Pesquisas e mais pesquisas têm mostrado que o Cristianismo está em declínio nos Estados Unidos. O percentual, que se manteve acima dos 90% até a virada da década de 90, agora está abaixo dos 65%. A tendência, que se acentuou nas duas últimas décadas, engloba praticamente todas as denominações.
Curiosamente, uma das raras exceções é um grupo tradicionalista: os ortodoxos.
O Censo americano não pergunta sobre a religião dos entrevistados. Para entender a geografia religiosa dos Estados Unidos, é preciso recorrer a levantamentos feitos por instituições acadêmicas ou centros de pesquisa privados. Além disso, como os ortodoxos são menos de 1% da população dos Estados Unidos, nem sempre a medição é precisa. Ainda assim, é possível ver uma tendência de crescimento nos últimos anos.
Um levantamento do Censo da Religião nos Estados Unidos mostra que o número de ortodoxos passou de 0,1% da população americana em 1990 para 0,3% em 2010 e 0,4% em 2020.
Fiéis mais jovens do que a média
Outra forma de medir o crescimento ortodoxo é mostrando a média de idade dos fiéis.
Segundo o respeitado Pew Research Center, a média de idade dos ortodoxos em 2007 era de 46 anos — exatamente a média dos cristãos de forma geral. Em 2014, a média de idade dos cristãos aumentou para 49 anos. Todos os grupos envelheceram, exceto um: o dos ortodoxos, que passaram a ter uma média de 40 anos.
Um estudo de 2020 mostrou que, nos Estados Unidos, a média de idade dos ortodoxos (42) anos fica bem abaixo da dos evangélicos brancos (56), dos católicos brancos (54), dos protestantes negros (50) e dos judeus (48). Os dados são do PRRI (sigla para Instituto Público de Pesquisa em Religião).
Os números são ainda mais impressionantes quando se leva em conta uma peculiaridade demográfica: para boa parte dos fiéis, ser ortodoxo está ligado a uma identidade étnica (especialmente entre os gregos e russos). Conforme a importância dessa identidade se dilui (na segunda ou terceira geração), a participação na Igreja Ortodoxa passa a ser vista como menos importante.
O rejuvenescimento da Igreja Ortodoxa nos Estados Unidos foi, em parte, causado pela chegada de imigrantes de países com presença de ortodoxos (o que inclui o Egito e a Etiópia). Em 2014, 40% dos ortodoxos dos Estados Unidos eram imigrantes e 23% eram filhos de imigrantes.
Mas também há sinais de que a Igreja Ortodoxa tem recebido ex-católicos e ex-protestantes, insatisfeitos com os rumos de suas antigas denominações. Nas últimas duas décadas, praticamente todas as grandes denominações americanas passaram por cismas envolvendo o tema da sexualidade. A mais recente divisão aconteceu na Igreja Metodista Unida, que se partiu em duas depois que a ala liberal passou a defender a celebração de casamentos gays.
A aparente indiferença da Igreja Ortodoxa aos modismos de ocasião atraiu figuras com o escritor Rod Dreher, autor do best-seller “A Opção Beneditina”, que trocou o catolicismo pela ortodoxia em 2006. “Eu e minha família nos mudamos para uma igreja que, eu creio, tem uma chance muito maior de manter a herança da fé cristã ao longo do tempo", ele escreveu à época.
Os ortodoxos americanos também se destacam por outra característica: eles foram um grupo com índices educacionais acima da média; segundo a pesquisa do PPRI, 69% deles frequentam ou já frequentaram uma faculdade, 48% têm um diploma universitário e 25% chegaram à pós-graduação. Este último índice é praticamente o dobro do índice entre os protestantes brancos de igrejas tradicionais, que historicamente formavam a elite intelectual dos Estados Unidos.
Liturgia tradicional
O que se entende por Igreja Ortodoxa surgiu com o Cisma do Oriente, em 1054, que antecedeu a Reforma Protestante em 465 anos. Nele, a Católica de Roma se separou das igrejas orientais.
Hoje, a Igreja Ortodoxa — que afirma manter a fé genuína dos apóstolos — é composta por igrejas nacionais distintas, mas unidas pela teologia. A denominação é forte sobretudo na Rússia e na Grécia, mas também tem uma presença visível em países como Síria, Armênia, Bulgária e Sérvia.
Não é só o conservadorismo nos costumes que tem levado fiéis de outras igrejas à ortodoxia. A liturgia tradicional também explica parte do apelo. As celebrações são mais longas (muitas vezes, com mais de três horas de duração) e os cânticos evocam o misticismo dos tempos antigos.
Ao passo que muitas igrejas evangélicas transformaram os cultos em shows de pop rock e as paróquias católicas adotam um estilo de música mais simplificado, os ortodoxos apresentam um caminho diferente.
Da arquitetura do templo (com os ícones principais colocados em posições específicas) às orações ritmadas, tudo revela uma preocupação com a tradição cristã em vez de agradar o gosto fiéis. O sacerdote se vira para o altar, de costas para a congregação — como na Igreja Católica antes do Concílio Vaticano Segundo, na década de 1960.
É como se o tempo passasse mais devagar para os ortodoxos.
Tradicionalismo atrai jovens
No Brasil, o Censo de 2010 indicou que os ortodoxos eram 0,7% da população (os dados do Censo de 2022 sobre religião ainda não foram divulgados).
A maior parte deles tem origem grega ou ucraniana. Mas, nos últimos anos, isso tem mudado. “Nas Américas em geral, o número de ortodoxos vem crescendo de forma considerável", diz à Gazeta do Povo o monsenhor Irineo Tamanini, vigário arquidiocesano para o Sul do Brasil da Arquidiocese Ortodoxa Grega de Buenos Aires e América do Sul.
Ele explica que o relativismo não tem espaço na teologia ortodoxa. “A Igreja Ortodoxa afirma categoricamente ser a instituição que se mantém fiel à vontade expressa de Jesus Cristo e aquilo que os Santos Apóstolos pregaram a respeito dele, procurando manter a mesma fidelidade aos cânones e normas do primeiro milênio”, afirma Tamanini.
Ele afirma que é justamente esse zelo pela tradição que tem ajudado a atrair fiéis em meio a um mundo em transformação. “A Igreja Ortodoxa é taxada de ser inflexível em suas normas e doutrinas, em seus valores e costumes. Mas, para muitos jovens, é este o fato que os encantam e os fazem buscar a ortodoxia: buscam uma referência segura”, diz.