Sem o hiijab, mulheres sauditas treinam na academia: cena impensável havia alguns anos| Foto: Tasneem Alsultan/Tasneem Alsultan

Em um país onde cinemas são banidos e o Starbucks é separado por gênero, um príncipe jovem e poderoso está apresentando um plano para criar trabalhos para mulheres e uma vida social mais integrada e satisfatória para a população mais jovem, colocada há muito tempo na camisa-de-força das normas culturais opressivas. 

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O esforço tem como objetivo revisar e diversificar a economia saudita, dependente da indústria do petróleo, e modernizar uma cultura inquieta em que mulheres representam somente 22% da força de trabalho e em que quase dois terços da população têm menos de 30 anos de idade. 

Isso quer dizer que a maioria dos sauditas nunca viveu em uma sociedade que dá muito valor para diversão e entretenimento — o tipo de mundo que encontram quando viajam para fora do país. E parece ser esse o mundo que desejam: sauditas gastam mais de US$5 bilhões por ano em viagens internacionais. 

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"Nós queremos ser normais, como em qualquer outro lugar", disse Nouf al-Osaimi, uma instrutora de mergulho de 29 anos em uma praia do Mar Vermelho.

Osami espera abrir sua própria escola de mergulho e acha que os objetivos do governo vão tornar o empreendedorismo mais acessível para ela e outras jovens.

"O mundo está indo para frente e nós precisamos acompanhar". 

O plano Vision 2030, o maior e mais dramático grupo de mudanças para a economia saudita em décadas, é conduzido pelo Príncipe Herdeiro Substituto Mohammed bin Salman. O filho de 31 anos do Rei Salman se tornou um influente líder quando seu pai assumiu a coroa há dois anos. Mohammed se encontrou com o presidente americano Donald Trump em março e os dois deveriam se encontrar novamente na visita de Trump ao reino neste último fim de semana. 

Diferentemente de outros membros da família real, o príncipe foi educado na Arábia Saudita e não nas universidades de elite do oeste, o que faz com que as pessoas deem mais credibilidade ainda a suas demandas. 

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"Somos da mesma geração e falamos a mesma língua", diz Fatimah al-Sani, 29, que trabalha na Uturn Enterteinment, uma empresa de Jeddah que produz vídeos para o YouTube e que planeja expandir com o Vision 2030. 

Shopping segregado

Num país de 32 milhões de pessoas, as principais opções de entretenimento são shoppings, cafés e restaurantes que ainda são legalmente segregados. Ainda que homens e mulheres estejam mais livres para se misturar em público em anos recentes, existem poucos lugares onde podem fazer isso. 

O príncipe Mohammed diz que as pessoas são mais produtivas em seus trabalhos quando são mais felizes em seu tempo livre. 

"Temos muitos fins de semana em um ano, então precisamos de opções", disse Amr al-Madani, funcionário da Autoridade Geral de Entretenimento, criada como parte da Vision 2030 para organizar e financiar eventos culturais. "As pessoas trabalham muito e precisam recarregar as baterias". 

Madani diz que, desde novembro, o grupo apoiou mais de 100 eventos em 21 cidades, incluindo festivais de arte e gastronomia, a primeira YouTube Fanfest do mundo árabe, uma Comic-Con e até um "monster jam" no estilo americano, onde caminhões com rodas gigantes em um estádio de futebol atraiu mais de 25 mil pessoas. Houve até alguns shows de música ao vivo, que até então eram geralmente banidos. 

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Membros mais conservadores da sociedade saudita reclamaram que o príncipe é rápido demais. Madani afirmou que parte do seu trabalho é convencer pessoas que estão "amedrontadas" com o que temem que será um ataque do entretenimento de estilo ocidental com conteúdo duvidoso. Mas ele afirma que as autoridades são cuidadosas em apoiar apenas os eventos familiares que reflitam "valores sauditas". 

Stand-up “chinês”

 

Ainda que a mudança aconteça devagar nesse reino conservador, analistas afirmam que o príncipe tem o apoio de seu pai, de 81 anos, assim como dos empresários, que esperam recuperar um pouco dos bilhões que sauditas gastam nas férias em outros países. 

"É lógico que pode funcionar se conseguirmos criar o ambiente certo aqui", afirmou Soraqa al-Khatib, um executivo da Uturn, a empresa de entretenimento online. 

Numa das noites da semana passada, Maha, de 30 anos, esperava em uma fila com sua irmã Ranya, 28 anos, e outras 200 pessoas para assistir uma apresentação no Al Comedy Club em Jeddah, o único espaço para stand-ups no país. 

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Maha e Ranya afirmaram gastar milhares de dólares no último outono para viajar para Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, para ver o show do cantor Yanni. "Eu preferia gastar o dinheiro aqui, mas aqui não tem nada para fazer", disse Maha, que trabalha no governo.

"Qual o sentido de trabalhar o tempo todo? Precisamos nos divertir também". 

Elas se recusaram a falar seus sobrenomes porque não falaram para o pai que tinham ido a Abu Dhabi. Na lei saudita, mulheres não podem viajar internacionalmente sem a permissão de um "guardião". O pai deu uma permissão geral, mas elas se preocupam que ele a tiraria se soubesse que viajaram sem contar para ele. 

