Nos últimos dias de 2022 o Twitter foi palco de um escândalo que vem abalando o meio político americano: arquivos e emails internos até então guardados a sete chaves foram disponibilizados pelo novo proprietário e CEO do Twitter, Elon Musk, revelando que antigos funcionários da rede social se aproveitaram da estrutura da empresa para perseguir desafetos políticos, como o próprio presidente do país, Donald Trump, que foi banido permanentemente da plataforma após perder as eleições presidenciais dos Estados Unidos, em 2020. Segundo o Twitter, a justificativa para tal decisão seriam supostas incitações à violência feitas por Trump que poderiam causar outros ataques como o do Capitólio, de janeiro de 2021.
Entre as ações internas da rede social, divulgadas por jornalistas investigativos independentes diretamente no Twitter em forma de série, estão a criação de listas negras a partir de solicitações de políticos, impulsionamento de artigos na plataforma aos quais fossem favoráveis, restrição de acesso a contas de usuários e restrição de tweets – como o ocorrido na “controvérsia do laptop de Hunter Biden”, também durante as eleições de 2020. Na ocasião, a rede social censurou uma reportagem do jornal americano New York Post, derrubando os seus perfis e impedindo usuários de comentar o assunto, que acusava Hunter Biden, o filho mais velho de Joe Biden, então candidato à Presidência, de corrupção em negócios no exterior. Segundo as mais recentes revelações do Twitter Files, o Federal Bureau of Investigation (FBI) e agências de inteligência teriam interagido com o Twitter para moderar a cobertura do episódio do laptop de Hunter Biden.
Com as diversas revelações feitas pelo Twitter, os olhos agora se voltam às outras redes sociais, como Facebook (atual Meta) e Google, já se começa a especular sobre a possibilidade de se descobrir se elas também perseguiram conservadores. Entretanto, como chegar às mesmas conclusões do Twitter Files sem whistleblowers ou o dono da empresa abrindo o processo interno, como no caso do Twitter? Embora seja mais difícil, especialistas acreditam que sim, podemos encontrar diversas pistas sobre a perseguição política por meio do padrão de censura das big techs.
O viés das redes sociais
Um dos poucos casos em que informações internas vieram à tona ocorreu no final de agosto (25) quando o fundador e CEO da Meta, Mark Zuckerberg, durante uma participação no podcast The Joe Rogan Experience, do comediante americano Joe Rogan, confessou que o Facebook deletou informações sobre o laptop de Hunter Biden após o FBI solicitar uma reunião com a sua equipe e fornecer "avisos terríveis" de um suposto “despejo de fake news russa” sobre as votações.
Segundo Zuckerberg, a declaração do FBI seria uma mentira e uma desculpa para forçar o Facebook a censurar a notícia sobre o laptop. Ainda durante o podcast, Zuckerberg admitiu estar orgulhoso de ter feito apenas uma limitação do conteúdo no Facebook, em vez de promover uma censura total como fez o Twitter, mas não revelou o tamanho da censura imposta pela rede social, apenas afirmou que "menos pessoas viram”.
Observando-se a gigantesca influência da Meta nos Estados Unidos – segundo dados de 2021 do laboratório americano Pew Research Center, (23%) dos adultos americanos afirmava usar o Twitter, Facebook (69%) e Instagram (40%); YouTube aparecia isolado na primeira posição (81%) —, é provável que esse "menos pessoas" corresponda a vários milhões de usuários, algo que, definitivamente, pode ter alterado o rumo das eleições em desfavor do republicano Donald Trump.
Aliado a isso, em setembro de 2021 o The Wall Street Journal divulgou que o Facebook possui uma lista secreta de usuários VIP que possuem privilégios e não precisam seguir as mesmas regras que o resto das contas. Assim, a rede social ofereceria proteção plena a estes usuários VIP, escolhidos a dedo por funcionários do Facebook, enquanto realiza suspensões arbitrárias a perfis que expressam opiniões que desagradam os administradores da plataforma.
