Nos EUA, a guerra cultural sobre a questão do início da vida humana foi ampliada por aqueles que querem remodelar o fim da vida humana. O debate acerca da legalização da assistência médica para suicídio começou em Oregon há quase trinta anos. O esquema no qual os médicos prescrevem drogas letais e instruem os pacientes que querem dar um fim à própria vida foi vendido ao público como “morte digna”. Seria cuidadosamente restrito a indivíduos maiores de 18 anos que tivessem doenças incuráveis e irreversíveis, e não tivessem expectativa de vida superior a seis meses. Essa nova abordagem do cuidado na fase final da vida violava as leis de todos os 50 estados que consideravam crime ajudar um ser humano a cometer suicídio. Para os médicos, violava o milenar juramento hipocrático: “Não vou administrar veneno a ninguém, nem que me peçam; tampouco vou sugerir tal expediente”.
Os primeiros defensores dessa mudança radical na relação entre médico e paciente garantiram ao público de Oregon que haveria salvaguardas suficientes contra abusos, e que essa medicina letal seria autoadministrada. Suas propostas legislativas incluíam barreiras para assegurar o consentimento informado e exigiam avaliações psiquiátricas para os postulantes que parecessem deprimidos. Todo aquele que buscasse morte assistida também tinha que receber indicações no centro de tratamentos paliativos, bem como cuidados de conforto e alternativas para o controle da dor.
Com todas essas precauções, o referendo de Oregon em 1997 foi aprovado com 51% contra 49%, e o experimento americano com suicídio assistido começou. Como uma decisão da Suprema Corte do mesmo ano resolveu que não existia nenhum direito constitucional ao suicídio assistido, a batalha para expandir essa forma de suicídio passou para outras legislaturas. Os que defendiam a liberalização das leis argumentavam que sua meta era aliviar e honrar o direito dos indivíduos a terem a morte nos seus próprios termos. Alegavam que apressar a morte não era o mesmo que matar; e que a compaixão, em vez do corte de despesas, era a sua única motivação.
A infame Hemlock Society [Sociedade Cicuta], que àquela época era a principal voz em defesa do suicídio assistido e da eutanásia, mudou de nome e depois se fundiu com outra organização igual para se tornar a “Compassion and Choices” [Compaixão e Escolhas]. Ela se maquiou ao remover do discurso palavras desagradáveis como “suicídio” e “eutanásia”, enquanto continuava sua campanha nacional para oferecer aos cidadãos “todas as opções de cuidados do fim da vida”. Essa mudança na identidade e nas táticas surtiu efeito. Mais nove estados e o distrito de Colúmbia descriminalizaram o suicídio assistido e seguiram o modelo regulatório de Oregon. Em 2022, os esforços legislativos para introduzir essa prática ou expandi-la falharam em Vermont, Washington, Havaí, Delaware, Virgínia, Massachusetts, Arizona, Indiana, Kentucky, Rhode Island e Connecticut.
Mas, no Canadá, avançou-se muito e a pleno vapor. Graças ao primeiro-ministro Justin Trudeau, o Doutor da Morte da modernidade, o declive escorregadio antevisto pelos críticos está agora descendo ladeira abaixo em plena luz do dia. Logo após sua primeira eleição federal em 2015, o Partido Liberal, de Trudeau, pressionou o Parlamento para aprovar a Lei de Assistência Médica para Morrer (MAID, na sigla em inglês que soa como “moça” ou “criada”). Um postulante a morrer pela MAID tinha que demonstrar que sua morte era “razoavelmente previsível” e que uma doença incurável, grave e irremediável existia e estava em “estado avançado de declínio irreversível”. Indivíduos com doenças mentais ou deficiências não terminais não eram elegíveis.
Mas Trudeau tinha planos maiores. Menos de cinco anos depois, seu governo expandiu a lei para fazer do Canadá algo que pode ser chamado de capital mundial da morte assistida. Saiu a exigência de morte “razoavelmente previsível”, abrindo assim o caminho para deficientes que, de outro modo, tinham uma vida inteira pela frente. Saiu também a exigência de esperar dez dias, bem como a obrigação de dar informações sobre cuidados paliativos a todos os postulantes.
