Relatório do Banco Mundial encomendado ainda pelo ex-ministro Joaquim Levy mostra como o Brasil pode fazer o ajuste fiscal sem aumento de impostos.| Foto: Pixabay

Desde 2014 o governo federal fecha as contas no vermelho. Em 2018, o rombo foi de R$ 120 bilhões. Com 93% de despesas obrigatórias, o orçamento federal está engessado. Por causa do aumento da despesa previdenciária, outras áreas recebem cada vez menos recursos.  O dinheiro acabou e o governo não pode mais gastar.

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O ajuste fiscal só pode ser feito com aumento de impostos ou corte nas despesas. A primeira opção se mostra inviável. Primeiro porque a economia brasileira passa por dificuldades para se recuperar e aumentar a carga tributária retardará ainda mais a recuperação. Depois porque, de acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o Congresso não aprovará aumento de impostos.

Resta a opção do ajuste fiscal por meio de cortes nas despesas. Pensando nessa possibilidade, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy encomendou um estudo do Banco Mundial para analisar os gastos públicos no Brasil.

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O relatório foi entregue ao final de 2017, quando Michel Temer já ocupava a presidência e Henrique Meirelles tinha assumido o Ministério da Fazenda.

O documento conclui que os governos federal, estaduais e municipais gastam mais do que podem, que os recursos empregados são ineficientes e que boa parte das despesas privilegiam os ricos em detrimento dos pobres.

Grande parte das políticas sociais do Estado brasileiro não beneficia os brasileiros de menor renda. Outro levantamento do Banco Mundial estimou que o Brasil gasta apenas 12,1% do PIB com os 40% mais pobres.

O Estado brasileiro, portanto, patrocina diversas medidas que, embora vendidas por burocratas com o rótulo de “sociais”, aumentam a concentração de renda. Segundo um estudo do Ipea, um terço da desigualdade no Brasil se deve à atuação da administração pública.

O peso do funcionalismo público

Aposentadoria integral, assistência médica, auxílio-moradia e auxílio-paletó. Esses são alguns benefícios recebidos pelo funcionalismo público brasileiro do alto escalão.

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É uma realidade bem distante da do restante da população. O Brasil tem hoje uma casta considerável de servidores com rendimentos superiores aos de 80% dos brasileiros. Salários acima do teto constitucional de R$ 39,3 mil são comuns. O país deixaria de gastar mais de R$ 20 bilhões por ano se a Constituição fosse cumprida.

O Judiciário concentra a maior parte desses custos. Ele gasta em média R$ 236 mil/ano por servidor. Segundo um levantamento do jornal O Globo, feito de 2017, 71,4% dos juízes do país ganham mais do que o teto previsto em lei.

Mas o peso do funcionalismo público nas contas públicas não é de hoje. Ainda em 2006, no governo Lula, o gasto com folha de pagamento já era 11,6% do PIB. Em 2015, apesar da crise, as despesas subiram para 13,1%, superando países como Portugal e França. Para efeito de comparação, os Estados Unidos gastam 9% do PIB com os funcionários públicos.

Esse aumento está relacionado mais ao aumento dos salários do que com a contratação de novos servidores. Entre 2003 e 2010, o custo com servidores federais cresceu 7% ao ano, enquanto o número de funcionários aumentou a taxa média anual de 2%.

Há muita desigualdade entre o setor público e o privado. Os salários dos funcionários públicos são 70% maiores do que os salários pagos para funções equivalentes no setor privado e três vezes maiores do que o salário de trabalhadores informais.

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Considerando experiência profissional e formação acadêmica similares, os salários são em média 96% mais altos no governo federal do que no setor privado, e 36% maior nos governos estaduais.

A diferença salarial entre os servidores públicos e o setor privado no Brasil é a maior entre os 53 países analisados pelo levantamento do Banco Mundial.

Além disso, os funcionários federais também têm acesso a nove benefícios, como alimentação, transporte, habitação, assistência médica e até auxílio-funeral. Essas despesas totalizaram R$ 16,6 bilhões em 2016, o que representa cerca de 11% da folha de pagamento, em média.

Há quem diga que os altos salários se devem à qualificação dos servidores. Em parte, isso explica a diferença. O percentual de servidores públicos com diploma universitário chegou a 47% em 2016, ao passo que, em 2003, somente 35% dos servidores tinham essa qualificação.

O setor público também oferece salários iniciais bem acima da média da iniciativa privada. Essa diferença impede que funcionários públicos com bom desempenho sejam recompensados ao longo da carreira, devido a restrições orçamentárias.

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Salários iniciais generosos também são responsáveis por tirar profissionais qualificados do setor privado. Isso gera certas distorções que afetam negativamente a capacidade das empresas de contratar mão de obra, além de diminuir a produtividade do país.

