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Os Twitter Files, uma série de revelações sobre os bastidores da rede social por documentos internos de antes de Elon Musk comprá-la, chegou à 16ª publicação. O jornalista Matt Taibbi, um dos escolhidos para ter acesso aos documentos, revelou no último dia 18 que figuras importantes da política americana pediram censura a seus adversários e críticos. A mais importante é o senador Angus King, do estado de Maine, cuja campanha de reeleição em 2018 teria elaborado uma longa planilha pedindo ao Twitter e ao Facebook a censura de mais de 300 contas.
King foi eleito senador pela primeira vez em 2012 como um candidato independente, ou seja, sem partido. Ele também foi governador de Maine por dois mandatos, entre 1995 e 2003, quando também se declarava independente. Antes disso, contudo, ele havia sido filiado ao Partido Democrata. Desde seu governo, ele ficou conhecido por posições ambientalistas e a favor de reformas educacionais, mas também a favor de pequenos empresários, ele próprio tendo atuado no mercado da energia. Como senador, apesar da independência, ele faz parte do bloco dos democratas.
Muitas das contas denunciadas pela planilha são de apoiadores do rival Eric Brakey na campanha de 2018, um republicano. A planilha classifica muitas contas como “robôs”, algumas como “trolls”, “possivelmente russo”, “QAnon” (teoria da conspiração que alega que a elite é formada por pedófilos que bebem sangue de crianças para prolongar sua vida), outras simplesmente como “estranhas”. Entre os motivos para denúncia estão “seguido por Brakey”, “publicações anti-King com alcance fora do comum”, “retuitou/curtiu Brakey”, “retuitou Kavanaugh” (juiz da Suprema Corte nomeado por Trump), “empolgado com a visita do Rand Paul” (senador libertário), “menciona imigração”, entre outros. Taibbi comparou a planilha a uma “lista de inimigos” do governo do ex-presidente Richard Nixon de 1971, mas piorada: “se Nixon cheirasse cola, esta seria a aparência de sua lista de inimigos”, alfinetou o jornalista.
A rádio pública do Maine, em seu site, noticiou que o gabinete do senador está tratando a publicação da planilha de 2018 “como um exemplo do uso de informações por Musk e Taibbi para validar a narrativa de censura contra conservadores”. Matthew Felling, porta-voz de King, disse à publicação que a planilha foi mandada ao Twitter a convite dos funcionários da rede social que cuidavam de conteúdo.
“No meu entender, a equipe da campanha de 2018 do senador King identificou um vídeo adulterado e enganoso que havia sido postado no Twitter e estava sendo compartilhado amplamente”, explicou Felling. “Eles denunciaram para que o Twitter fizesse uma revisão interna, do mesmo modo que anúncios de campanha falsos são denunciados para escrutínio quando veiculados na TV”. O porta-voz acrescentou que a denúncia não era necessariamente para o propósito de banir as contas.
Brakey, um apoiador do libertário republicano Ron Paul (pai de Rand Paul), hoje em um segundo mandato como senador estadual de Maine, derrotado para o Senado federal em 2018 por King, considerou que a planilha é uma prova de que seu rival “compilou listas negras de dissidentes para censura”, uma tática “de chefes da máfia, não de servidores públicos”. Em nota, ele disse que “se ainda vivêssemos em uma sociedade que valorizasse os Direitos dos Cidadãos, Angus King estaria envergonhado demais para tentar a reeleição depois dessas revelações de brutalidade política”.
Outras revelações
Em nome do equilíbrio partidário, Matt Taibbi também revelou pedidos de censura feitos por Mark R. Lenzi, um republicano que atuou como diplomata na China. Lenzi é conhecido por alegar ter adquirido sintomas estranhos enquanto trabalhava no país comunista, o que Taibbi compara à doença psicossomática misteriosa “síndrome de Havana”. Em 2021, ele abriu processo judicial contra o Departamento de Estado e o Secretário de Estado Antony Blinken por discriminação de deficiente, por supostamente minimizarem a síndrome.
Em e-mail de abril de 2020 para uma funcionária do Twitter, Lenzi listou 14 contas do Twitter que “você vai querer olhar e deletar” por supostamente serem controladas pelo governo russo. Ele se apresenta como “republicano a vida toda” e diz que isso seria “algo raro” no Departamento de Estado. Taibbi diz que conhece algumas das pessoas por trás das contas e que não têm nada de russas.
Quando a Câmara dos Deputados americana, agora sob controle de republicanos por pequena margem, realizou no mês passado uma audiência pública sobre o Twitter e a censura nas redes sociais, um depoente revelou que o ex-presidente Donald Trump pediu pela censura de um tweet da modelo e apresentadora de TV Chrissy Teigen contendo insultos contra ele.
Taibbi acha que a cobertura dessa notícia foi desproporcional, especialmente depois que “a imprensa” ignorou boa parte das revelações importantes dos Twitter Files: “milhares de pedidos de moderação de todo canto do governo, agentes federais confundindo tanto os [cidadãos] conservadores quanto os esquerdistas com russos fictícios, até o Twitter decidindo ceder autoridade de moderação à ‘comunidade de inteligência dos EUA’”, resume o jornalista. “Essas e ao menos uma dúzia de outras revelações dignas de notícia produziram exatamente zero cobertura do mainstream nos últimos dois meses”.
Outra revelação destacada pelo repórter foi um e-mail de novembro de 2020 do deputado democrata Adam Schiff para o Twitter, motivado por um suposto assédio contra seu assessor Sean Misko. “Removam todo e qualquer conteúdo sobre o sr. Misko (...) de seu serviço — inclusive citações, retweets e reações ao conteúdo”. O e-mail também pedia a suspensão de duas contas, inclusive a de um repórter. Ao menos dessa vez, uma resposta de um funcionário do Twitter, apesar de dizer que considerava que uma das contas (sem dizer qual) merecia a suspensão, negou o pedido de censura generalizada: “não, isso não é factível, não fazemos isso”, disse o funcionário, em resposta ao pedido de tratamento especial para o assessor.