Embora Zuckerberg afirme que a sua empresa atue de forma imparcial, os funcionários do Facebook são em sua maioria de esquerda. E isto foi confessado pelo próprio Zuckerberg, em abril de 2018 em uma audiência no Senado americano, ao ser questionado pelo senador republicano Ted Cruz, sobre o padrão de viés político na rede social, ocasião em que disse que isso se devia ao fato de a empresa estar localizada no Vale do Silício, que, segundo ele, é um “lugar extremamente esquerdista”. Entretanto, Zuckerberg garantiu que trabalhava para erradicar isto na companhia.
Mas, durante as eleições de 2020, o viés da companhia ficou novamente em evidência: funcionários do Facebook doaram US$ 7,8 milhões para partidos políticos; destes, 91,6% foram para o Partido Democrata, enquanto apenas 8,4% para o Republicano, segundo a organização OpenSecrets. Já os funcionários do Twitter foram quase unânimes: fizeram 99% de suas doações políticas online para democratas, de acordo com relatório da Comissão Eleitoral Federal americana. E ainda, segundo a revista Wired, quase 95% das doações de empregados de big techs do Vale do Silício — somadas Alphabet (dona do Google e do Youtube), Amazon, Apple, Facebook, Microsoft, e Oracle — foram para o democrata Joe Biden nas últimas eleições. Biden abocanhou cerca de US$ 4,8 milhões, enquanto Trump recebeu US$ 240 mil.
O viés esquerdista do Google foi desmascarado ainda 2017, após a publicação do memorando de James Damore, então engenheiro da empresa, que questionava os “programas de diversidade” da empresa. Embora Damore seja frequentemente classificado na mídia como sexista e contra a igualdade de gêneros, após o vazamento do memorando interno, a ideia central do texto – que ele afirma ter sido estimulado pela própria solicitação de feedback da empresa – era a de que as pessoas geralmente têm boas intenções, mas podem ter preconceitos inconscientes, e um ambiente com perspectivas diferentes ajuda a identificar e compreender esses preconceitos.
Segundo Damore, por ter um viés ideológico mais à esquerda, o Google valoriza quem compartilha as mesmas crenças políticas e ideológicas, criando um ambiente de trabalho conformista e suprimindo a diversidade de opiniões. Como reação, o engenheiro foi sumariamente demitido da empresa. O caso culminou em abertura de processo por parte do ex-funcionário alegando discriminação e retaliação em ambiente de trabalho. No entanto, em 2020, as partes entraram em um acordo e o processo foi retirado sem a divulgação de detalhes.
Segundo o repórter investigativo Peter J. Hasson, autor do livro 'The Manipulators' (Os Manipulares, sem edição no Brasil), as big techs entraram em uma guerra contra os conservadores, tornando-se executoras de uma conformidade intelectual: promovendo ideias esquerdistas, punindo a dissidência e ditando opiniões politicamente corretas. Entre as revelações do livro, está a "resistência anti-Trump” realizada por funcionários do Google dentro da empresa, a criação de privilégios especiais para páginas esquerdistas no Facebook e conspirações entre funcionários das empresas de tecnologia e ativistas de esquerda para definir quem deve ser censurado online.
As revelações são reforçadas pelo advogado Alan Dershowitz, autor best-seller do The New York Times e um dos mais respeitados juristas da América. No livro 'The case against the new censorship' (O caso contra a nova censura, sem edição no Brasil), Dershowitz analisa os diversos aspectos da atual luta contra a liberdade de expressão, desde os cancelamentos praticados por progressistas, até o controle poderoso, e aparentemente arbitrário, exercido pelas big techs e empresas de mídia social. Segundo ele, as liberdades básicas foram minadas por fanáticos antiTrump que armaram, distorceram e enfraqueceram as proteções constitucionais para "pegar" Trump por qualquer meio.
Censura no Brasil
No Brasil, a censura nas redes sociais se tornou rotineira, principalmente nas últimas eleições com o endurecimento de ações judiciais por parte do TSE, que determinou a retirada do ar de diversos perfis – majoritariamente de personalidades e políticos de direita – mas vários atos de censura também foram realizados por iniciativa das redes sociais. Na maioria dos casos, a censura ocorreu de forma unilateral e sem maiores explicações aos usuários.
