Scott Shepherd é um ex Grande Dragão da Ku Klux Klan. Daryl Davis é um músico negro de R&B e blues que vem fazendo amizades com supremacistas brancos, e tentando convertê-los, por trinta anos.
Quando Shepherd ouviu falar sobre Davis pela primeira vez há cinco anos, ele ficou atônito.
“Me falaram que ele era louco”, disse Shepherd, 58, de South Haven, Mississipi. “Eu falei para ele que ele era um completo doido.”
Mas ao longo de doze anos de ligações, várias visitas e inúmeras conversas sobre música, os dois se tornaram amigos – tanto que Shepherd agora se considera com orgulho um “racista reformado” e diz que Davis é como um irmão.
Davis, 59, conheceu e criou amizade com muitos membros do Klan ao longo dos anos, criando conexões por meio de assuntos como família e música. Davis, um músico de R&B que tocou piano com Chuck Berry, também uma combinação de lógica e história para tentar persuadi-los a reconsiderar as suas crenças racistas.
Entre 40 e 50 membros do Klan, segundo ele, renunciaram a afiliação por causa de sua intervenção, e muitos lhe entregaram seus mantos, que ele guarda na sua casa em Silver Spring, Maryland.
Ele diz que um dia espera abrir um museu.
Davis, que apareceu em um documentário da PBS lançado em fevereiro e exibido no festival South by Southwest no ano passado, ganhou certa fama nos últimos trinta anos pela sua missão aparentemente implausível. Após a violência ocorrida em uma manifestação de nacionalismo branco em Charlottesville, Virginia, no dia 12 de agosto, o jornal The Washington Post perguntou a Davis se a sua missão ou visão otimista haviam mudado.
A sua resposta ressoante: não.
“Eu não acho que o meu trabalho tenha ficado mais difícil. Eles são seres humanos”, disse, sobre os supremacistas brancos que ele conheceu nos últimos anos. “Muitos são pessoas boas e esforçadas que tem uma percepção falha da vida e da realidade.”
Davis disse que o presidente Donald Trump – que foi muito criticado por expressar ambiguidade em relação a supremacistas antes de denunciá-los – não pode ser culpado pela violência mortal em Virginia.
“Ele agita muitas chamas na direção errada”, diz Davis. “Mas a cultura racista que permitiu que Charlottesville acontecesse já existia muito antes de Trump se candidatar à presidência.”
O lado bom de eventos trágicos como o de Charlottesville, segundo Davis, é que eles incentivam diálogos sobre raça que ele considera essenciais para o fim do racismo.
“Falar sobre raça neste país é um tabu há muito tempo”, diz.
Davis enfrenta muito ceticismo.
Mark Potok, especialista em extremismo que trabalhava com o Southern Poverty Law Center, disse no documentário da PBS que a estratégia de Davis pode funcionar ou não em longo prazo. Mas ele disse: “Nós não podemos esperar... Tem um perigo muito maior aqui.”
A abordagem de Davis, que vai a manifestações do Klan e à casa dos seus membros em todo o país, também o tornou muito impopular entre alguns ativistas negros, que sugerem que o seu tempo poderia ser mais bem ocupado trabalhando com as comunidades afetadas pelo racismo, em vez de criar amizades com aqueles que o perpetuam.
Kwame Rosse, ativista de destaque em Baltimore, disse ao The Washington Post que quando Davis se torna amigo de racistas declarados, ele valida o seu racismo.
“O que aconteceu em Charlottesville é o motivo de não precisarmos de pessoas colecionando mantos do KKK”, diz Rose. “Nós não precisamos dar munição a ninguém para celebrar o seu passado racista.”
Durante um debate acalorado no documentário da PBS, chamado “Accidental Courtesy: Daryl Davis, Race & America”, Rose falou a Davis: “Pare de perder o seu tempo indo até a casa de pessoas que não te amam”.
Davis rebateu: “Então você acredita que ninguém pode mudar?”
“Não”, Rose respondeu. “Eu acredito que você acredita que as pessoas erradas podem mudar.”
Rose, que liderou protestos após a morte de Freddie Gray e apareceu em um novo documentário da HBO, “Baltimore Rising”, disse que Davis é “mal informado quanto à realidade da maioria das pessoas que se parecem com ele”.
Davis reconhece prontamente que as suas origens – seu pai trabalhava no Serviço de Relações Exteriores, e ele passou grande parte da sua infância no exterior – lhe garantem uma perspectiva diferente de muitos afro-americanos da sua idade.
Enquanto grande parte das escolas na América era de maioria negra ou de maioria branca, Davis estava frequentando escolas internacionais que ele se lembra de parecerem “pequenos Modelos da Organização das Nações Unidas”.
