Neste final de semana, em uma nova tentativa de demonstração de força, a Coreia do Norte voltou a testar mísseis balísticos. A ameaça do país é, um dia, utilizar essas armas para transportar ogivas nucleares, podendo chegar até os Estados Unidos. Mas, como já havia ocorrido anteriormente, o teste foi um fracasso: os mísseis de Kim Jong-Un caíram no mar menos de 5 segundos após seu lançamento. Com as tensões crescendo entre as duas Coreias e os EUA prometendo uma resposta ativa caso a ditadura norte-coreana faça uso de armas nucleares, velhas perguntas voltam à tona: quanto das ameaças de Kim Jong-Un é real e quanto é blefe? O país realmente tem um arsenal atômico capaz de assustar o Ocidente? Confira abaixo.
País tem tecnologia nuclear desde os anos 50
Embora só tenha começado a representar uma ameaça concreta recentemente, após deixar de seguir o Acordo de Não-Proliferação Nuclear em 2003, o programa nuclear da Coreia do Norte já tem quase seis décadas. O país começou a se aproximar da tecnologia em 1959, após a assinatura de um acordo de cooperação com a União Soviética, e em 1962 já havia construído a planta de pesquisas científicas de Yongbyon, localizada cerca de 90 quilômetros ao norte da capital, Pyongyang. A planta de Yongbyon é utilizada até hoje para produzir material físsil – fundamental para usinas elétricas nucleares, mas também potencialmente capaz de ser utilizado em bombas, por produzir reações em cadeia.
Construída com ajuda soviética e renovada ao longo das décadas, Yongbyon continua a ser o elemento central no programa nuclear norte-coreano. Além disso, por ser a origem dos materiais utilizados em seus armamentos, a planta vem sendo utilizada como moeda de troca nas negociações com os Estados Unidos. Desde 2007, o país hoje governado por Kim Jong-Un já prometeu encerrar as operações em Yongbyon em mais de uma ocasião, sempre exigindo ajuda externa em troca, mas cada novo acordo voltou a ser deixado de lado pela Coreia do Norte, que voltou a reativar a planta após as conversas iniciais.
O arsenal atômico é real?
Devido à censura e ao isolamento que cercam as atividades norte-coreanas, as informações envolvendo o arsenal nuclear do país são repletas de mistério. No entanto, as principais agências científicas e de Inteligência que monitoram o uso de tecnologia nuclear no mundo já concordam que o país possui algum armamento do tipo em mãos. A grande questão não é se Kim Jong-Un tem armas nucleares em seu estoque, mas quantas ele possui.
A Federação de Cientistas Americanos (FAS, na sigla em inglês), considera que o país deva ter menos de dez ogivas de plutônio, estimativa que também é mantida pelo Instituto de Pesquisa da Paz Internacional de Estocolmo. Alguns especialistas, porém, acreditam que os números possam ser muito maiores. O Instituto pela Ciência e Segurança Internacional, presidido pelo americano David Albright, ex-inspetor da Agência Internacional de Energia Atômica, estimou que os coreanos poderiam ter até 48 ogivas sob seu controle ao final de 2016.
Qual o poder das armas norte-coreanas?
É importante distinguir o teste fracassado deste final de semana de um teste nuclear de verdade: o que a Coreia do Norte tentou lançar – e não conseguiu – foi um míssil balístico, que no futuro poderia ser utilizado para transportar ogivas nucleares, mas desta vez não estava carregado. Os testes balísticos norte-coreanos são muito comuns, e têm falhado com frequência: normalmente, seus mísseis acabam caindo no mar, incapazes até mesmo de chegar no Japão, a cerca de mil quilômetros de distância.
Os testes nucleares são muito mais raros: oficialmente, o país realizou apenas cinco deles até hoje. Embora sejam poucos, eles têm aumentado a frequência nos últimos anos: após testes realizados esporadicamente em 2006, 2009 e 2013, a Coreia do Norte registrou duas explosões nucleares apenas no ano passado. Mais do que isso: especula-se que um novo teste deva acontecer em breve. Analisando imagens de satélite do início deste ano, o New York Times publicou na última quarta-feira que o país prepara sua sexta explosão, mas a dimensão do teste é rodeada de dúvidas: “ninguém fora da Coreia do Norte sabe com certeza o que vai acontecer ou quão grande será a explosão”, diz o texto.