Para o jornalista e colunista da Gazeta do Povo Leonardo Coutinho, que se retirou do Twitter após receber um selo de conteúdo ofensivo em suas publicações, chamar tudo de censura banaliza a censura. Segundo Coutinho, o que houve com ele e com diversas outras pessoas foi o resultado de uma má conduta interna do Twitter: pessoas contratadas para fazer o trabalho, mas que atuam com parcialidade ou ativismo mesmo. Censura, na sua forma clássica, seria um caso extremo, antes existiriam outros estágios, como a deslegitimação, a criação de “selos de fake”.
Esta opinião é compartilhada por Leandro Souza, coordenador do projeto Censurapédia, que visa contabilizar todos os casos de censura ocorridos no Brasil nos últimos quatro anos, que explica que existem diversos tipos e nuances de censura. De acordo com ele, existem os casos em que há apenas uma censura de termos ou expressões; depois há casos em que há a desmonetização do perfil ou canal; e há também o shadowban, situação em que o alcance do conteúdo é limitado como punição, sem que o produtor do conteúdo seja notificado. Embora o Twitter tenha afirmado que não executa esta prática, agora com o Twitter Files já há indícios de que isso não era verdade; e, por fim, há o bloqueio total ou parcial do perfil ou canal, impedindo que os seguidores, ou mesmo os proprietários, acessem o conteúdo.
Ele explica que o funcionamento interno das redes sociais é uma grande “caixa preta”, em que o algoritmo determina o que é relevante para o usuário e ninguém sabe quais são as regras para esta decisão. No caso de censura de termos ele salienta que ela é feita, em parte, com base neste algoritmo, que nada mais é que uma regra lógica e/ou uma expressão matemática, assim este por si só não possui viés político, mas sim quem o programa. É o caso do antropólogo Luiz Mott, presidente do Grupo Gay da Bahia, homossexual assumido e militante da causa gay, que reclama que o Facebook censura a utilização do termo “viado” sob qualquer contexto.
Sobre desmonetização, Souza cita como exemplo o caso do influenciador Bruno Aiub, o Monark, ex-apresentador do Flow Podcast, que foi penalizado pelo YouTube num episódio em que ele fez comentários considerados por alguns como apologia ao nazismo, durante um programa em seu canal, em fevereiro deste ano. Mesmo após o anúncio do desligamento de Monark do podcast, o canal, que na ocasião tinha cerca de 3,7 milhões de seguidores, continuou desmonetizado e em shadowban. Além disso, outros seis canais vinculados ao negócio, mas não relacionados ao caso, sofreram as mesmas punições.
Há também o caso do comentarista Roberto Motta, escritor do livro “A construção da maldade” (2022, Avis Rara, 224 págs.), que este mês teve seu canal no YouTube com cerca de 270 mil seguidores desmonetizado sem explicação. Em sua coluna na revista Oeste, Motta narrou as tentativas de contato com a empresa, que se recusou a dar explicações sobre o motivo da desmonetização e ainda reafirmava que era responsabilidade do usuário ler os “livros de regras” para encontrar o motivo que justificasse sua punição. Motta conta que esta atitude lembra as palavras de Lavrenti Beria, um implacável chefe da polícia secreta de Joseph Stalin na União Soviética e na Europa Oriental, que teria dito a frase: “Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei o crime”.
Sobre o bloqueio realizado pelas redes sociais há que se destacar a suspensão determinada pelo YouTube ao canal oficial da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) após o deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) exibir trechos do documentário "Lockdown, uma história de desinformação e poder" durante uma audiência pública, em junho (27). Segundo a rede social, o bloqueio, que teve o prazo de sete dias, se deu por causa de supostas informações médicas incorretas sobre a Covid divulgadas durante o vídeo. Lançado em 2021, o documentário do cineasta Ian Maldonado seria publicado na íntegra no YouTube, mas foi apagado pela plataforma antes mesmo da estreia alegando que continha “informações médicas incorretas". Para Maldonado, este bloqueio provaria que os algoritmos estão programados para apagar vídeos automaticamente apenas com base em palavras-chave, sem qualquer checagem de conteúdo.
