para financiar estes tipos de shows, o presidente tem dito que as datas pátrias são a oportunidade para retomar o valor do “patriotismo” argentino e buscar trazer de volta os costumes das décadas passadas.

Os artistas argentinos a favor de Milei

Apesar de o governo argentino ter fechado a torneira do fomento a cultura, nem todos os artistas argentinos veem Milei com antipatia. Um dos primeiros a declarar apoio explícito ao atual presidente foi o cartunista argentino Cristian Dzwonik, mais conhecido como Nik. Na véspera da posse presidencial, ele entregou ao presidente libertário uma ilustração de sua autoria.

Criador da famosa história em quadrinhos “Gaturro”, Nik produziu diversos desenhos em apoio ao Milei que logo foram publicados e compartilhados pelo próprio presidente. Entre eles uma homenagem ao Dia das Mulheres e outra ao Dia do Amigo, com uma imagem de Milei ao lado de seu cachorro, Conan. Nik também produziu ilustrações que satirizavam os políticos tradicionais, principal alvo de Milei.

Outro artista que explicitou a sua postura foi Guillermo Francella, protagonista do filme “O Gerente”. Em uma entrevista para a Rádio Mitre, o ator falou da consciência que tem em relação às reformas que ele considera necessárias, realizadas pelo atual governo. “Sabíamos que ia haver uma grande cirurgia. Disseram isso na campanha e ele cumpriu rigorosamente”, acrescentou.

Após a entrevista, Francella foi fortemente criticado por artistas de oposição, para quem o posicionamento prejudica as lutas da comunidade artística. A atriz Julieta Zylberberg publicou em sua conta do X: “Que indignação! Toda uma comunidade lutando para não ser arrasada e há atores pronunciando-se a favor deste governo anticultura, antitudo, negacionista”.

Por sua vez, o diretor de teatro Aníbal Pachano tornou público o seu apoio a Francella e ao governo Milei durante o programa “El debate del espectáculo. “Concordo totalmente com Francella. E também acho que é um momento em que devemos compreender que a cultura [os verdadeiros artistas, segundo ele] nunca foi subsidiada”. “Trabalho há 40 anos. Ninguém me subsidiou nada”, enfatizou.

O famoso cantor de rock Andrés Calamaro também apoiou a candidatura de Milei — embora tenha apagado algumas publicações após ser criticado. “A mudança discute o número exato de ‘desaparecidos’ e propõe uma virada liberal inspirada na Década de Carlitos. Propõe o desmantelamento do Banco Central e um sistema misto de financiamento de questões de ordem pública, como saúde e educação. Reduzir ministérios e secretarias. Menos funcionários. O partido no poder não propõe nada, é continuidade com a ilusão de uma mudança que não sabemos em que consiste”, comentou em uma de suas análises, criticando o legado do kirchnerismo.

A cantora popularmente conhecida como La Bomba Tucumana não hesitou em expressar seu otimismo em relação ao programa de governo de Milei, no programa “Almorzando con Mirtha Legrand”. “Confio e tenho fé neste presidente. Eu, pelo menos na minha posição de artista, nunca tomo partido porque sou argentina. Sou uma mulher trabalhadora e a única coisa que quero para o meu país é que não haja mais pobres", comentou.

A lista vai além.

Ao longo de sua trajetória artística, a popular cantora Tini Stoessel tem se caracterizado por não opinar sobre questões políticas. No entanto, durante as eleições a artista curtiu em uma publicação de Milei que mostrava a imagem de um leão e de um pato abraçados como símbolo de união entre as lideranças políticas de direita. A ação gerou uma grande polêmica e a cantora recuou. A mãe de Stoessel já havia sofrido ataques por parte da oposição quando publicou uma história votando no candidato libertário com a descrição, “Livres”.

Diretores de “Meu querido zelador”, “O faz nada” e “O museu”, Mariano Cohn e Gastón Duprat defenderam a postura de Milei em relação ao INCAA. “O cinema argentino já estava quebrado antes de Milei”, disse Cohn. “São muitos anos de decadência, de mau funcionamento do Instituto de Cinema. O que está sendo feito agora, que me parece correto, é discutir que tipo de ajudas ou incentivos devem existir”, argumentou ele, que é um dos nomes mais conhecidos do audiovisual da Argentina.

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