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Em seu primeiro dia como presidente, Joe Biden, ladeado por um retrato de Benjamin Franklin, convocou o governo federal a “promover a justiça ambiental” e “se guiar pela melhor ciência”.
De certa forma, as palavras de Biden não surpreendem ninguém.
Ao longo da campanha de 2020 e depois dela, Biden repetiu as expressões “ouça a ciência” e “acredito na ciência”, supostamente para se mostrar diferente de seu oponente.
Biden não parou por aí. Ele incluiu o mantra num de seus primeiros decretos, dizendo que essa seria a diretriz oficial de sua administração: ouvir a ciência.
A expressão parece inócua. O método científico é extremamente confiável, e por um bom motivo. Ele é uma bênção para a humanidade e ajudou a dar vida a muitas das maravilhas do nosso mundo contemporâneo.
Mas notáveis pensadores de hoje e do passado têm nos alertado para sermos cautelosos quando confrontados com pedidos para que “ouçamos a ciência”.
Mises: Não há "dever" na ciência
O economista Ludwig von Mises certa vez observou o problema de se usar a ciência para moldar o mundo contemporâneo. Ele sugeriu que, em muitos casos, as pessoas evocam a ciência simplesmente para dizer às pessoas como elas devem agir.
“Os administradores fingem que seus planos são científicos e que não há discussão em relação a eles entre pessoas decentes e bem-intencionadas”, escreveu Mises em seu ensaio “Caos Planejado”, de 1947.
A maioria das pessoas concorda que a ciência é uma ferramenta útil, e Mises era uma dessas pessoas. O problema para o qual Mises queria chamar a atenção era o de que a ciência não pode nos dizer como agir, porque isso está no reino dos julgamentos de valor subjetivos. A ciência só pode nos dizer o que é.
“Não existe essa coisa de a ciência impor uma obrigação”, escreveu Mises, ecoando o famoso argumento de David Hume: “A ciência é competente para estabelecer o que é. (Para uma análise mais profunda da questão é/deve, leia a celebrada obra de Hume, Tratado da Natureza Humana).
O economista prosseguia:
“A ciência não pode ditar o que deve ser e que fins as pessoas deveriam buscar. O fato é que os homens discordam em seus julgamentos de valor. É um absurdo se julgar no direito de se sobrepor aos julgamentos das outras pessoas e obrigá-las a se submeterem aos planos de um administrador”.
A ciência dos lockdowns e as mudanças climáticas
Como Misses acertadamente via, em geral quando as pessoas dizem “siga a ciência” elas estão na verdade dizendo “siga o nosso plano”.
Quando a ativista adolescente Greta Thunberg nos exorta a seguirmos a ciência quanto às mudanças climáticas, ela não está dizendo que deveríamos reconhecer que o planeta está passando por um processo de aquecimento e que os seres humanos interferem no clima da Terra. Ela está dizendo que as pessoas deveriam adotar o plano dela e de outros ativistas, entre os quais estão o fim do consumo de carne, o fim do transporte aéreo (algo que só pode ser feito por coerção), a taxação de combustíveis fósseis e outras propostas do tipo.
O ativista bilionário Bill Gates explicou em fevereiro por que e como mudanças como o fim do consumo de carne devem ser implementadas.
“Acho mesmo que todos os países devem passar a consumir apenas carne sintética”, disse Gates numa entrevista para a Technology Review, dizendo que as emissões por quilo de carne não são ideais. “Dá para se acostumar à diferença de sabor e a ideia é que a carne sintética tenha um sabor melhor com o tempo. Por fim, o custo é baixo o bastante para você mudar o comportamento das pessoas e usar a regulamentação para mudar totalmente a demanda”.
As propostas de Thunberg e Gates — que também disse que o governo deveria ouvir apenas a ciência — podem ser boas, mas podem ser ruins. O segredo é entender que as propostas deles são julgamentos de valor, não apenas ciência.
Da mesma forma, em 2020 ouvimos repetidamente apelos para que os norte-americanos “ouvissem a ciência”. Mas a discordância fundamental quanto à Covid-19 não tinha a ver com a ciência (embora houvesse certa discordância científica, como se viu nas mudanças no CDC, nos modelos matemáticos catastróficos e na confusão generalizada quanto à letalidade da Covid-19).
Quase todos perceberam o exagero da ciência: um vírus novo e mortal surgiu na Ásia e se espalhou pelos outros continentes. A primeira discordância surgiu quanto a que medidas deveriam ser adotadas para limitar o contágio, quem deveria executá-las (indivíduos ou o Estado) e se as pessoas deveriam ser coagidas a obedecer.
Muitas das questões que os norte-americanos enfrentaram eram complicadas.
Se o distanciamento social salva vidas, as empresas deveriam ser obrigadas a fechar? Se sim, quais delas? O que deve ser feito se as pessoas não praticarem o distanciamento social? Os doentes devem permanecer fisicamente confinados em seus lares? E quanto às pessoas saudáveis? Supondo que as máscaras limitam o distanciamento, o uso delas deve ser recomendado ou imposto? O que acontece se a pessoa se recusar?
Essas são perguntas importantes. Mas, novamente, são questões éticas, não científicas. A ciência é um instrumento que nos ajuda a tomarmos decisões sobre esses problemas. O fato é que as pessoas deveriam ouvir o alerta de Mises e estar atentas a administradores que dizem que temos de obedecê-los porque seus planos são científicos.
Problemas éticos complexos demandam soluções e, como disse o jornalista H.L. Mencken, “para cada problema complexo há uma resposta simples, clara e errada”.
Terceirizar nossos complexos problemas éticos a pessoas com diplomas pode ser simples, mas é também errado. Questões éticas tem a ver com nossas ações e, como percebia Mises, não há “dever” na ciência.
Jonathan Miltimore é editor do site FEE.org.