O programa norte-coreano realiza seus testes sempre no subsolo, em túneis escavados sob o Mantapsan, uma montanha de 2,2 mil metros de altitude localizada no nordeste o país. Segundo especialistas, as fotografias de satélite indicaram grande atividade nos arredores do Mantapsan, do tipo que costuma ocorrer antes de um novo teste. As explosões, que ocorrem sempre em data secreta, acabam sendo detectadas pelos Estados Unidos e pelo Japão por produzirem abalos sísmicos, que são registrados pelos mesmos equipamentos que medem as forças de terremotos.
A dimensão do tremor causado pela explosão também permite estimar o tamanho da bomba, sugerindo que o programa norte-coreano está desenvolvendo armamentos cada vez mais poderosos: a primeira explosão, em 2006, gerou um abalo equivalente a apenas 0,7 quiloton (unidade que equivale a mil toneladas de dinamite); já a bomba testada em setembro do ano passado foi estimada em até 30 quilotons – o dobro da bomba utilizada pelos EUA em Hiroshima, na Segunda Guerra Mundial.
Por que o teste falhou?
Não é a primeira vez que um míssil balístico da Coreia do Norte cai no mar. As teorias são várias: incompetência, sabotagem interna ou externa, e até mesmo um fracasso deliberado – o lançamento não seria para atacar, e sim para mandar uma mensagem. Desta vez, porém, os Estados Unidos se apressaram a divulgar uma declaração oficial sobre a falha: “o presidente e sua equipe militar estão cientes do mais recente lançamento malsucedido da Coreia do Norte. O presidente não fará comentários adicionais”, disse Jim Mattis, Secretário de Defesa de Donald Trump.
A atípica rapidez dos EUA em se manifestar a respeito do teste fracassado fortaleceu a tese de que os norte-americanos teriam exercido alguma influência sobre a falha. “Acredita-se fortemente que os Estados Unidos, através de métodos cibernéticos, foi bem sucedido em interromper os testes e fazê-los falhar”, disse o ex-secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Malcolm Rifkind, em entrevista à BBC.
Não seria a primeira vez que os norte-americanos se valem de cyber ataques para prejudicar os projetos militares de seus adversários: em 2012, o programa nuclear do Irã teve grande parte de seus dados e equipamentos danificados após seu sistema ser invadido pelo vírus Stuxnet, que teria sido desenvolvido secretamente pelos EUA em parceria com Israel.
Eles podem atacar os Estados Unidos?
A maioria dos mísseis desenvolvidos pela Coreia do Norte são de curto alcance – poderiam atingir a vizinha Coreia do Sul e, talvez, o Japão, mas são incapazes de chegar aos Estados Unidos. O governo de Kim Jong-Un, porém, afirma já ter desenvolvido dois mísseis, conhecidos como KN-14 e KN-08, capazes de atingir distâncias de até 11,5 mil quilômetros, autonomia suficiente para atingir praticamente qualquer ponto dos Estados Unidos.
Para muitos especialistas, os testes norte-coreanos não representam um poderio real, mas um blefe com o objetivo de mandar um sinal – não apenas aos Estados Unidos, mas também à China, que recentemente impôs sanções à compra de carvão norte-coreano. “Talvez eles estejam tentando mandar uma mensagem de que não são tão dependentes da China como alguns de nós poderiam pensar”, comentou o deputado republicano Mac Thornberry, Presidente do Comitê do Congresso Americano sobre as Forças Armadas.
A Coreia do Norte já usou suas ameaças nucleares no passado para obter vantagens: em 2007, por exemplo, prometeu encerrar as atividades na planta nuclear de Yongbyon em troca de combustível. Coreia do Sul, EUA, China, Japão e Rússia enviaram 50 mil toneladas de combustível, mas o então ditador Kim Jong-Il (pai de Kim Jong-Un) não cumpriu sua parte no acordo e reativou Yongbyon pouco tempo depois.
Até hoje, nem o KN-14 nem o KN-08 foram testados oficialmente, aumentando as dúvidas sobre se tudo não passa de um blefe para assustar os americanos. Para Jeffrey Lewis, diretor do Programa de Não-Proliferação para a Ásia Oriental, na Califórnia, os testes podem estar fracassando, mas é apenas questão de tempo para a Coreia do Norte desenvolver um míssil intercontinental: “não importa que seja hoje ou amanhã, ou na semana que vem, ou no ano que vem – é nesta direção que estamos indo”, disse, em entrevista ao Washington Post.
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