Conluio entre Estado e empresas privadas
“O maior problema da censura nas redes sociais é que antes mesmo de discutir soluções, nós não conseguimos nem fazer o diagnóstico correto da doença”, afirma Gustavo Maultasch, diplomata e bacharel em direito pela UERJ, autor do livro Contra toda Censura (2022, Avis Rara, 224 págs.), que desmonta o argumento de que, considerando que as redes são geridas por empresas privadas, estas poderiam fazer o que bem entendem dentro de sua plataforma, restando aos usuários aceitarem ou não os termos de adesão, e assim a censura não existiria. Ele explica que até concordaria com essa visão se as decisões fossem puramente das empresas. No entanto, afirma, já há muito tempo ocorrem interações e pressões (ainda que de baixa voltagem) entre poder público e essas empresas.
“Ou seja, não se trata mais de uma entidade privada tomando decisões de maneira privada. A ação do Estado já contaminou o que se poderia chamar de uma decisão puramente privada; e, se há ação do Estado com vistas a um silenciamento, é censura. Se nós conseguirmos fazer com que a sociedade brasileira entenda o problema — a volta da censura —, já teremos avançado bastante”, afirma o escritor.
De acordo com ele, não apenas as big techs que comandam as redes sociais, mas diversas outras empresas e instituições são hoje dominadas pela hegemonia progressista. Segundo ele, as ideias vistas hoje como “neutras”, “naturais” ou como mero “senso comum” são ligadas à esquerda progressista. Esta hegemonia teria o poder de ditar não apenas aquilo que pode ser enunciado, como também aquilo que pode ser criticado e os erros que podem ser cometidos.
Assim, diz Maultasch, se alguém critica um consenso científico que é parte dessa hegemonia (como o consenso sobre as vacinas ou catastrofismo climático), essa pessoa é acusada de “negacionista” e pode ser bloqueada, perseguida e cancelada. Mas se um progressista diz uma coisa completamente absurda como “homens e mulheres não têm diferenças biológicas”, aí não há problema algum, porque o seu “negacionismo” é autorizado por esse poder da hegemonia disperso na sociedade, que legitima tudo que venha do progressismo.
“Note que não se trata de uma conspiração; na verdade, a conspiração é desnecessária, porque esses andróides rodando o último software da hegemonia realmente acreditam que um lado promove o ódio enquanto o outro promove o amor. É algo natural, emergente, inconsciente, e por isso até mais perigoso e difícil de combater”, afirma.
Para Maultasch, hoje vivemos quase em uma “sociedade de castas”, em que quem é de esquerda tem mais liberdade de expressão do que quem é direita; há um claro padrão duplo de julgamento. Ele acredita que isto é muito perigoso e venenoso, inclusive para a democracia, porque pode levar muitos a pensarem que o jogo democrático não tem espaço para todos. E, mais grave, no longo prazo, isto contribui para minar a legitimidade da democracia. “Quem realmente se preocupa com a democracia precisa lutar para restabelecer a isonomia e a liberdade de expressão no debate público brasileiro”, diz.
Ainda segundo Maultasch, todos concordam que discurso de ódio (racismo, antissemitismo, homofobia) é um mal, mas qual seria a melhor forma de combater isso, tomando o devido cuidado com os riscos de tirania? Segundo ele, a proibição do discurso de ódio é uma solução pior do que o problema original que se visa a resolver, porque concentra poder demais nas mãos do Estado, que agora pode controlar o que podemos ouvir e dizer. E a partir daí, quem adjudica? Quem vai definir o que é “ódio”?
“É evidente que esse poder, como qualquer outro, será abusado, e que a definição do que configura ‘discurso de ódio’ será utilizada politicamente para perseguir e calar adversários. A crítica do adversário sempre será ‘ódio’, enquanto o ódio ao adversário sempre será mera crítica. A maneira mais segura e mais democrática de se combater o discurso de ódio é por meio de mais discursos, por meio da exposição da vileza dessas ideias, e não por meio da concentração de ainda mais poder no Estado”, conclui.
Para o escritor e analista político Flavio Morgenstern, a luta contra a desinformação e o “discurso de ódio" são as desculpas mais disseminadas entre os intelectuais a favor da censura nas redes sociais. Segundo ele, a censura recebe nomes lindos, como "combate às fake news", possui até fã clube, e dizem que só existe democracia com censura, a mais pesada, inclusive de conversas privadas.
