Como fonte de proteína, iguaria ou isca para turista, a carne de morcego é consumida pelo ser humano há milênios em várias partes do mundo.| Foto: Reprodução/ Twitter
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Até janeiro de 2020, turistas do mundo inteiro viajavam para os melhores destinos asiáticos em busca de uma iguaria: carne de morcego. O prato foi cantado na melhor prosa possível dos chefs- celebridades especialistas em viagens e comidas exóticas. Andrew Zimmern, do programa Comidas Bizarras, provou. Jerry Hopkins, autor do livro Extreme Cuisine [Culinária extrema], não só provou como relatou em seu livro a experiência, dando a entender que precisou de bastante cerveja para encarar o prato.

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Mas não é de hoje que os seres humanos consomem morcegos. Indícios arqueológicos dão conta de que, há 74 mil anos, o Homo floresiensis, que teria habitado a ilha de Flores, na atual Indonésia, obtinha parte da proteína diária comendo esses seres alados. Os aborígenes australianos também eram (ou são) notórios caçadores e consumidores da espécie de morcego gigante que habita o país, a chamada raposa voadora. Até 1997, estima-se que 180 mil desses animais eram abatidos todos os anos.

Mas o consumo de carne de morcego não se restringe a lugares distantes no tempo e no espaço. Aqui na América do Sul há registros de que os nambiquaras, uma pequena tribo que habita uma região da Amazônia na fronteira entre os estados de Mato Grosso e Rondônia, apreciam morcegos. Ali perto, na Bolívia, o consumo é mais intenso. Pesquisadores apontam que os bolivianos consomem até 3.000 morcegos por mês.

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E até na Itália do pós-guerra, mais precisamente na região do Vêneto, havia o costume de se consumir carne de morcegos frugívoros (que se alimentam de frutas) como uma iguaria.

Símbolo de morte, mas também de felicidade

Com sua longa história de fome, o consumo de morcego só não foi maior na Europa por dois motivos. Primeiro, o tamanho das espécies que habitam o Velho Continente. Depois, a associação cultural entre os morcegos e a morte, quando não as trevas. Está aí a lenda do Drácula para provar.

A Bíblia também proíbe o consumo da carne de morcegos. Em Levítico 11:13-19, no trecho que fala sobre o que é puro ou impuro consumir, o morcego é mencionado ao lado de outras "aves", juntamente com o corvo, o abutre e as águias.

Se no Ocidente o morcego está associado a mitos assustadores que lidam com danação, morte e muito sangue, na China, no Irã e na África o único mamífero capaz de voar é visto como um sinal de longevidade, felicidade e inteligência. Em chinês, o ideograma para “morcego” tem uma pronúncia semelhante à de “boa sorte”. E há ainda um ideograma que incorpora o morcego e que é traduzido como “as cinco bênçãos”: riqueza, saúde, virtude, velhice e morte natural. Daí porque comê-lo pode ser visto como uma forma de incorporar essas qualidades.

Nos dois sentidos, a simbologia por trás do morcego é uma das grandes responsáveis pela diminuição das populações deste animal essencial para nós, seres humanos, por ajudarem na polinização das plantas. Nas culturas que o identificam com as coisas boas, o morcego está presente, assado, ensopado ou frito, em casamentos, festas e banquetes. Nas culturas que o veem como uma representação do mau, ele simplesmente é visto como um animal de aparência desagradável. Um, cem ou mil morcegos a menos – ninguém vai dar por falta mesmo.

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Das mais de 4000 espécies conhecidas, 24 correm risco extremo de extinção, 53 correm risco médio e 104 são consideradas vulneráveis pela Bat Conservation Internacional, uma ONG especializada na proteção dos morcegos.

Modo de preparo

Tirando lugares como a Indonésia, onde morcegos fazem parte da alimentação dos mais pobres, eles são geralmente servidos como uma excentricidade, quando não como isca para turista mesmo. Em Madagascar, aliás, acredita-se que o índice de anemia em crianças seria até 29% mais alto se por algum motivo as autoridades resolvessem proibir o consumo de morcego e outros animais silvestres nas aldeias.

Como iguaria, o morcego é um prato caro, disponível apenas em hotéis ou restaurantes com cara de pé-sujo, mas preços de bistrô, como o Mog Mog, em Palau, e outros estabelecimentos especializados em lugares paradisíacos como Fiji, Vanuatu e na Ilha de Guam, um território norte-americano no Pacífico.

Todos os que já passaram pela experiência de comer morcego, como o falecido chef Anthony Bourdain, são unânimes em descrever o forte cheiro que a carne exala antes do preparo. Daí porque é necessário que a carne seja preparada sempre com muitos temperos aromáticos – pimentas, alho, cebola, leite de coco e ervas de todos os tipos.

Em geral, o morcego é servido inteiro num caldo. Para os turistas, contudo, ele é servido cortado, por causa da aparência. “Comer morcego pode ser difícil por causa de sua aparência”, escreve Jerry Hopkins. “Coelhos não parecem coelhos quando servidos (...), mas morcegos geralmente parecem morcegos quando chegam no seu prato”.

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Por ser muito pequeno, o morcego costuma ser preparado inteiro, com pelos e vísceras. E todas as suas partes são consumidas, até mesmo os crocantes ossinhos. Há lugares ainda em que o prato é servido com uma tacinha de sangue do animal.

Não que os perigos de se consumir carne de morcego sejam desconhecidos dos povos que o consomem, seja como fonte de proteína, seja como iguaria. No episódio de um programa desses sobre comidas exóticas, apresentado por um aspirante a Anthony Bourdain chamado Sonny, os nativos de uma ilha da Indonésia o alertam de que o consumo de morcego é perigoso e pode até matar. Ele come mesmo assim.

O povo Chamorro, do território de Guam, pertencente aos Estados Unidos, também aprecia muito carne de morcego. E sofre por causa disso. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, antropólogos registraram a alta incidência de uma demência entre os membros das tribos. Para a surpresa de ninguém hoje em dia, a doença está associada a uma toxina presente na carne de morcego.

Para quem se interessa por essas coisas, a carne de morcego tem alto teor de proteína e baixo de gordura. Acredita-se que ela seja boa para pessoas com asma, por causa de uma substância chamada cetotifeno, embora não haja nenhuma comprovação científica disso.

E, para quem ficou curioso, todas as fontes consultadas foram unânimes em dizer que carne de morcego tem gosto de... frango.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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