Um novo relatório do Instituto Sueco de Economia da Saúde (IHE, na sigla em inglês), publicado em agosto, aponta que, de todas as mortes por câncer de mama no mundo, entre 30 e 40% são causadas pelo tipo mais letal da doença, o chamado “câncer de mama triplo negativo” (CMTN). No Brasil, onde essa forma representa 21% dos casos (a média mundial é de 10 a 20%), a taxa de sobrevivência é de 56%, enquanto nos Estados Unidos 91% das diagnosticadas sobrevivem se o tumor for detectado em fase inicial. A Gazeta do Povo falou com um dos autores do estudo, Thomas Hofmarcher, economista de saúde que trabalha para o IHE e tem dez anos de experiência na análise econômica da oncologia. Segundo ele, que esteve no Brasil para 20º Seminário Latino-Americano de Jornalismo em Ciência e Saúde, no mês passado em São Paulo, o estágio em que o câncer é detectado faz toda a diferença no sucesso e no custo do tratamento.
Hofmarcher explica que os fatores de risco para o CMTN são idade, obesidade, falta de exercícios e, surpreendentemente, a ausência de filhos — mais especificamente nunca ter produzido leite materno. Embora a taxa de sobrevivência entre as diagnosticadas seja relativamente baixa no Brasil, o número de mulheres incluídas nesses estudos ainda é pequeno, o que põe dúvida sobre a estimativa. De fato, explica Hofmarcher, “dados de alta qualidade na América Latina são um grande desafio”.
Nos Estados Unidos, contudo, quando o triplo negativo é detectado cedo (em pequenos nódulos nas mamas), a taxa de sobrevivência é de 91%. Quando as mulheres esperam demais para fazer a detecção, num estágio em que o câncer já está se espalhando para outros pontos do corpo, a sobrevivência é de apenas 12%.
No Brasil, somente 20% dos casos de CMTN são detectados no estágio inicial, e 35% no estágio 2. Tomando os dois primeiros estágios em conjunto, o país fica cinco pontos percentuais abaixo do limiar dos 60% recomendados pela Organização Mundial da Saúde.
O exame do toque pode ajudar. O cientista elogia iniciativas didáticas de como fazê-lo adequadamente como o aplicativo Know Your Lemons (literalmente “Conheça seus limões”, já está disponível em português). Como o aplicativo informa, a detecção no estágio 1 leva a uma sobrevivência de 99% para todos os tipos de câncer de mama. “Este aplicativo salvou a minha vida”, disse uma usuária.
Além do alto custo de perda de vidas, a diferença de estágio em que o câncer é detectado impacta o preço do tratamento. Quando detectado no estágio inicial, nos Estados Unidos, o tratamento custa em média US$ 13 mil (R$ 65,4 mil na cotação atual), enquanto no último estágio de desenvolvimento (estágio 4) esse custo se eleva para US$ 30 mil (R$ 151 mil).
Apesar da seriedade do problema, Hofmarcher tem uma perspectiva otimista: “na oncologia há tanta coisa acontecendo, especialmente em medicamentos para o câncer — na União Europeia, vimos 100 novos medicamentos nos últimos 15 anos, só em 2022 foram 15 novos remédios”.
O que é exatamente o câncer de mama triplo negativo
Doença cancerosa que mais mata mulheres ao redor do planeta, o câncer de mama se apresenta em diferentes tipos. Uma forma de classificá-los é pelo modo como as células cancerosas respondem a três hormônios — essa resposta é de estímulo ao crescimento do tumor. O tipo mais letal de câncer de mama é o que dá resultado “negativo” nos testes de biópsia para a presença de resposta a esses três hormônios — daí o nome “câncer de mama triplo negativo” (CMTN).
A quimioterapia com frequência é baseada na capacidade desses tumores de responder aos hormônios. Já que essa resposta não é detectada no CMTN, isso significa que ele cresce de uma forma diferenciada e é mais difícil de tratar.
Saúde na Suécia
Austríaco radicado na Suécia há muitos anos, Thomas Hofmarcher acredita que a atitude independente do país na saúde, em que suas autoridades sanitárias têm grande autonomia em relação ao governo para seguir evidências científicas independentemente da popularidade das soluções que elas indicam, produz resultados na área do tratamento de câncer de mama. Para ele, uma população acostumada a ser autônoma e livre tem mais mulheres que buscam se testar na frequência adequada e se informar a respeito de riscos e procedimentos.
Esse diferencial “também exige que os cidadãos confiem no sistema de saúde. Não é suficiente ofertar o serviço, é preciso ter a confiança da população. O sistema funciona muito bem na Suécia porque as pessoas lá acreditam na ciência e podem confiar no que as autoridades de saúde recomendam para elas. É por isso que a Suécia tem a maior taxa de testes de câncer de mama de toda a União Europeia”.
Na pandemia, por exemplo, o país teve uma notável atitude mais liberal e resistiu a chamados internacionais por lockdown, com bons resultados. Como informou a Gazeta do Povo, países que impuseram políticas como o passaporte vacinal na pandemia observaram uma queda da confiança de sua população no governo.
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