Vista da opulência de São Paulo: o Brasil tem bolsões de riqueza, mas não é rico| Foto: NELSON ALMEIDA/AFP

Seja na escola, numa roda de conversa com os amigos, ou mesmo numa mesa de bar, não devem ter sido raras as vezes em que você já se deparou com algumas daquelas frases prontas sobre o Brasil que, a despeito de parecerem sérias e profundas à primeira vista, não passam de mitos. 

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Criadas por meio de uma análise superficial da realidade, elas vagam pelo imaginário coletivo nacional há décadas, e, como tal, refletem-se na qualidade dos nossos políticos, que na ânsia de angariar apoio popular, se apropriam destas ideias para vender soluções aos mais desavisados.  

Razões para isso não são poucas. Como explicar de maneira lógica que um país com tamanho potencial quanto o Brasil, justamente o país do futuro, sem guerras, com abundância de recursos naturais e um povo empreendedor enfrente tantos problemas? 

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A despeito das respostas fáceis, como aquelas que jogam toda a culpa dos problemas em uma classe, a dos políticos, como se estes tivessem surgido de uma realidade alternativa, decidimos nos aventurar em determinadas ideias, e entender como elas moldaram alguns dos erros que deixam este futuro ainda tão distante. 

1) O Brasil é rico, só precisamos dividir a riqueza

Para produzir riqueza, é preciso educação de qualidade 

Não restam dúvidas de que a desigualdade brasileira é brutal, além de um grande empecilho ao país. Nem mesmo neste setor as medidas para combatê-las parecem ter sido das mais eficientes nos últimos anos. 

Como mostrou um estudo realizado pelo IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão do governo que estuda a realidade brasileira e a eficiência de política públicas, nada menos do que 1/3 da nossa desigualdade tem origem na ação direta do Estado brasileiro. São privilégios concedidos a uma minoria, como aposentadorias especiais ao funcionalismo público, ou remunerações acima da média dada ao mesmo funcionalismo (que mesmo com tais privilégios, alguns dos quais já extintos por reformas anteriores, nem de longe chegam a figurar como ricos). 

Segundo o mesmo IPEA, ampliar o emprego no país na primeira década do século foi seis vezes mais efetivo para combater a desigualdade no país do que com programas sociais como o Bolsa Família (ainda que este tenha tido grande relevância para ajudar pessoas em situação de miséria). Como cunhou o ex-presidente americano Ronald Reagan: “o melhor programa social é o emprego”. Mirou nos Estados Unidos e acertou em cheio o Brasil, três décadas depois. 

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Mesmo o emprego no país tem seus problemas em se tratando de reduzir a pobreza e a desigualdade. Nada menos do que em 4 em cada 10 brasileiros trabalhando hoje no mercado de trabalho privado não possuem ensino médio completo. O resultado? Salários menores e baixa produtividade. 

Produzir riqueza não é uma tarefa tão complexa quanto aparenta. Como mostram os economistas, é preciso educação de qualidade e poupança, para garantir investimentos e ampliar a relação entre trabalhadores e o capital (máquinas, equipamentos e infraestrutura). Na prática, quanto maior a relação entre trabalhadores bem educados e a disponibilidade de capital investido, maior a riqueza que cada um deles produzirá, e mais rico será o país. 

Perceba porém que nós, enquanto país, falhamos miseravelmente nas duas pontas. Não temos educação de qualidade e não temos poupança. Por aqui, famílias e empresas poupam 16% do PIB, enquanto nosso governo despoupa 5%, reduzindo drasticamente nossa capacidade de investir. 

Ao longo de décadas, esta é a principal razão de nossa produtividade estar estagnada. Há 4 décadas, 4 brasileiros produziam a mesma riqueza que 1 americano. Na Coréia do Sul, no mesmo período, a relação saltou de 5 pra 1 para 1.8 pra 1, demonstrando um ganho de produtividade, e consequentemente de riqueza dos trabalhadores e do país, muito maior. 

Como consequência óbvia, se nossa riqueza não cresce, dividi-la em si, não alteraria estas bases estruturais de crescimento. Seríamos apenas igualmente pobres. 

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Imagine por exemplo que para se estar entre os 10% mais ricos do Brasil, é preciso hoje que você tenha uma renda de R$ 3,5 mil. Justamente o que ganham algumas categorias como policiais ou professores em alguns estados. Não é razoável supor que ganhem salários bons, e muito menos que sejam ricos, mas esta é justamente nossa realidade hoje. 

Suponha por exemplo que você e seu cônjuge vivam em uma casa com 4 pessoas e que ambos quando somados, tenham uma renda conjunta de R$ 2,4 mil. O resultado? Você estará na metade mais rica do país. 