Ele conta que estava na quarta série em um subúrbio em Boston quando presenciou racismo pela primeira vez.
Foi em 1968, e ele era um dos dois únicos estudantes negros na sua escola primária em Belmont, Massachusetts. Ele havia entrado para um grupo de escoteiros e estava marchando em um desfile de Lexington a Concord quando um grupo que havia se reunido do lado da rua começou a jogar pedras e latas na sua direção. Ele lembra que estava carregando a bandeira americana.
Davis disse que ele era “tão inocente” na época que não percebeu que ele – o único escoteiro negro no desfile – era o alvo até que o seus amigos, líderes do grupo e sua avó formaram um cordão de proteção ao seu redor.
“O fator da raça nem passou pela minha cabeça”, diz Davis.
Enquanto os seus pais cuidavam dos seus ferimentos em casa, eles contaram a Davis o que era racismo. Em um primeiro momento, ele não aceitou a ideia de que tanto ódio poderia ser gerado por “algo tão estúpido quanto a cor da pele”.
Mas quando Martin Luther King Jr foi assassinado naquele ano, ele entendeu o ponto de vista dos seus pais.
Com aquela percepção, ele formou a questão: “Como você pode me odiar se você nem me conhece?”
Foi essa questão que levou Davis a começar a pesquisar sobre o Klan e outros grupos de ódio quando ele estava no ensino médio. E também foi essa questão que o levou a se tornar amigo do primeiro membro do Klan em um bar quando ele tinha 25 anos de idade.
Foi em 1983, e Davis estava tocando piano com uma banda de country no Silver Dollar Lounge, em Frederick, Maryland. Ele era o único músico negro na banda e a única pessoa negra no bar.
Depois que a banda terminou o seu set, um homem branco abordou Davis. Ele disse que aquela foi a primeira vez que ele havia visto um homem negro tocar piano como Jerry Lee Lewis.
Intrigado, Davis disse ao homem que ele conhecia Lewis e que Lewis foi influenciado por músicos negros de blues.
No começo, o homem não acreditou em nenhuma das afirmações de Davis, mas comprou para ele um suco de cranberry – Davis não bebe álcool. Ele então confessou que Davis foi o primeiro homem negro com quem ele bebeu.
“Eu perguntei a ele o porquê disso”, Davis relembra. “Eu não estava tentando ser engraçado nem nada assim – eu só não entendi.”
Foi aí que o homem, incitado pelo seu amigo, contou a Davis que ele fazia parte do KKK. “Eu ainda era muito ingênuo, então eu só ri”, diz Davis. “Não acreditei nele até que ele me mostrou o seu cartão do Klan.”
Mas, depois da afinidade pelo seu gosto musical, o homem pediu a Davis que o avisasse na próxima vez que ele tocasse no bar. E ele fez isso, e a primeira amizade improvável de Davis se formou.
O homem, segundo Davis, eventualmente saiu do Klan por causa da amizade que eles haviam criado.
“Os membros do Klan não são todos iguais”, diz. “Eles tem histórias diferentes, apesar de terem um ponto em comum em que sentem que foram marginalizados por pessoas inferiores a eles.”
Davis, que escreveu um livro em 1998 chamado “Klan-destine Relationships: A Black Man's Odyssey in the Ku Klux Klan”, apareceu em reportagens da CNN e The Washington Post na década de 1990.
Em 1996, o Mago Imperial da KKK, Roger Kelly, expressou seu respeito a Davis durante um discurso do Klan em Clairmont, Maryland, de acordo com a CNN.
“Eu acompanharia aquele homem até o inferno porque eu acredito no posicionamento dele”, disse Kelly, na época, sobre Davis. “Nós não concordamos em tudo, mas pelo menos ele me respeita o suficiente para se sentar e escutar, e eu o respeito.”
Três anos depois, Kelly saiu do Klan e deu o seu manto para Davis.
Shepherd, o ex-membro do Klan do Mississipi, disse que entrou para o Klan aos 17 anos para ter uma comunidade, depois de uma infância difícil com um pai abusivo.
Durante anos, segundo Kelly, ele se isolou, com vergonha do seu passado. Então ele viu Davis em um programa no Discovery Channel e entrou em contato com ele.
“Ele estendeu a sua mão”, diz. “Disse que estava disposto a me ajudar, então eu comecei a ver que o problema não era a cor. O problema era eu.”
Hoje, Shepherd também está em uma missão para educar membros do Klan, principalmente os mais jovens, e persuadi-los a renunciar a sua afiliação.
“Eu acho que estou conseguindo com dois”, diz.
Tradução: Andressa Muniz