Yaser Bakr, 38 anos, conta que começou o Al Comedy Club em 2012 e que agora organiza duas apresentações nas noites de quinta-feira no teatro para 185 pessoas. Ele disse que no começo precisou pedir permissões no governo local e que as pessoas tinham dificuldade de entender o conceito de alguém ficar de pé no palco para contar piadas. "Era como falar chinês com eles". Bakr disse que lidar com a Autoridade Geral de Entretenimento tem sido bem mais fácil. 

Humor sem álcool

Abrar Qari, à direita, 23 anos, filma um documetário sobre Al Osaimi, margulhador profissional 
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Segundo Bakr, os comediantes fazem piadas com a sociedade saudita, mas são leves com temas religiosos e políticos e evitam temas profanos e explícitos. Todos os comediantes são homens e a audiência é separada por gênero com divisórias de madeira. A audiência está sóbria, já que bebidas alcoólicas são proibidas na Arábia Saudita. 

"Eu acho que a separação de gênero vai desaparecer em poucos anos", disse Bakr, dando o crédito dessa mudança ao Príncipe Mohammed, inclusive pelos apelos para aumentar a participação feminina no mercado de trabalho para 30% e por encorajar mulheres a começarem seus próprios negócios. 

"Nunca tivemos alguém que não fosse o rei com esse tipo de poder explícito", afirma Bakr. 

Abrar Qari, 23 anos, é a primeira mulher saudita a ter uma licença do governo para ter um estúdio de produção de vídeo. Segundo ela, a nova atmosfera no país em relação às mulheres — e a promessa de regulamentações mais amigáveis a negócios e maior acesso ao capital — deu a ela a chance de aumentar a empresa que produz vídeos educativos e culturais. 

"Posso contratar outras mulheres e ajudá-las a fazer ou mesmo — ou até mais", disse, enquanto fechava uma roupa de mergulho e tanque de ar e pulava para o Mar Vermelho com uma câmera subaquática na mão. Ela filmava um documentário sobre Nouf al-Osaimi, sua instrutora de mergulho, que tem os atuais recordes de mergulho profundo da Arábia Saudita. 

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"Eu sinto que estou construindo pontes para as próximas gerações", fiz Qari. "E está tudo isso acontecendo por causa do Vision". 

O Vision é mencionado em qualquer lugar do país nos dias de hoje - aparece em outdoors, comerciais de televisão, anúncios de jornal e em redes socias. O príncipe Mohammed falou sobre isso em uma entrevista em rede nacional esse mês, onde afirmou que o país aumentou o rendimento fora da indústria do petróleo nos últimos dois anos, de US$ 30 bilhões para US$ 53 bilhões (na mineração e outras áreas de atuação). 

Ao mesmo tempo, o governo, que encara déficits no governo por conta dos preços em queda do petróleo, fez cortes impopulares nos salários e benefícios do governo, subsídios para gasolina e água e outros benefícios que sauditas tinham como garantidos. O plano também demanda um novo imposto sobre o valor de bens e a venda de um pedaço da maior joia da coroa saudita, a empresa petrolífera estatal Saudi Aramco. 

11 de setembro

Essas medidas econômicas levaram a um retrocesso, notável principalmente no mundo das redes sociais super ativas do reino. Mas os planos sociais do príncipe parecem ter amplo apoio. 

Por quase 25 anos, Ahmed al-Ghamdi, 54 anos, foi membro da polícia religiosa saudita, que tem como tarefa reforçar as normas culturais estritas do reino — o que inclui patrulhas nos shoppings para garantir que homens e mulheres não aparentados estivessem se misturando, acabar com encontros que tivessem música e garantir que as lojas fechassem na hora das orações. 

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Ghamdi passou então por uma mudança de opinião. Ele saiu da polícia religiosa e apoia as ideias do príncipe Mohammed. Segundo ele, essas mudanças da sociedade começaram, de várias maneiras, no ataque aos EUA 11 de setembro de 2001, quando 15 dos 19 agressores eram sauditas. Ele conta que houve um retrocesso internacional tão grande contra o reino, inclusive por parte de outros países muçulmanos, que "começamos a pensar sobre nossas crenças religiosas". 

O resultado, conta Ghamdi, é uma visão ampla de que a sociedade saudita precisa se modernizar. 

"Existe um espírito jovem no nosso país, uma vontade por mudança - as coisas não vão permanecer as mesas", explica. 

Isso parece verdade nos escritórios de Uturn em Jidá, onde mulheres — algumas com hijabs, outras com cabelos descobertos — e homens trabalham em computadores em um espaço partilhado, repleto de paredes de vidro e mesas de ping-pong e futebol. A empresa tem cerca de 80 canais no YouTube e emprega 40 pessoas, que produzem de vídeos de comédia a vídeos de beleza. Já existem planos de expansão. 

"Isso é empolgante, transformador e empoderador", diz Zoya Shahid, 24 anos, uma das funcionárias da Uturn que usam o hijab. 

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Emad Eskander, 34 anos, é diretor criativo da empresa. Para ele, a empresa é cuidadosa e segue as normas culturais sauditas. Ainda assim, ele conta que a polícia religiosa costumava vir ao escritório ocasionalmente para reclamar do conteúdo deles, até que, no ano passado, o Rei Salman tirou boa parte do poder da instituição como parte de um esforço para a modernização. 

Segundo Eskander, Uturn agora espera ter vantagem com o novo ambiente e produzir filmes feitos para sauditas, sobre questões sauditas, que espera que sejam exibidos em cinemas sauditas, construídos graças às mudanças do país. 

"Isso é muito real", conta. "E é muito bom para os negócios".

Tradução de Gisele Eberspächer