Nobel de química foi dividido em metade para David Baker (esq.), pioneiro da criação de proteínas, e o resto para Demis Hassabis (centro) e John Jumper, ambos da Google DeepMind, por seu trabalho desvendando a estrutura 3D de proteínas (como a estrutura à direita).| Foto: Jeffreyjgray, Duncan.Hull e Jumper et al./Wikimedia Commons
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A estrutura das proteínas é a área de pesquisa científica reconhecida com o Nobel de Química anunciado nesta quarta-feira (9) pela Academia Sueca. Os laureados são um trio, mas a distribuição do prêmio não é igual para os três.

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Leva metade do prêmio o americano David Baker, da Universidade de Washington em Seattle, por sua contribuição para a modelagem computacional de proteínas. A outra metade do prêmio é dividida igualmente entre o inglês Demis Hassabis e o americano John Jumper, ambos trabalham na predição da estrutura dessas moléculas para o laboratório de pesquisa em inteligência artificial Google DeepMind, em Londres.

As proteínas, moléculas extremamente versáteis que fazem quase tudo de importante no organismo, são construídas com 20 blocos moleculares diferentes, os aminoácidos, obtidos tanto da alimentação quanto da capacidade de fabricação do organismo. Em média elas têm 300 a 400 aminoácidos encadeados, podendo chegar a milhares. Pequenas cadeias, como da insulina, com 51 aminoácidos, são conhecidas como peptídeos. Já a hemoglobina, que transporta o oxigênio no sangue, é uma proteína formada pela ligação de 574 aminoácidos.

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Não é difícil para os cientistas desvendarem qual é a ordem dos aminoácidos, que pode ser inferida do DNA. A função das proteínas, contudo, não é dada apenas por essa ordem, mas de forma muito importante pela forma como essa cadeia se dobra em estruturas tridimensionais. Prever essas estruturas pela cadeia dos aminoácidos era uma tarefa considerada de extrema dificuldade até pouco tempo na ciência.

Antes, para descobrir a estrutura tridimensional de uma proteína, os cientistas só dispunham de métodos muito trabalhosos: primeiro, era necessário juntar uma quantidade suficiente de uma proteína para formar um cristal. Depois, miravam sobre ela raios X, tirando uma “foto” do cristal cujo padrão passava por métodos matemáticos para determinar a estrutura exata. Esses métodos, criados nos anos 1950, ainda são usados e necessários para confirmações. Mas a resolução das estruturas proteicas ficou muito mais fácil graças aos métodos computacionais de previsão desenvolvidos pelo trio de laureados.

O trabalho de Hassabis e Jumper no Google DeepMind permitiu a previsão da estrutura 3D de quase 200 milhões de proteínas. David Baker impressionou mais o comitê do prêmio por projetar novas proteínas com funções específicas.

Quem são os laureados

Demis Hassabis é um mestre do xadrez. Ele começou a jogar aos quatro anos e atingiu o nível de mestre aos 13. Essa inteligência ele aplicou na adolescência aprendendo a programar computadores e desenvolver jogos. Ao se interessar por inteligência artificial, ele contribuiu para a área de redes neurais artificiais (assunto do Nobel de Física este ano). Ele cofundou a empresa DeepMind em 2010 e a empresa foi comprada pelo Google quatro anos depois. Depois de chamar a atenção criando um algoritmo de IA que derrotou o campeão mundial do antigo jogo de tabuleiro chinês go, a DeepMind se voltou em 2018 para o problema de prever estruturas de proteínas, vencendo uma competição internacional com seu programa “AlphaFold”.

O programa conseguiu atingir 60% de precisão ao prever as estruturas, contra 40% dos outros competidores. Coube a John Jumper, outro funcionário da empresa que trabalhava com a física e a matemática das proteínas desde 2008 e obteve seu doutorado em 2017, ajudar Hassabis no desenvolvimento da nova versão do programa, “AlphaFold2”, usando redes neurais chamadas “transformadores” (o “T” em “ChatGPT”). Deu certo, e a nova versão se mostrou impressionante: tão precisa quanto a cristalografia de raio X. O programa já foi usado por mais de dois milhões de pessoas em 190 países.

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O início da carreira de David Baker parece improvável: ele começou na filosofia e ciências sociais em Harvard. Mas se apaixonou por um livro-texto muito utilizado em biologia celular e molecular, conhecido como “The Cell”. Nos anos 1990, ele já se dedicava ao estudo dos dobramentos tridimensionais que dão forma e função às proteínas.

Um dos insights de Baker e sua equipe foi reverter o processo: em vez de tentar prever a estrutura 3D pela sequência de aminoácidos, começavam com a estrutura e então determinavam que aminoácidos se encaixariam ali. Na mesma época, Baker começou a criar suas próprias proteínas com sequências não encontradas na natureza. A área tem enorme potencial: uma das funções mais importantes das proteínas é aquela desempenhada pelas enzimas — a facilitação de reações químicas específicas. Muitos problemas de poluição, por exemplo, são uma questão de encontrar a enzima correta para digerir a substância poluente em produtos mais inofensivos. É nossa melhor aposta para dar um fim nos microplásticos.

O programa de Baker, “Rosetta”, busca estruturas conhecidas de proteínas para ajudar a construir uma molécula nova. Uma delas foi a proteína “Top7”, com 93 aminoácidos que, tendo seu cristal investigado com raios X, se revelou quase exatamente o que tinha sido projetado no programa em 2003. Graças a Baker, que disponibilizou seu programa para qualquer pessoa usar, junto ao auxílio de precisão do “AlphaFold2”, abriu-se uma miríade de possibilidades para a humanidade criar soluções para inúmeros problemas, da engenharia à saúde, do computador para o laboratório.