Se a diferença nos salários recebidos pelos servidores públicos federais em comparação com os salários dos funcionários da iniciativa privada fosse reduzida pela metade, a economia anual seria de R$ 53 bilhões. Isso corresponde a cerca de 0,9% do PIB.

Atualmente, 17 estados brasileiros gastam mais da metade de suas receitas líquidas com folhas de pagamento e aposentadorias. No primeiro trimestre de 2019, servidores dos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Goiás receberam os salários parceladamente.

Mesmo com restrições fiscais, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal se opôs ao controle de gastos. Na última quinta-feira (22) os magistrados proibiram que estados e municípios reduzam temporariamente a jornada de trabalho e o salário de servidores públicos.

Mas a questão mais delicada continua sendo a previdenciária. Em 2017, estados e municípios tiveram um rombo de R$ 92 bilhões.

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Quase metade dos estados brasileiros consomem mais de 10% de suas receitas liquidas para financiar, anualmente, o déficit de seus regimes próprios de previdência. Comparando com o setor privado, o servidor público gera um rombo dez vezes maior.

Gastar mais ou melhor? O problema da educação pública brasileira

Depois que o Ministério da Educação (MEC) anunciou um contingenciamento de 30% nas chamadas verbas “não obrigatórias”, profissionais da educação e estudantes promoveram uma paralisação nacional contra a medida e o atual governo.

Se por um lado tamanho corte pode paralisar as atividades de ensino, pesquisa e extensão, por outro o país passa por uma enorme crise fiscal. Os dados do Banco Mundial indicam que o Brasil “gasta como país rico, mas tem índices de país pobre” na área educacional.

Atualmente, o gasto com educação corresponde a 6% do PIB. Esse valor é superior à média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 5,5%, e maior do que o de de países como o Chile (4,8%), México (5,3%) e Estados Unidos (5,4%).

Entre 2000 e 2014, os valores destinados à educação tiveram um aumento real de 5,3% ao ano. Os orçamentos das universidades federais, por exemplo, cresceram em média 7% ao ano, enquanto o número de matrículas cresceu somente 2%. Isso representa um aumento médio do gasto real por aluno de 5%.

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Se considerarmos somente as instituições públicas de ensino superior, o nível de gasto por aluno é maior do que o verificado em países com um PIB per capita duas vezes maior do que o brasileiro, como Itália e Espanha.

Além do mais, alunos nas universidades públicas brasileiras custam, em média, de duas a três vezes mais do que alunos matriculados em universidades privadas.

A probabilidade de um jovem estudar em uma universidade pública está diretamente relacionada a sua renda familiar, como aponta um estudo do Instituto Mercado Popular conduzido pelos economistas Carlos Goés e Daniel Duque.

Somente 20% dos estudantes das universidades públicas federais fazem parte dos 40% mais pobres da população, enquanto 65% integram o grupo dos 40% mais ricos.

Todos pagam impostos para custear as universidades federais, mas apenas alguns usufruem dela: os mais ricos. Isso significa que o sistema atual de gratuidade para todos os estudantes das universidades públicas ajuda a perpetuar a desigualdade no Brasil.

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Instituir a cobrança de mensalidade em universidades públicas para os estudantes de famílias com maior renda diminuiria desigualdade social.

Os altos gastos nas instituições superiores, porém, não são a origem do problema educacional brasileiro, e sim um reflexo.

Apesar de passos importantes na expansão educacional nos últimos anos, o nível de educação do brasileiro ainda é muito inferior aos padrões internacionais, principalmente na educação de base.

Nos rankings mundiais que medem o desempenho dos alunos — como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) —, o Brasil não ocupa boas posições.

Em 2012, na prova de matemática do Pisa, o Brasil alcançou somente 83% do esperado para países que têm níveis de gastos semelhantes, como Chile, México e Turquia.

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Mas o desempenho pífio dos alunos brasileiros não se restringe às perguntas da prova.

Um estudo feito pelo professor Naercio Menezes Filho aponta que 61% dos brasileiros não conseguem chegar até a última questão da primeira parte da prova. Entre os estudantes da Finlândia, por exemplo, esse índice é de apenas 6%.

Alguns fatores são preponderantes para explicar tamanha ineficiência do sistema educacional. O principal deles, como aponta o Banco Mundial, está associado às baixas razões aluno-professor (RAP). Com a pirâmide demográfica brasileira mudando, estão nascendo menos crianças. Assim, estruturas criadas no passado, para atender uma taxa de natalidade maior, hoje são ineficientes e precisam ser revistas.

Com uma queda rápida no número de alunos das redes públicas em relação à quantidade de professores, uma redução do número de docentes representaria uma economia de aproximadamente R$ 22 bilhões, ou 0,33% do PIB.

