Tucker Carlson durante entrevista com Vladimir Putin em Moscou| Foto: Gavriil Grigorov/Sputnik/Kremlin/EFE
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Parece que foi ontem: com uma retórica invejável, Tucker Carlson analisava os fatos do momento com uma perspectiva conservadora — de forma objetiva e sem se deixar seduzir pela teoria da conspiração mais recente.

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Mas o apresentador americano já não é o mesmo.

Nos últimos anos, Carlson vinha endossando teses, no mínimo, alternativas sobre temas que vão de discos voadores à invasão da Ucrânia, passando pela sanidade mental do rapper Kanye West (entrevistado por Carlson em 2022). Mais recentemente, Carlson passou a repetir a fórmula à exaustão: ele questiona o que chama de "narrativa oficial" sobre algo e busca fontes alternativas que digam exatamente o contrário — mesmo que essa versão não tenha fundamento.

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Em alguns temas, a perspectiva cética é bem-vinda. Mas, quando usada sem critério, a fórmula leva à propagação de teorias sem pé nem cabeça — ou coisa pior.

A nova postura de Carlson já havia gerado debates públicos com outras figuras da direita, como Ben Shapiro.

Mas a gota d’água talvez tenha representado um ponto de ruptura para Carlson, que costumava gozar de prestígio entre os diferentes ramos do meio conservador americano: em 4 de setembro, ele trouxe a seu programa um autor que trata Winston Churchill, e não Adolf Hitler, como o principal vilão da Segunda Guerra Mundial. 

Churchill como vilão da Segunda Guerra Mundial

O convidado foi Darryl Cooper, responsável por um podcast no qual enfileira absurdos que, por muito pouco, não podem ser classificados como apologia direta ao nazismo.

Carlson não apenas entrevistou Cooper. Ele o apresentou como "o melhor e mais honesto historiador popular" dos Estados Unidos. “Historiador popular” pode ser substituído por “historiador amador”.

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Dentre outras coisas, Cooper afirmou que "Churchill foi o maior vilão da Segunda Guerra Mundial".

"Ele foi o principal responsável por a guerra ter se tornado o que se tornou — algo além de uma invasão da Polônia", disse Cooper.

O entrevistado de Tucker Carlson também deu a entender que as mortes de prisioneiros tivessem ocorrido por mera falta de um planejamento adequado por parte dos nazistas. "Eles simplesmente jogaram as pessoas em campos [de concentração], e milhões de pessoas acabaram mortas", afirmou.

Durante a entrevista, Tucker Carlson culpou Churchill pela situação atual de Londres, 69 anos depois de o primeiro-ministro ter deixado o poder e 59 depois da morte dele. "Se Churchill é um herói, como é que há meninas britânicas implorando por drogas nas ruas de Londres e Londres não é mais majoritariamente inglesa?", indagou o apresentador.

Reações dentro do meio conservador

A nova amizade de Tucker Carlson não foi bem recebida dentro da direita americana.

Victor Davis Hanson, doutor pela Universidade de Stanford e provavelmente o historiador mais respeitado no meio conservador dos Estados Unidos, publicou um artigo no qual refuta algumas das afirmações feitas por Cooper durante a entrevista.

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Hanson, que tem um perfil discreto e não costuma se envolver em controvérsias, afirmou que a tese de que os aliados são os culpados pela Segunda Guerra Mundial é indefensável. "Nada poderia estar mais distante da verdade", ele escreveu, antes de prosseguir: "Hitler pode ter ficado frustrado porque a Grã-Bretanha e a França lhe declararam guerra após a invasão não provocada da Polônia em 1 de setembro de 1939. Mas ele foi avisado por alguns conselheiros de que os dois aliados seriam eventualmente forçados a ir à guerra, visto que ele havia quebrado quase todas as suas promessas pré-guerra de cessar suas aquisições territoriais em série", explicou.

Na National Review — a publicação que deu à luz o movimento conservador moderno nos Estados Unidos — Jeffrey Blehar afirmou que Cooper promove um revisionismo histórico equivalente ao do esquerdista "Projeto 1619", que foi criticado por sua tentativa de reescrever a história para sustentar a tese de que a escravidão foi a pedra fundamental dos Estados Unidos. A única diferença é que o revisionismo de Cooper tenta apelar aos leitores de direita. “Quer o significado da Segunda Guerra Mundial mereça ou não ser reexaminado, não se pode permitir que isto se torne uma desculpa para a manipulação seletiva ou enganosa de fatos bem documentados”, ele escreveu.

Em outra publicação de tendência conservadora, a Unheard, Mary Harrington fez a mesma comparação: “O revisionismo de Cooper representa um equivalente de direita do Projeto 1619: uma re-narrativização radical de um grupo de narrativas históricas politicamente carregadas, com uma relação igualmente tendenciosa com a exatidão factual".

Musk retira compartilhamento

Antes de se tornar um nome popular na direita americana, Tucker Carlson teve passagens por emissoras do outro lado do espectro político — CNN, MSNBC e PBS. Ele também participou do programa "Dançando com as Estrelas", na ABC.

Em 2009, ele foi contratado pela Fox News. Em 2016, ganhou o próprio programa no horário nobre da emissora.

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Quando saiu da Fox News, em 2023, Tucker Carlson decidiu lançar um novo programa na plataforma X. A novidade contou com a intermediação do próprio Elon Musk, dono da rede social.

No X, com total liberdade editorial, Carlson se sentiu mais à vontade para dar palco a entrevistados como Candace Owens, que — dentre outras coisas — diz ter absoluta certeza de que a primeira-dama da França na verdade é um homem.

Ele também conduziu uma entrevista morna com o líder russo Vladimir Putin e produziu uma série de reportagens em que elogia as cidades russas.

Tucker virou chacota ao se admirar com um mercado russo no qual o cliente deposita uma moeda para retirar um carrinho de compras e recebe a moeda de volta caso devolva o carrinho no lugar certo. Nos Estados Unidos, a rede de baixo Aldi utiliza o mecanismo há anos.

Na última semana, Musk chegou a compartilhar a entrevista de Tucker Carlson com Darryl Cooper. Depois, apagou a postagem. "Errei. Eu ouvi uma parte, mas não a coisa toda", ele escreveu.

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Mais tarde, ele disse que, embora Churchill tenha tomado "decisões terríveis", chamá-lo de o "principal vilão" da Segunda Guerra Mundial é "insano, considerando a concorrência por esse título".

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]