Se estivéssemos nos Estados Unidos, nada menos do que 2/3 da nossa população estaria apta a receber auxílios como os Foodstamps, dados pelo governo americano para comprar comida. 

Seria de fato bastante reconfortante descobrir que podemos acabar com nossos problemas distribuindo uma riqueza que já existe, mas esta, como os números mostram, não é nem de longe nossa realidade. 

O resultado é que enquanto pensamos assim, nossos políticos se esquivam de apresentar soluções ao real problema. Como fazer com que o Estado pare de roubar nossa poupança e nós possamos investi-la? Como melhorar a educação para a maioria da população, e não apenas para os nossos 3% de estudantes no ensino superior? 

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Respostas como estas seriam muito mais urgentes, não fosse o fato de que continuamos acreditando que o governo entregará a nossa parte do bolo e a festa continuará. 

2) O Brasil não é rico porque exporta só commodities e não produtos com alto valor agregado 

Na minúscula Hong Kong, 41% das exportações referem-se a metais como ouro, prata e cobre. Circuitos integrados são meros 2% da pauta de exportação. Ainda assim, Hong Kong é US$ 10 mil dólares per capita mais rica do que o Japão 

Roger Agnelli foi provavelmente um dos mais bem sucedidos executivos brasileiros na última década. Sob seu comando, a mineradora Vale do Rio Doce, agora Vale, tornou-se uma das maiores do planeta, investindo e adquirindo empresas em diversos países. 

Para o governo brasileiro porém, ainda assim, Agnelli e a Vale jogavam contra o desenvolvimento do país, pois, davam preferência a exportar produtos básicos, como minério de ferro, em vez de agregar valor a eles, produzindo aço. 

Para a mineradora, produzir aço por aqui fugia bastante da sua lógica enquanto empresa: entregar maiores lucros aos acionistas, afinal, a produção mundial de aço hoje é abundante, e a preços bastante baixos. Por que então produzir por aqui algo que certamente sairia mais caro, dado nosso custo elevado com energia elétrica, e assim, investir bilhões em algo cujo retorno seria mínimo? 

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Nada da lógica da empresa porém interessava ao governo, que acabou no fim, levando-a a ceder, e construir siderúrgicas no país (afinal, não custa lembrar que o governo ainda hoje controla direta e indiretamente mais da metade da holding que controla a mineradora). O resultado é que alguns anos depois de encarar o prejuízo, em nome do bem do país, a mineradora desfez-se de ativos na área, vendendo-os a empresas internacionais. 

Casos como este porém, não são uma exceção por aqui. Durante anos o governo levou sua maior empresa, a Petrobras, a comprar apenas navios e plataformas produzidos localmente. Se para as empreiteiras donas dos estaleiros nacionais a prática foi bastante benéfica, para a estatal foi uma péssima estratégia, que acabou a obrigando a desembolsar mais caro e engolir o prejuízo. 

A lógica por trás destas ideias não é difícil de entender. O governo é responsável direto pelos milhares de empregos gerados pela cadeia de óleo e gás no país, e como tal, ganha capital político com isso. 

No fundo porém, a economia nacional acaba caindo em um erro clássico. 

Imagine por exemplo que a Vale não tivesse insistido em destruir bilhões do seu próprio bolso para agradar o governo. Não teríamos siderúrgicas ineficientes, mas seus acionistas teriam lucrado mais, e transformado este dinheiro em novos investimentos, ou poupança, que em última instância se torna investimentos de outras pessoas. 

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O passo entre produzir recursos primários e desenvolver-se, é de fato bastante complexo, mas não significa necessariamente que deva ser dado pelo mesmo setor que produz tais riquezas. 

Em países como Canadá, Suíça ou Austrália, também grandes produtores na área de mineração, estas riquezas obtidas com exportações se somam ao patrimônio nacional, e passam a fazer parte da poupança do país, que, por meio de bancos, é redistribuída a empresas que tenham boas ideias de onde investir. Em suma: o dinheiro não some, ele gira na economia. 

Justamente por abrir mão desta lógica, seguimos presos a políticos que, como ilusionistas, fazem surgir empregos de um lado e desaparecer empregos no outro. 

Não há portanto lógica que impeça um país de se desenvolver exportando bens primários. Na Nova Zelândia, quase quatro vezes mais rica que o Brasil, nada menos do que 15% das exportações do país são leite, outros 6% são de carne de ovelha. Logo acima, na minúscula Hong Kong, 41% das exportações referem-se a metais como ouro, prata e cobre. Circuitos integrados são meros 2% da pauta de exportação. Ainda assim, Hong Kong é US$ 10 mil dólares per capita mais rica do que o Japão. Mesmo nosso vizinho prodígio, o Chile, tem como bem principal de exportação um minério, o cobre. 