“Chame censura de ‘combate às fake news’ e voilà. Imagine se a ditadura militar tivesse usado essa combinação de palavras. Imagine os nazistas dizendo que combatiam a ‘desinformação’ - aliás, eles diziam quase isso. Ou que a censura e perseguição à esquerda é combater ‘o discurso de ódio’. Que fazer censura prévia, desmonetizar e fechar sites e jornais de esquerda é combater a ‘segunda geração’ de fake news. Você consegue defender até Hitler com esse vocabulário doente”, afirma.
Morgenstern explica que expressões como "discurso de ódio" surgem de ideólogos esquerdistas e, depois que são colocadas em circulação por celebridades, políticos, academia e meios de comunicação, aí sim é que o definem em termos que signifiquem "tudo o que a direita pensa". Teria sido assim com "patriarcado", com a homofobia, com o próprio conceito de fake news, que segundo ele nunca tinha sido utilizado antes da eleição de Trump.
“Eu consigo mostrar os erros do nazismo em dois minutos com liberdade de expressão para os dois lados. Já chamar o que a direita pensa de ‘discurso de ódio’ é só desculpa de totalitários modernistas para censurar. Quem não quer ouvir palavras duras, tranque-se em casa, não tenha internet e não se informe. Principalmente, não vá ler Dostoiévski, Nietzsche, Hemingway, Valéry. Deixe essa discussão da vida adulta longe de sua hipersensibilidade.“
“Liberdade de expressão é ouvir um monte de coisas ofensivas, ruins, blasfemas, perigosas, mal educadas. Quem não sabe viver nesse mundo deve ser colocado com uma chupeta na boca num berçário. A vida adulta não é para eles”, afirma o escritor.
Segundo Morgenstern, além dos critérios para a censura serem ausentes, faltam nomes a serem responsabilizados. Para ele, é urgente que vários países passem a tratar legalmente essas redes sociais como curadoras de conteúdo, e que exijam critérios claros, além dos nomes dos censores. Além disso, se as leis do Brasil já são nebulosas em casos como os de injúria ou difamação, que dirá "os termos da comunidade". Desta forma, as redes podem prejudicar um jornal, partido, candidato — mesmo uma informação sobre uma questão teórica, científica ou conceitual ainda em aberto — e não há como processá-los.
Ele acrescenta a questão dos anúncios pagos na plataforma, que fazem com que os usuários tenham uma relação comercial com a rede social, mas em caso de banimento ou suspensão acaba sendo punida em seus negócios, afetando não só a liberdade de expressão, mas o devido processo legal e até leis comerciais.
Morgenstern também foi vítima de censura: recebeu shadowban em suas redes, tendo o seu envio reduzido aos seguidores. Mas as ações também vieram por parte do Congresso, principalmente no Senado, que pediu a quebra de sigilo total de seu site, fotos de contato, todas as mensagens privadas e todos os e-mails, todos os aplicativos, todas as geolocalizações, histórico de busca no Google e até mesmo o histórico de informações médicas. Segundo ele, tudo foi tratado com normalidade pela mídia. Por isso, Morgenstern diz ter admitido o totalitarismo e decidido não falar mais de política em seu site.
Imprensa censurada
E nem mesmo a imprensa está sendo perdoada, sejam veículos lançados nos últimos anos, como a revista Oeste, que foi proibida pelo YouTube de publicar vídeos por sete dias, e o jornal Brasil Sem Medo; que teve seu canal no YouTube desmonetizado e posteriormente removido — em ambos os casos os veículos receberam punições a poucos dias do segundo turno das eleições deste ano e não receberam justificativas claras sobre a censura do YouTube; ou veículos tradicionais, como a Gazeta do Povo, que teve conteúdo com entrevistas apagado pelo YouTube, e a Rede Jovem Pan, que teve todos os seus canais no YouTube desmonetizados.
Em outubro (13), o senador Eduardo Girão (Pode-CE) ficou impedido de publicar vídeos no YouTube por sete dias após divulgar na plataforma uma entrevista que concedeu ao programa Direto ao Ponto, da Jovem Pan News, defendendo os médicos que foram desrespeitados na CPI da Covid e fazia críticas ao PT. Na semana seguinte foi a vez do jornalista Fernando Beteti, que, após ter vídeos removidos de seu canal no YouTube, à época com cerca de 450 mil inscritos, recorreu à justiça para reaver as entrevistas apagadas e continuar publicando. Conseguiu uma decisão liminar, mas no resultado do julgamento o juiz deu ganho de causa ao YouTube e ainda tentou pautar o jornalista, indicando quem ele pode ou não entrevistar para se adequar às regras da plataforma.
