Quem assistiu com ceticismo ao anúncio do presidente Donald Trump, na semana passada, de que a pena de morte passaria a ser utilizada contra traficantes de drogas, como forma de inibir a difusão dessas substâncias, principalmente opioides, saiba que ele não está brincando. Leis aprovadas em anos anteriores, principalmente em uma reforma penal feita em 1994 e sancionada por Bill Clinton, consideram legal aplicar a pena capital a traficantes de drogas em algumas circunstâncias. Acontece que o país, simplesmente, não aplica essas leis, por uma série de motivos – e Trump parece estar decidido a fazer de tudo para que esse cenário mude.
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Em um memorando enviado a promotores de Justiça dias depois do anúncio, o procurador-geral Jeff Sessions pediu aos seus colegas que sejam “duros com o crime” responsável pela epidemia de drogas, principalmente pela distribuição de opioides (drogas contra a dor que podem levar à dependência, como analgésicos, mas também heroína e fentanil), que causou a morte de 64 mil americanos em 2016.
Com o aumento das sanções criminais e a conquista do Congresso para aprovar leis que garantam um investimento de US$ 6 bilhões para fundos de combate a esse tipo de crime, Trump quer resolver esta que, para ele, é uma das maiores emergências de saúde pública dos Estados Unidos. E também uma das maiores cobranças da oposição em relação ao seu governo.
Críticos de Trump, principalmente democratas, apontam que o presidente, até agora, não teria feito muito pelos dependentes de drogas. Essa percepção pode ser atestada em acontecimentos como a manifestação contra Trump feita em Manchester, há poucas semanas, quando o presidente visitou uma unidade de ajuda a viciados. Cerca de duzentas pessoas o receberam com protestos e cartazes, cujos jingles alfinetavam: “enquanto você fala, nós morremos”.
A lei de 1994
A reforma penal de 1994 foi aprovada como uma tentativa de repressão aos traficantes de drogas em resposta à epidemia de crack nas décadas de 1980 e 1990, ligada a uma onda de crime e violência nas cidades americanas. Todavia, tal medida teria sido considerada severa demais, mesmo para os promotores zelosos da república.
A jurisprudência nos tribunais considerou que a pena capital para esses casos seria cruel e incomum, como é citado e proibido na Oitava Emenda da Constituição americana, tendo-se em conta “os padrões evolutivos de decência que marcam o progresso de uma sociedade em amadurecimento”. Tal decência e amadurecimento exigiriam que a pena de morte ficasse restrita a crimes mais graves e a infratores cuja extrema culpabilidade justificasse sua execução, explicou Ojmarrh Mitchell, professor de estatística e criminologia da Universidade do Sul da Flórida, à Reuters. Sendo assim, nesses 24 anos, os promotores federais estadunidenses nunca o utilizaram. Eles dificilmente precisam recorrer a tais recursos, acrescentou o professor, também porque já existem sanções penais draconianas disponíveis para punir contrabandistas de drogas já condenados.
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O pacote legislativo de 1994 autoriza a pena de morte contra um réu que dirige uma empresa criminosa envolvendo grandes quantidades de drogas ou gerando lucro de mais de US$ 20 milhões por ano, além de incluir sentenças mínimas de vinte anos de detenção para o tráfico de drogas que resulte em mortes por overdose. Além disso, pelo menos vinte estados têm suas próprias leis de “homicídio induzido por medicamentos”, que cada vez mais são usadas para processar traficantes de opioides, cujas vendas de drogas resultam em mortes por overdose acidental.
Para que a pena de morte fosse facilitada ainda mais para traficantes de drogas, porém, Trump teria sim de convencer o Congresso a aprovar novas leis.
Para o professor de Direito da Ohio State University, Douglas Berman, Trump poderia convencer o Congresso a aprovar uma lei baseado no caso Tison vs. Arizona, de 1987, no qual o tribunal aprovou a pena de morte com base na “indiferença irresponsável com a vida humana”. Esse padrão poderia ser aplicado a um revendedor que esteja lidando com quilos de carfentanil, que é 5 mil vezes mais potente que uma unidade de heroína e que pode matar em doses quase moleculares.
Ao lado de Trump e de sua ideia de sanções mais duras, especialistas em políticas públicas sobre drogas apontam que mandar centenas de milhares de criminosos de pequeno porte para a prisão não têm ajudado na guerra contra as drogas. O preço dessas substâncias, por exemplo, é cada vez mais acessível. “Havia 15 mil infratores da legislação antidrogas atrás das grades em 1980 e temos 500 mil hoje, mas os preços da heroína e da cocaína estão em baixa”, disse Mark Kleiman, especialista em políticas de drogas da Universidade de Nova York, também à Reuters.
Há traficantes que “estão nisso para ganhar dinheiro e não se importam se matam pessoas no processo”, e “essas pessoas devem ser encarceradas”, disse Thomas Carr, diretor da Área de Tráfico de Drogas de Alta Intensidade de Washington/Baltimore, como parte de um esforço antidrogas coordenado pela Casa Branca.
Mas outros especialistas não avaliam que aumentar as sanções penais seja o melhor caminho. “Eu não acredito que a pena de morte para os traficantes de drogas vai conseguir muita coisa”, afirmou Harold Pollack, professor de saúde pública urbana da Universidade de Chicago. Ele disse que há poucas evidências de que sentenças mais severas reduzam a disponibilidade de drogas ilícitas e pediu a Trump que trabalhe com governadores republicanos para ampliar o programa federal de saúde – o Medicaid – para que os dependentes possam ter mais acesso a cuidados médicos e aconselhamento.
Funcionários da Casa Branca declararam que o plano de Trump é mais amplo e não inclui apenas a pena de morte. Teria um enfoque nas seguintes áreas: aplicação da lei e interdição, prevenção e educação por meio de campanhas publicitárias, melhora da capacidade de financiar o tratamento pelo governo federal e ajuda aos afetados pela epidemia do vício a encontrar empregos. É ver para crer.
* Morena Abdala, analista de relações internacionais, especialista em Presidencialismo Americano pela Harvard University, professora de geopolítica e cofundadora da SophiaData.
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