Como esperar que o Brasil se torne um grande exportador de produtos com alto valor agregado sem uma educação que corresponda? Bastante improvável. 

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Na prática, países que souberam escapar desta armadilha entenderam que muito mais do que o que você exporta, é a sua capacidade em transferir esta grana extra para setores mais desenvolvidos internamente, investir em educação, em infraestrutura, telecomunicações de qualidade e assim por diante. 

Não há como esperar que se produza algo de grande valor se não damos valor aquilo que já produzimos, desperdiçando-o em privilégios intermediados pelo Estado. 

3) O Brasil só não é rico porque roubaram nossas riquezas naturais 

Sem poder fazer parcerias e trazer capital ao país, a Petrobras viu sua produção ficar estagnada por sete anos 

Produzir no Brasil notoriamente não é uma tarefa das mais fáceis. Para além da nossa pífia 123ª colocação no ranking Doing Business, do Banco Mundial, que avalia a capacidade de um país de fazer negócios, temos um longo histórico de hostilidade junto a qualquer investidor estrangeiro que pretenda se aventurar por aqui. 

A bem da realidade, durante mais de 2/3 da nossa história, qualquer riqueza natural brasileira pertenceu ao governo, seja ele o governo português, ou o império brasileiro. Foi apenas em 1891 que nossas riquezas finalmente puderam ser exploradas por aqueles que se dispusessem a tal. Ainda assim, não foi fácil. 

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No caso mais notório, o norte-americano Percival Farquahr, lutou durante mais de 2 décadas para levantar uma mineração em Minas Gerais. Sua ideia era simples: produzir e exportar minério de ferro. Para o então governador de Minas e futuro presidente Arthur Bernardes, a lógica era absurda, e Farquahr deveria, como compensação, construir uma siderúrgica no estado. 

Dito e feito, Percival se propôs a construir uma siderúrgica não apenas para o minério de ferro, como também uma siderúrgica para produzir coque de cobre, ferrovias e um porto no Espírito Santo. Tudo isso quase duas décadas antes de barganharmos com americanos uma siderúrgica nacional em Volta Redonda. 

Nada disso porém foi pra frente. O Tribunal de Contas da União barrou a decisão, e mandou o congresso avaliá-la. Por oito anos, a decisão ficou parada no congresso, só sendo definida em 1928. Com a crise do ano seguinte, e vendo que sua concessão acabaria oficialmente em 1931, o projeto naufragou. E só seria reativado quase 15 anos mais tarde, dando origem a Vale do Rio Doce, estatal que deveria executar exatamente o mesmo projeto feito pela iniciativa privada 32 anos antes. 

Do minério de ferro ao petróleo, nossas riquezas naturais estiveram via de regra sob o manto de proteção do Estado brasileiro por quase toda a nossa história, e, justamente por isso, nosso capital disponível para explorá-las e transformar tudo em riqueza de fato, bem além de um bilhete premiado embaixo da terra, foi sempre limitado. Afinal, por que investir em mineração ou petróleo se o estado tem tantas obrigações mais urgentes como saúde e educação? 

De fato, foi justamente nossa hostilidade com relação aos estrangeiros dispostos a investir por aqui que impediu esta riqueza de ser melhor aproveitada. 

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Caso similar ocorreu justamente em 2009, quando após a descoberta do pré-sal, o governo brasileiro decidiu mudar as regras e impedir que novamente eles, os estrangeiros, investissem bilhões por aqui. 

Faça as contas: a cada US$ 100 produzidos pela Petrobras, R$ 64 são impostos, R$ 24 são custos (mão de obra e investimento), e R$ 12 corresponde ao lucro. 

Parece lógico portanto que o governo arrecadaria muito mais se permitisse que a produção de fato aumentasse, não? Pois é, mas não foi nada disso que ocorreu. 

Sem poder fazer parcerias e trazer capital ao país, a Petrobras viu sua produção ficar estagnada por sete anos, e, enquanto alguns poucos lucravam explorando-a ou mesmo saqueando a empresa, o país deixou passar novamente uma oportunidade de transformar tudo em riqueza. 

Se durante séculos as riquezas produzidas aqui foram de fato levadas para enriquecer nossos colonizadores, nas últimas décadas temos nos encarregado de impedir que isso ocorra, não por reter a riqueza em solo nacional, mas por impedir que sequer ela seja produzida. 

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