Também é possível aumentar a eficiência fazendo com que os professores dediquem mais tempo a atividades em sala de aula. Em média, os professores usam somente 65% de seu tempo para ensinar. Segundo as melhores práticas internacionais, o ideal seria 85%.

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Em relação ao salário inicial dos professores brasileiros, o piso está em linha com o que é pago em outros países com renda per capita semelhante, como a Colômbia. Devido a uma série de promoções automáticas, contudo, a evolução salarial do professor brasileiro supera significativamente a maioria dos países no mundo. Já os professores universitários brasileiros ganham muito acima dos padrões internacionais.

Outro fator que contribui para a ineficiência dos gastos públicos é a vinculação de 25% das receitas dos municípios em educação, o que resulta em altas despesas obrigatórias.

Para cumprir as regras constitucionais, muitos municípios acabam sendo obrigados a gastar em itens que não necessariamente ampliam o aprendizado. Isso é ainda mais preocupante se levarmos em conta a drástica transição demográfica pela qual o país passa.

O baixo desempenho e ineficiência do sistema educacional brasileiro também têm impactos nas altas taxas de evasão escolar. Cerca de 4 em cada 10 jovens de 19 anos não concluem o ensino médio.

Saúde pública: entre a ineficiência e a falta de serviços

Assim como na educação, a saúde pública brasileira deixa a desejar em termos de eficiência. A cada 5 minutos, 3 brasileiros morrem em hospitais por falhas que poderiam ter sido evitadas.

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Nos últimos anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) recebeu grandes investimentos. Entre 2004 e 2014, as despesas públicas com saúde cresceram a uma taxa real média de 7% ao ano. No entanto, a maior parte desse aumento se deu nos estados e municípios. As despesas do governo federal pouco aumentaram, de 1,6% para 1,7%.

Proporcionalmente ao PIB, o gasto atual com a saúde no Brasil é de 9,1%. A despesa é comparável à média dos países da OCDE (9%) e superior à média dos países latino-americanos (7,2%). O desempenho da saúde brasileira, porém, deixa a desejar.

Segundo estimativas do Banco Mundial, os gastos totais com o SUS até 2030 podem chegar, se mantidos aos mesmos níveis, a R$ 700 bilhões. Um aumento na eficiência, contudo, poderia representar uma economia de R$ 115 bilhões no setor.

O relatório do Banco Mundial também aponta que o nível de eficiência na Atenção Primária à Saúde (APS), isto é, os atendimentos básicos, é de 63%, com um desperdício anual aproximado de R$ 9,3 bilhões.

Nos níveis de média e alta complexidade, a eficiência é de 29%, com um desperdício aproximado de R$ 12,7 bilhões. Ou seja, com menos recursos seria possível alcançar desempenhos melhores que os atuais.

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A eficiência dos atendimentos está diretamente associada ao tamanho dos municípios e dos hospitais, além da produtividade dos médicos. Em relação ao atendimento hospitalar, o estudo mostra que a eficiência nos municípios maiores (acima de 100 mil habitantes) é quase quatro vezes superior à média dos municípios com menos de 5 mil habitantes.

Além disso, a ocupação dos leitos em todo o país é baixa. A média em todos os hospitais do SUS é de 45%. Nos casos de alta complexidade, o percentual é ainda menor, apenas 37%.

Além do tamanho dos municípios, que acabam desperdiçando muitos recursos públicos, outros fatores tornam a saúde brasileira ineficiente frente aos custos. Os salários dos profissionais de saúde, por exemplo, são relativamente altos, especialmente no atendimento primário. Em contrapartida, a produtividade (número de consultas por médico) é bastante baixa.

Os profissionais mais qualificados, como médicos, gastam muito tempo realizando procedimentos mais rotineiros, que poderiam ficar a cargo de profissionais de saúde de nível mais baixo, como enfermeiros. Isso acaba por restringir a eficiência do gasto público.

Os médicos também são geograficamente mal-distribuídos. Há muitos profissionais no setor privado de áreas urbanas ou em atendimento especializado, sobretudo nas regiões sul e sudeste.

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A proporção entre médicos e usuários é menor do que a encontrada em países com nível parecido de desenvolvimento e bastante inferior à média entre os países da OCDE.

Outro ponto importante são as isenções fiscais para hospitais privados e os descontos no Imposto de Renda para quem usa plano de saúde privado. Enquanto 75% da população depende exclusivamente do SUS, o restante tem cobertura dupla, ou seja, usufrui da saúde pública e da saúde privada.

A economia potencial nos gastos com saúde, portanto, está relacionada a uma escala ineficiente de prestação de serviços, principalmente nos hospitais. Com o envelhecimento da população, o sistema brasileiro de saúde necessitará de algumas reformas estratégicas a fim de tornar os gastos mais eficientes e atender a demanda da população.