“Olá, você ligou para os Estados Unidos da América. Lamentamos, mas não há ninguém disponível para atender a sua ligação no momento. Nós demos uma folga para o nosso juízo e não sabemos quando ele retornará. Por favor, tente novamente em três anos e meio.”
Se a América tivesse uma mensagem de caixa postal para o mundo, seria essa. Nós estamos fazendo um experimento de explorar as consequências de a maior potência do mundo subitamente sair sem licença do cenário mundial.
Alguns dos sinais da retirada dos EUA se tornaram manchetes mundiais. Mas alguns outros modos com que estamos abandonando o nosso papel de liderança são menos visíveis. Por exemplo, poucas coisas estão associadas mais diretamente à liderança americana do que o nosso papel como uma fonte de excelência em inovação, pesquisa, ciência e tecnologia. Ainda assim, o presidente Donald Trump – que teve dificuldades para criar ou manter quaisquer políticas de iniciativas do gênero – demonstrou uma firmeza notável na sua campanha contra a ciência.
George W. Bush tinha a Guerra ao Terror. Donald Trump tem a Guerra à Verdade.
Recentemente, os últimos cientistas deixaram a Divisão de Ciência do Escritório de Políticas de Ciência e Tecnologia (OSTP) da Casa Branca. A equipe do OSTP tem cerca de um terço do tamanho que tinha durante o governo Obama; o presidente Trump ainda não indicou uma liderança para o escritório.
O principal assessor de ciência e tecnologia do Departamento de Estado, Vaughan Turekian, se demitiu em meio a uma série de rumores de que o Secretário do Estado, Rex Tillerson, estaria planejando encerrar todas as operações de ciência e tecnologia.
Tem ocorrido uma série de indicações de não cientistas para cargos com grandes elementos científicos, incluindo a indicação de Samuel Clovis para o cargo de subsecretário responsável pelas iniciativas de pesquisa, educação e economia do Departamento de Agricultura. Clovis, que tem virtualmente nenhuma experiência com ciência, comandará iniciativas em questões vitais como a propagação de doenças e os efeitos de pesticidas.
Clovis, assim como muitos outros no governo, é um “cético” da mudança climática. Também é o caso de Scott Pruitt, que está na chefia da Agência de Proteção Ambiental. Enquanto pedaços gigantescos da Antártida se desprendem do bloco de gelo do continente e os padrões climáticos seguem confirmando as conclusões de 97% da comunidade científica que a mudança climática antropogênica é real, Trump se cerca de pessoas como Clovis e Pruitt, que simplesmente descartam os fatos, colocando todos nós em risco.
O sindicato de cientistas Union of Concerned Scientists publicou um estudo sobre a trajetória dos primeiros seis meses do governo Trump, chamado "Sidelining Science from Day One." (“Deixando a ciência de lado desde o primeiro dia”). O estudo condena a equipe de Trump por “corroer a capacidade da ciência, dos fatos e das evidências de informar decisões de políticas públicas” e afirma que “padrões eminentes revelam táticas para diminuir o papel da ciência na nossa democracia”.
Falando sobre a necessidade de cientistas qualificados em cargos de alto escalão, Arati Prabhakar, ex-chefe da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA), resumiu a situação. “Essas posições exigem especialização profunda e liderança séria. Qualquer coisa menos que isso é um risco para o futuro.”
Claro que não é só a ciência que está em cerco. Amplamente, o governo ataca fatos e evidências sempre que não se alinham à sua visão política. Todas as comunidades que se apoiam em evidências estão sob ataque – a comunidade de inteligência, agentes da lei, centros de inovação e jornalistas. Os ataques acontecem de todas as formas – desconsideração por dados, falácias ad hominem contra os representantes e suas motivações, desvios de argumentos e falsas analogias.
O oposto de conhecimento é ignorância. Mas a desconsideração proposital do conhecimento – independentemente do motivo – é estupidez. Isso acontece porque aqueles que lutam contra os fatos estão em guerra contra a realidade. É uma posição em que é impossível vencer. Além disso, o conhecimento especializado, especificamente de cientistas, é essencial para podermos fazer o que líderes deveriam fazer: antecipar mudanças, entender as suas consequências e aproveitar as oportunidades que elas apresentam. Trump, promovendo uma campanha sistemática para limpar o governo de especialistas e ideias que ele enxerga como ameaças para a sua agenda política, fez muito mais do que apenas iniciar uma Era de Ouro da Estupidez. Ele está lançando involuntariamente uma questão que não precisa de especialistas para decifrar a resposta: “O que acontece quando você lobotomiza a maior potência mundial?”.
Nós, também, precisamos entender as consequências mortais do que Trump está escolhendo arriscar. Isso me lembra de um experimento que o meu pai, um cientista, conduziu certa vez. Nos seus últimos anos, ele foi atormentado por falência renal, um legado do seu sofrimento quando criança na Áustria nazista. “Vamos ver o que acontece se eu não fizer diálise por algumas semanas.” O médico disse: “Você certamente vai morrer”. Meu pai disse: “O único jeito de termos certeza do resultado é se testarmos a teoria”. Parafraseando uma frase de Hemingway que ele gostava, nunca houve dúvidas quanto ao resultado.
Ele morreu dias depois.
*Rothkopf é autor de "The Great Questions of Tomorrow". É professor visitante de assuntos internacionais na Faculdade de Estudos Internacionais da Universidade de Columbia.
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