Quem acessou o Twitter neste domingo (26) viu uma tendência incomum: o nome do Piauí aparecia entre os quatro principais “trending topics” — assuntos mais falados na rede social — nas primeiras horas do dia. Influenciadores digitais identificados com a esquerda foram convocados para exaltar a administração do governador Wellington Dias (PT), candidato à reeleição. A ação de marketing digital foi denunciada por uma das próprias personagens chamadas para a ação. Ao longo do dia, os principais envolvidos foram sumindo com a repercussão crescente do fato.
Os elogios de tuiteiros iam da universalização do ensino técnico nos municípios piauienses até a redução expressiva nas taxas de homicídios em comparação com outros estados nordestinos. A onda tão positiva de publicações foi ridicularizada por outros usuários, que ironizavam os elogios dizendo que o Piauí era a “nova Dubai” ou uma “Suécia”. Em seguida, pediam dinheiro pela postagem.
Nas publicações em que denuncia o caso – que pode configurar crime eleitoral, segundo resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com multa de até R$ 30 mil – a jornalista influenciadora digital Paula Holanda contou ter participado do grupo de whatsapp que decidia quais seriam os temas das publicações. Além de Wellington, foram criados posts de elogios a Luiz Marinho e Gleisi Hoffman, com os quais ela disse ter concordado “sem resistência” por identificação pessoal. As postagens teriam sido pagas com valores em torno de R$ 1 mil, mas não há um valor preciso nem da remuneração pelas publicações e nem do total pela ação.
Paula alega ter sido removida no momento em que decidiu não elogiar o candidato e não prosseguir com o trabalho, que acreditava ser de esquerda porém “apartidário” e em defesa de causas progressistas, como os direitos de mulheres e negros. Ela afirma ter questionado se o objetivo dos posts era beneficiar o PT e, em seguida, foi excluída.
“O silenciamento só reforçou que essa ação fedia. Não quero defender candidatos petistas cegamente”, escreveu.
O twitter @pppholanda era público até a tarde de domingo. Com a publicação das primeiras notas na imprensa do que tem sido tratado como “Wellington Gate” ou “#Lulazord”, foi fechado apenas para seus seguidores. Uma das últimas postagens brincava: “vou sair, se não voltar já sabem o que aconteceu gashah”. O “nick” de Paula na rede social é “Votem Lula Haddad” e ela declara voto no partido depois de fazer sua denúncia.
A administradora do grupo de whatsapp que decidia as publicações é dona da agência de marketing digital LaJoy e também influenciadora digital. Para Paula, Joyce Falete confirmou que a ação seria mesmo em favor do PT, segundo os prints da conversa divulgados.
A Gazeta do Povo entrou em contato com Joyce através do site da agência, que naquele momento ainda estava no ar. “Não é surpresa pra ninguém que me acompanha que eu sempre fui de esquerda e sempre fui Lula Livre e sempre fui petista e apoio o PT”, escreveu.
Ela informou ainda que fora procurada pela empresa Be Connected nos meses de junho e julho (anteriores, portanto, ao prazo permitido) para “dar consultoria sobre quais jovens profissionais tecnológicos e digitais de esquerda estavam aptos a construir e sugerir a melhor tática (conteúdo: posts, memes e gifs)” e que sua empresa não estava envolvida.
Ela forneceu um e-mail de contato, utilizado na tentativa de falar com a empresa Be Connected. A mensagem voltou, o que indica que o domínio “beconnected.com.br” havia sido retirado do ar. Após ser procurada pela reportagem, o site da agência LaJoy também saiu do ar. Joyce não voltou a responder e-mails, nos quais era questionada sobre os valores envolvidos na consultoria e a origem destes recursos.
Irregularidades
Segundo a advogada para assuntos digitais Flavia Penido, as postagens deveriam ser identificadas como de publicidade pelos comunicadores. Ela cita o artigo 242 do Código Eleitoral e Resolução do TSE para defender esta obrigação e afirma que houve uma “fraude” ao dissimular as publicações como postagens espontâneas. “Eleição é um tema sensível. A partir do momento em que temos textos pagos (portanto, prestação de serviços remunerada) fraudulentamente disfarçada de ‘publicações espontâneas’, temos uma clara manipulação do fórum de debates que é a internet”, escreveu em sua conta no Facebook.
A onda de elogios ao governador Wellington Dias, candidato à reeleição, surgiu após o término de uma greve de 77 dias na rede estadual de ensino na sexta-feira (24).
A paralisação, que chegou a comprometer o ano letivo, exigia o cumprimento de um reajuste de 6,81% para os professores e 3,95% para os funcionários, determinado pela Justiça e vetado pelo governador, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte).
Em nota, o governo do Piauí afirmou que as publicações no Twitter foram “espontâneas” e negou envolvimento da campanha na onda de postagens. A reportagem procurou o vice-presidente e Adjunto da Secretaria Nacional de Comunicação do PT, Alberto Cantalice. Ele disse que estava em viagem e não tinha conhecimento do ocorrido.
Procurada pela Folha de S. Paulo, Gleisi não se manifestou. Marinho afirmou, via assessoria: “Não conheço essa agência. Aliás, nem sei o que seja um ‘influencer’”.
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