A fama de vencedor, que sempre foi cultivada por Donald Trump, não pode ser aplicada aos seus cem primeiros dias na Casa Branca, completados neste sábado. O mais controverso, inexperiente e conflituoso homem a liderar a mais importante nação do planeta falhou em suas principais promessas. Trump viu suas principais ações derrotadas, incompletas ou bloqueadas pela Justiça. Por outro lado, não chegou a ser o desastre que alguns críticos alarmistas previam. Após sequer contar com a tradicional lua de mel com os americanos, terá desafios ainda maiores para os 1.361 dias que restam de seu mandato para tentar impor sua marca na História.
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A má avaliação não decorre apenas de sua baixa aprovação, a menor entre os presidentes modernos nesta fase do mandato e que piorou desde a posse — segundo o instituto de pesquisa Ipsos, a parcela de americanos que o desaprova passou de 45% na primeira semana na Casa Branca para 55% agora, e aqueles que aprovam seu trabalho atualmente são 40%. Isso indica problemas que ampliam as incertezas para o resto de seu mandato, ainda mais se mantiver o tom belicoso que continua adotando, como em seu discurso ontem na Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês).
Os piores 100 dias entre todos os presidentes
“Os primeiros cem dias de Trump são, indiscutivelmente, os de menor resultado e os mais disfuncionais entre todos os demais presidentes nos tempos modernos, se não na História”, disse Robert Watson, professor de Estudos Americanos da Lynn University, na Flórida, que lembra que o republicano sequer conseguiu preencher diversos cargos em seu governo. Enquanto outros presidentes tinham o Congresso trabalhando em sua agenda prioritária, Trump só pediu ao Congresso para trabalhar em dois itens principais: um dos quais falhou, ao não revogar o Obamacare; e o outro só agora foi iniciado e apenas em forma de esboço, a reforma tributária.
O especialista afirma, ainda, que Trump não avançou sequer nos pontos que disse que faria em seu primeiro dia na Casa Branca, como iniciar a construção do muro na fronteira com o México (e obrigar que os vizinhos pagassem pela obra), deportar milhões de ilegais criminosos, revogar o Obamacare, sair da Otan e declarar a China um país manipulador de sua moeda. Além disso, teve que ver um de seus principais assessores, Michael Flynn, sair do governo acusado de ter colaborado com a Rússia, justo durante investigações sobre a interferência de Moscou na eleição de 2016.
“Eu lhe daria apenas uma grande vitória, a nomeação de Neil Gorsuch à Suprema Corte”, pontuou o especialista, que estuda e escreve sobre a história da Presidência há três décadas e disse nunca ter “visto nada parecido”.
As mudanças bruscas de opinião em política externa comprovam o que os analistas indicam ser uma mistura de despreparo, improviso e arrogância de Trump.
“A política externa de Trump foi muito errática e imprevisível, tornando nossos aliados, e talvez nossos adversários, muito nervosos”, afirmou o embaixador aposentado Melvyn Levitsky, professor da Universidade de Michigan. Trump parece acreditar que a imprevisibilidade é uma virtude.John Zogby, da Zogby Analytics, enxerga que Trump foi incapaz de tirar proveito da popularidade após a posse e também da maioria republicana nas duas casas do Congresso. Até mesmo ordens executivas que previam proibir a entrada no país de cidadãos de sete países muçulmanos e punir cidades que ajudem imigrantes ilegais foram barradas na Justiça. E isso indica problemas futuros.
“Sua única esperança é ser salvo por um forte desempenho em algum tipo de crise internacional”, disse Zogby. “Não acredito que ele vá conseguir muito de sua agenda doméstica. Ele não tem apoio do próprio partido”.
O “Washington Post”, por exemplo, disse em editorial que o governo de Trump “não foi tão ruim quanto o prometido”. “Os agradecimentos iniciais são devidos ao Congresso, aos juízes, ao Escritório de Orçamento do Congresso, aos cidadãos americanos, e aos eleitores na Holanda e na França”, afirmou o jornal, lembrando que a onda populista não avançou em países europeus.
Tom mais moderado?
Muitos veem Trump aprendendo ao adotar um tom moderado. Mas ontem foi dia de recaída. Na véspera de completar sua marca, fez o que nenhum presidente fazia há 30 anos em seus primeiros cem dias: discursar na sede da NRA. E, talvez para repetir a estratégia bem sucedida nas eleições, criou polêmicas para encobrir dados ruins. Após vangloriar-se de seu governo, tentou antecipar o debate sobre as eleições de 2020, quando disse acreditar que enfrentará a “Pocahontas”, como chama a senadora de esquerda Elizabeth Warren.
“Não podemos ser complacentes. Estes são tempos perigosos, estes são tempos terríveis por certas razões óbvias”, alertou Trump em Atlanta, apelando ao medo de uma plateia de defensores da liberdade de armas, um dos grupos que seguem com o republicano.
E se politicamente não tem muito o que comemorar, o mesmo parece ocorrer na vida pessoal. Em entrevista à Reuters, disse que sente saudades de dirigir, que parece “viver num casulo” por causa da segurança presidencial e que se surpreendeu com as dificuldades do novo trabalho.
“Eu amava minha vida antiga”, disse Trump com um olhar melancólico, segundo a agência.
De acordo com pesquisas, a imensa maioria dos americanos, ao menos neste ponto, concorda.
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