Do mesmo modo, os médicos não são mais os únicos profissionais de saúde autorizados a assinar uma receita de morte rápida. Enfermeiros também podem desempenhar essa função. Quanto às duas testemunhas independentes que antes tinham de confirmar que o postulante tinha dado consentimento informado e assinado mesmo o formulário, agora já basta uma. Ao contrário de outros países onde a eutanásia é legal, o Canadá sequer exige uma revisão independente do pedido que certifique a ausência de coerção.
Não satisfeito com a simples oferta de saídas finais para os deficientes não moribundos, Trudeau ainda ofereceu a possibilidade da MAID para os doentes mentais. Em março do próximo ano, os indivíduos do Canadá que, por definição, não podem dar consentimento informado por serem doentes mentais, serão capazes de solicitar eutanásia ou suicídio assistido. Imagine-se o que alguns canadenses não fariam ao ver alguém prestes a pular do vigésimo andar de um prédio...
Hoje, o pioneirismo do jovem primeiro-ministro na morte de enfermos, os aleijados e os doentes mentais chancelada pelo governo inclui a extensão da MAID aos “menores maduros”. Agora esta medida está sob revisão dos parlamentares, o que – se a história é uma guia – significa que tal expansão na elegibilidade para os jovens no Canadá é inevitável.
Dito isso, os relatos de abusos no sistema canadense de morte assistida – inclusive a coerção de pessoas vulneráveis e doentes pelo pessoal do hospital – fez muitos repensarem a campanha pró-morte de Trudeau. Além disso, um recente relatório governamental trouxe atenção indesejada da imprensa ao apontar que a MAID poderia economizar 66 milhões de dólares enquanto ignorava o fato de que o programa incentiva o governo a negar cuidado importante e serviços domésticos aos necessitados.
Aonde esse experimento social vai levar? Não é mais uma fantasia distópica imaginar que um algoritmo de inteligência artificial, em vez de um profissional médico, venha a determinar a elegibilidade da MAID. Não está fora do reino das possibilidades que uma tecnologia do botão permita a morte por gás nitrogênio. Tais mudanças deixariam o médico completamente fora do negócio desagradável de acabar com a vida de modo intencional. Na Holanda, o primeiro país a legalizar a eutanásia, essa câmara letal já está em desenvolvimento avançado e prestes a ser testada em sua primeira cobaia humana.
A boa nova é que ainda há algum tempo para os EUA encontrarem uma alternativa à reprise da disputa à base de grito entre os "pró-escolha" e os pró-vida na questão do aborto. Um tratamento melhor para a dor, um acesso mais precoce a cuidados paliativos, o aprimoramento de serviços comunitários de saúde mental, a expansão das opções de cuidado para os pobres, uma ênfase renovada na autodeterminação por meio de diretrizes que levem os sistemas de saúde a respeitarem e honrarem as escolhas dos pacientes sem incitar o suicídio, e um alcance, pelas organizações religiosas, dos solitários, deficientes e deprimidos, podem ajudar os responsáveis pelas políticas públicas a evitarem a dinâmica “dor ou veneno” que caracteriza o atual parâmetro das políticas públicas.
No fim, sempre será mais fácil matar as pessoas do que cuidar delas. De fato, a menos que se deem rápido alguns passos, o “direito à morte” estará ao alcance dos pobres e dos deficientes.
Jim Towey foi consultor jurídico de Madre Teresa de Calcutá nos últimos doze anos de sua vida. Ele atuou como diretor do Escritório de Iniciativas Comunitárias e Baseadas na Fé da Casa Branca, de 2002 a 2006. É o fundador e CEO da Aging with Dignity [Envelhecer com dignidade], uma organização sem fins lucrativos com escritórios em Tallahassee (Flórida) e Washington (DC).
© 2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.