Todo mundo conhece um John Halder, personagem principal do filme “Um Homem Bom”, de 2008. Ele é o tipo que segue a multidão, uma pessoa que talvez teria passado pela vida sem cometer qualquer grande ato de maldade se não fosse pelo fato de o mal tê-lo encontrado — e o encontrou desejoso.
Halder é aquele transeunte que desvia o olhar quando vê um grupo de bandidos atacando uma mulher na esquina; é o executivo que teme se opor ao CEO corrupto; é um dos “gordos e covardes que dormem a noite toda” descritos por Shakespeare; é um homem tão acomodado que diz a si e aos outros que “uma coisa dessas não pode acontecer aqui”. Sim, John Halders está ao nosso redor.
Em “Um Homem Bom”, John Halder (interpretado por um magro Viggo Mortensen) é um professor de literatura de meia-idade na Alemanha dos anos 1930. Solitário e cansado de cuidar da mãe senil e da esposa neurótica, Halder é facilmente seduzido tanto pelas investidas sexuais de uma aluna quanto pelo partido Nazista, que o convoca à chancelaria para discutir um texto literário que atraiu a atenção do próprio Adolf Hitler. O texto em questão é um romance obscuro escrito pelo próprio Halder, um romance no qual um homem ajuda a amante a tirar a própria vida por causa de uma doença terminal. Os nazistas pedem que Halder escreva um artigo defendendo a eutanásia e o acadêmico, se sentindo ao mesmo tempo intimidado e lisonjeado, aceita.
Assim, Halder se vê numa situação de perigo. Mental e materialmente, ele se aproxima com cautela dos nazistas, agindo sempre com uma mistura de medo e egoísmo. Incomodado com a queima de livros na universidade, ele rapidamente racionaliza a manifestação com a ajuda de sua amante, Anne (Jodie Whittaker). Inicialmente relutante em se juntar ao partido Nazista, Halder cede, o que o ajuda a progredir na carreira acadêmica. Aprendendo a ignorar a própria consciência, ele abandona a esposa e passa a viver com Anne. Embora Halder jamais aja para submeter a mãe à eutanásia, ele se fustiga depois que ela morre, por tê-la deixado sofrer tanto.
O único a impedir Halder de adotar totalmente o nazismo é seu amigo Maurice (Jason Isaacs), um psiquiatra judeu (que gosta de falar palavrões), com o qual Halder lutou na Primeira Guerra Mundial. Vácuo moral que interfere na relação de Halder com Anne e cuja maior preocupação parece ser com quem beberá sua próxima cerveja, ainda assim Maurice se revolta diante da colaboração do amigo com os nazistas. Numa cena, Maurice repreende Halder por entrar para o partido Nazista e a resposta de Halder é a reação clássica do covarde: “Não importa se concordo com eles. O fato é que eles estão no poder”, diz Halder em sua defesa. “Ao menos estou fazendo alguma coisa. Se queremos mudar o mundo, colocá-lo na direção certa, não podemos ficar de braços cruzados”.
Por fim, à medida que a situação dos judeus piora, Halder percebe que está mergulhado na maldade. Mas ele ainda não consegue pôr em risco as benesses de sua nova vida a fim de ajudar o amigo. A nazista entusiasmada Anne (“Nada que deixe as pessoas felizes pode ser ruim, não é?”, diz ela durante um desfile nazista) tenta convencer Halder de que sua culpa é um instrumento do mal. Numa cena já perto do fim do filme, Halder acidentalmente derruba Anne durante uma discussão sobre o sofrimento de Maurice. Ela fica momentaneamente paralisada e o espectador fica à espera de que ela se lance contra Halder. Em vez disso, porém, ela se sente sexualmente excitada com essa demonstração de força. “Ah, John, olhe só para você”, diz ela, direcionando o olhar dele para um espelho no qual Halder se vê em seu uniforme da SS. Mortensen expressa maravilhosamente bem o deslumbre e a surpresa de Halder ao ver no que se transformara.
Quando Halder decide agir para salvar Maurice é tarde demais. O filme termina com uma cena memorável de um Halder horrorizado, vestido com o uniforme da SS, assistindo impotente aos prisioneiros judeus sendo levados a um campo de concentração, com a Primeira Sinfonia de Mahler zombeteiramente tocando. (Halder ouve Mahler sempre que está nervoso). Um homem que se considerava bom percebe a consequências de sua covardia.
“Um Homem Bom” tem falhas. O filme usa o sotaque das classes altas britânicas como substituto para o alemão. O roteiro, baseado numa peça de C.P. Taylor, às vezes é lento demais e o campo de extermínio e os prisioneiros são mal retratados. Nenhum dos personagens principais desperta a simpatia do espectador, já que eles aparentemente são motivados por egoísmo. Nem a dedicação de Halder à sua família parece sincera, já que ele parece sempre disposto a sucumbir às tentações da carne e do poder. Mas a atuação de Mortensen e Isaacs se destacam, e o diretor Vicente Amorim cria habilmente um ambiente de medo que culmina na cena do campo de concentração, sem recorrer a cenas de ação barata.
Você talvez esteja se perguntando como nunca assistiu a esse filme sobre um assunto tão impactante, estrelado por dois grandes atores. A resposta é simples: a esquerda hollywoodiana não queria que você visse o filme. Afinal, ele claramente associa a eutanásia ao programa genocida nazista (o romance de Halder “levanta questões controversas sobre o tema do direito à vida”, diz um oficial nazista no começo do filme). O filme também sugere que a eutanásia seja motivada pelo egoísmo dos vivos e demonstra como a moralidade pública e privada estão associadas. A falta de fé de Halder na esposa coincide com a traição do amigo e a corrupção de seus princípios políticos e filosóficos. Essa é uma teoria moral controversa em nossa era pós-cristã. “Jamais achei que chegaria a esse ponto”, diz Halder já no fim do filme.
“Um Homem Bom”, acima de tudo, nos alerta para os perigos de não se posicionar contra o mal. “Quando os homens maus fazem um conluio, os homens bons precisam se reunir”, aconselhava Edmund Burke. “Não basta que um homem tenha boa intenção para com seu país; não basta para um indivíduo o fato de ele jamais ter cometido o mal. Assista a “Um Homem Bom”, mas saiba que você talvez encontre alguém que conhece – ou talvez a si mesmo – na personalidade de John Halder.
Stephen Klugewicz é editor do Imaginative Conservative.
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