Embora a ampla maioria dos bloqueios tenha atingido veículos que se encontram à direita do espectro político, alguns veículos de esquerda também tiveram seus conteúdos retirados ou desmonetizados no YouTube. É o caso do documentário “Bolsonaro e Adélio: Uma fakeada no coração do Brasil”, do site Brasil 247, que alimenta teorias da conspiração de que era falsa a facada que Jair Bolsonaro (PL) recebeu em 2018, e o documentário “Xadrez da ultradireita mundial à ameaça eleitoral”, do Jornal GGN, que teve o conteúdo limitado por idade e desmonetizado.
Entretanto, ao contrário dos demais veículos de imprensa citados anteriormente, estes alinhados à esquerda receberam amplo apoio de organizações como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), os sindicatos dos jornalistas do município do Rio e do estado de São Paulo, o Instituto Vladimir Herzog e outras 12 entidades da sociedade civil que assinaram um abaixo-assinado “contra a censura do YouTube; em defesa da Liberdade de Expressão”.
Disputa judicial
O debate sobre a questão legal em torno da censura nas redes sociais, como a remoção arbitrária de conteúdos e a desmonetização de canais, foi alvo de uma Medida Provisória do governo de Jair Bolsonaro, enviada ao Congresso Nacional, em setembro de 2021, que tentava impedir que as próprias empresas censurem cidadãos comuns e à imprensa, ou prejudiquem seus meios de viabilidade econômica, sob a justificativa genérica de combate à desinformação, sem mediação judicial. A proposta, que alterava o Marco Civil da Internet, foi suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal e acabou não sendo aprovada pelo Congresso. Após a rejeição da proposta, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei similar para apreciação.
De acordo com o Marco Civil da Internet, sancionado em 2014 pela presidente Dilma Rousseff (PT), os conteúdos só podem ser retirados da internet após decisão judicial, e não mais por solicitações extralegais ou decisão unilateral dos provedores de conexão à internet e as redes sociais. Para viabilizar esta medida, as empresas não são responsabilizadas civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, sendo apenas responsável em caso de descumprimento de ordem judicial.
No entanto, conforme explica a advogada e doutora em Direito das Relações Sociais, Thaís Pascoaloto Venturi, em entrevista à Gazeta do Povo, as big techs têm excluído conteúdos e contas usando seus próprios critérios. Ao fazerem isto, estariam atuando como produtoras de conteúdo, mas a atual legislação ainda não reconhece essa condição e suas as responsabilidades correspondentes.
“É óbvio que essa conduta pode ser perigosa. Elas [as big techs] justificam isso falando em conteúdos ofensivos, condutas que consideram inadequadas, mas é claro que por trás disso há ideologia e interesses privados”, afirma Thaís.
Segundo Paulo Roberto Binicheski, doutor em Direito pela UFF; mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa; professor de Direito do Consumidor e promotor de Justiça de Defesa do Consumidor do MP-DF, em artigo para o portal Consultor Jurídico, de junho de 2021, o princípio da liberdade de expressão é encontrado já no artigo segundo do Marco Civil, com a proposta de evitar atos de censura e garantir uma internet livre. Para o jurista, isto torna imperioso que as empresas sejam claras, com regras objetivas e transparentes, de quais são os termos de uso de suas plataformas. Além disso, as empresas ouçam os responsáveis pelos conteúdos, garantindo-lhes a plena defesa.
Segundo o advogado criminalista Mizael Izidoro Bello, que atua em diversos casos de censura em redes sociais, no Brasil, embora a constituição e as leis — em especial o Código de Defesa do Consumidor — devessem garantir a liberdade de expressão nas redes sociais, a realidade é outra. De acordo com o advogado, o Twitter Brasil costuma ignorar pedidos de análises de suspensões ou banimentos e, até mesmo, notificações extrajudiciais. Assim, na maioria dos casos, não resta alternativa senão a via judicial.
