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A californiana Lynnette Adkins, de 25 anos, tem um piercing de argola no nariz e um número indeterminado de tatuagens. Em suas publicações nas redes sociais, ela fala candidamente sobre o consumo de maconha e se exibe de biquíni em posições nada islâmicas.
Até os ataques terroristas do Hamas contra Israel, em 7 de outubro, Lynnette parecia mais interessada em divulgar suas viagens pelo mundo e em falar sobre as peças de roupa que vestia — intercalando expressões como “tipo assim” e “cara”.
Até que ela resolveu divulgar aos seus 125 mil seguidores as ideias do terrorista mais maquiavélico da história. Lynnette recomendou que eles lessem "Uma Carta à América” de Osama Bin Laden, como se o texto — um libelo previsível, que culpa os judeus e os americanos pelos males do mundo — trouxesse algum tipo de iluminação. "Eu preciso que todo mundo pare o que está fazendo agora e vá ler 'Uma Carta à América'", ela afirmou.
Na semana passada, outros 300 vídeos sobre a tal carta se espalharam pelo TikTok e atingiram cerca de 2 milhões de visualizações antes que a plataforma removesse o conteúdo. "Eu nunca vou ver a vida da mesma forma. Eu nunca vou ver este país da mesma forma", disse uma usuária da plataforma.
O perfil dos novos entusiastas da Al-Qaeda acompanha o público-padrão do TikTok: jovens, a maioria mulheres, com uma certa inclinação a favorecer a pauta "progressista" da moda.
Bin Laden, que foi morto em 2011 por tropas americanas, certamente desaprovaria o fã-clube.
Tendência preocupante
É difícil saber quantos usuários do TikTok foram convencidos por Lynnette Adkins e outros influenciadores pró-Bin Laden. Mas é fato que os jovens americanos estão cada vez mais propensos a apoiar organizações terroristas.
É o resultado da combinação entre a falta de informação e uma influência crescente da esquerda radical.
Embora sempre tenham existido casos de jovens ocidentais que entraram para grupos terroristas — como o australiano Jake Bilardi, que resolveu se juntar ao Estado Islâmico — o encanto com organizações terroristas parece ter ganho novo fôlego depois dos ataques de 7 de outubro e a reação de Israel.
Boa parte da chamada Geração Z (nascida de 1995 para cá) não tem a memória dos ataques de 11 de setembro. Como Lynnette, jovens que nada sabiam do assunto se transformaram em presas fáceis da propaganda pró-terrorismo.
Uma pesquisa recente da Universidade de Harvard constatou 51% dos jovens americanos abaixo dos 25 anos acreditam que o Hamas agiu de forma justificada em 7 de outubro. A pergunta não era ambígua, e mencionava diretamente "o assassinato de 1.200 civis israelenses pelo Hamas".
Segundo os pesquisadores de Harvard, o índice de aprovação é de 48% entre a população de 25 a 34 anos e cai progressivamente até atingir os 9% entre os que têm mais de 65 anos.
Ao mesmo tempo, a pesquisa mostrou que o grupo dos americanos mais jovens é o que menos acompanha o assunto de perto. A falta de informação por vezes leva esse grupo a aceitar o que chega por redes sociais como o TikTok — que praticamente não usa texto e se baseia sobretudo em vídeos de até 15 segundos.
Um terço desse grupo também afirmou ser falsa a afirmação de que terroristas do Hamas mataram 1.200 pessoas, incluindo atos de barbaridade contra civis, em 7 de outubro.
No conflito entre Israel e Hamas, 9% dos americanos entre 55 e 64 anos afirmam apoiar o Hamas. Entre os jovens de 18 e 24 anos, o índice é de 48%.
A diferença é visível nas redes sociais. Nos 30 dias que antecederam 13 de novembro, o TikTok contabilizou 3 milhões de menções à hashtag (em inglês) #palestinalivre; apenas 39 mil diziam #estoucomisrael. No Instagram e no Facebook, a proporção foi similar, embora ligeiramente mais equilibrada.
Jovens cada vez mais à esquerda
Os eleitores jovens da Geração Z são especialmente simpáticos às ideias de esquerda. Embora a correlação entre pouca idade e apoio à causa socialista seja um fenômeno antigo, ele tem se tornado mais intenso nos últimos anos.
Na verdade, a Geração Z pode ser a primeira que não se torna mais conservadora com o passar do tempo. E não só nos Estados Unidos.
Um estudo feito pelo Centro de Estudos Independentes, um think tank australiano, concluiu que os eleitores mais jovens parecem fugir à regra das gerações anteriores. “Ao contrário dos millenials, não existe qualquer evidência de uma migração para a direita na Geração Z conforme ela envelhece. Na verdade, a Geração Z parece se mover mais para a esquerda", diz o relatório.
O uso massivo das redes sociais também torna esse grupo mais propenso às ações de desinformação de regimes autoritários como China, Irã e Rússia. “A plataforma TikTok é bastante opaca em termos de fontes e protocolo, por isso não está totalmente claro se ela é manipulada por agentes estrangeiros", afirma Farhad Rezaei, escritor iraniano radicado nos Estados Unidos e pesquisador sênior do Projeto Philos.
Ele também afirma que a máquina de propaganda do Hamas encontra eco online. “Por causa de uma robusta campanha de desinformação levada a cabo pelo Hamas e pelos seus patrocinadores iranianos, existe uma teoria da conspiração generalizada segundo a qual as provas preparadas por Israel são falsas”, Rezaei explica.
Ingenuidade perigosa
A analista política turca Uzay Bulut afirma que a aliança entre esquerdistas ocidentais e radicais islâmicos se sustenta em um único ponto de convergência: “Sua rejeição fanática a Israel e sua falsa crença de que o Islã é uma religião oprimida, enquanto a civilização ocidental é ‘imperialista e colonialista’, é o que parece uni-los”, diz ela, que conversou com a reportagem da Gazeta do Povo.
Para Uzay, que também escreve sobre o Oriente Médio como jornalista, os grupos pró-terrorismo no Ocidente não entendem a realidade da região. “Os islamistas radicais vão devorar os progressistas ocidentais quando chegar a ‘hora certa’ para eles. Por enquanto, os islamistas estão explorando os progressistas liberais para sua própria agenda”, afirma.
A analista diz ainda que a condescendência de grupos progressistas enfraquece o combate à violência cometida por fundamentalistas islâmicos. “Enquanto muçulmanos e progressistas culparem o Ocidente e Israel por todos os problemas do mundo muçulmano e evitarem abordar as falhas ou crimes dos governos e sociedades muçulmanas, eles continuarão incentivando o terrorismo jihadista”, critica Uzay.
A grande ironia da febre pró-Bin Laden no TikTok é que a tal "Carta à América" talvez nem tenha sido escrita por ele. Quando foi divulgada pela primeira vez, há duas décadas, ela foi atribuída a Ayman al-Zawahiri (braço-direito do chefe da Al-Qaeda) e a Adam Gadahn.
Gadahn Ele era um jovem californiano que se encantou pelo terrorismo islâmico e resolveu se juntar ao grupo de Bin Laden.