Ele destaca que o Twitter, sendo empresa privada, não possui poder de polícia e, não só deve respeitar os direitos constitucionais, mas, também, os direitos do consumidor. Ele explica que a jurisprudência é firme ao entender que as relações entre usuários e redes sociais são relações de consumo, fazendo com que estas empresas devem respeitar o Código de Defesa do Consumidor. Mas, segundo Bello, as empresas continuam atuando de maneira indevida, ele especula que isto talvez ocorra pelo baixo número de pessoas que buscam a justiça em tais situações.
Ele explica que os “termos de serviço” não são superiores às leis, muito menos à Constituição Federal, assim a suspensão ou bloqueios indevidos de perfis é um ato abusivo por parte da empresa responsável, da mesma forma que uma suspensão indevida no fornecimento de luz elétrica. Bello afirma também que o usuário de rede social, como qualquer outro consumidor, não pode ter o serviço interrompido sem expressa previsão legal.
Ainda segundo o advogado, a censura nas redes sociais, com destaque ao Twitter, embora possa ocorrer com qualquer usuário, aparenta focar em restringir o alcance de ideias conservadoras, criando um foco artificial em discursos de espectro esquerdista. Mas ele acredita que com as mudanças já efetuadas por Elon Musk no Twitter a equidade entre pessoas de diversas ideologias deva começar a surgir, ao menos nesta plataforma.
“Em um dos casos que atuei, uma pessoa notória, influenciadora com discursos esquerdistas, confirmou ter acesso a pessoas que trabalham no Twitter Brasil, e teria pedido, diretamente, favores na rede social, como bloqueio de contas de outros usuários. Não sei dizer ao certo o motivo para isto ocorrer, mas não parece ser algo limitado ao Brasil. A mordaça imposta pelas redes sociais abrange diversos países e parece seguir interesses supranacionais”, afirma.
Segundo o advogado Paulo Faria, presidente da Associação Brasileira de Defesa dos Usuários da Internet (ABDU), a censura tem atingido exclusivamente um lado do Brasil: aqueles que pensam diferente do progressismo. Para ele, isto ocorre “em razão da cisão ideológica estabelecida no Brasil entre direita e esquerda, extremos que são prejudiciais a toda a comunidade das redes. A liberdade deve ser plena para ambos os lados”. Ele lamenta que as redes sociais, após parcerias com agências de checagem de fatos, todas com viés progressista, intensificaram essas censuras, pois elas é que ditam o que é ou não verdade, o que na opinião dele é absolutamente reprovável.
Segundo Faria, concebida por advogados que defendem a liberdade de expressão — cláusula pétrea da Constituição que o advogado crê estar sendo relativizada — a ABDU considera qualquer espécie de censura inadmissível. Assim, a entidade terá como objetivo principal neste ano a liberdade de expressão na internet e já planeja diversas ações, inclusive no Supremo Tribunal Federal.
Embora o horizonte pareça ser desanimador, já existem algumas vitórias contra as arbitrariedades das big techs. Em julho de 2021, o Google foi condenado a pagar meio milhão de reais por censurar um vídeo publicado por um médico no YouTube. O médico Marcos Falcão, de Maceió, teria desrespeitado as regras que impõem a divulgação somente das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) ou das autoridades locais relacionadas à Covid-19.
No entanto, no vídeo em questão o médico apenas leu a bula de uma das vacinas contra a Covid-19 e um estudo científico, sem dar opiniões. O Google não recorreu da decisão judicial, mas também não atendeu à determinação do juiz. Falcão conta que é constantemente censurado pelas redes sociais, tendo seu perfil no Instagram com mais de 60 mil seguidores deletado.
Em entrevista à Cristina Graeml, colunista da Gazeta do Povo, o advogado especialista em direito digital Emerson Grigollette, que possui entre seus clientes mais de 120 vítimas de censura, contou que nos casos em que a decisão de censurar é das próprias empresas de tecnologia, a justiça de 1ª e 2ª instância tem dado ganho de causa às vítimas da censura. Segundo ele, as plataformas têm sido condenadas não só a devolver a liberdade de expressão dos usuários, mas também pagar indenizações pelos prejuízos causados.
O que dizem as redes sociais
Até o momento desta publicação, Google e Meta não responderam aos pedidos de entrevista da reportagem para se manifestar sobre as acusações.
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