O déspota Bashar Al Assad está fazendo o inimaginável contra sua população desde que, inspirados pela primavera árabe, os sírios resolveram se rebelar contra a ditadura tirana de sua família, que já dura 47 anos.
Mandou seu exército atirar para matar civis em manifestações, prender e torturar adolescentes, bombardear as principais cidades do país, não fazendo distinção entre escolas, hospitais e usou até armas químicas contra crianças.
Este no entanto é apenas o ponto de partida para entender a guerra civil que já matou quase meio milhão de pessoas e que é retratado no documentário “Entre a Síria e o Estado Islâmico” (“Hell on Earth: The Fall of Syria and the Rise of ISIS”), que estreia neste domingo (25), às 22h, no canal pago NatGeo.
Dirigido pelo jornalista Sebastian Junger e pelo documentarista Nick Quested, o filme é um retrato aterrador deste conflito que já dura seis anos que fez pelo menos um milhão de refugiados. Um aviso, portanto, aos mais sensíveis: Junger e Quested não poupam o telespectador de imagens explícitas de mortes, bombardeios, cadáveres, crianças e mutilações causadas pelas ações militares e paramilitares que se tornaram uma constante na vida dos sírios.
Mas o documentário vai muito além disso. Como o próprio título em português diz, ele explica não apenas o contexto sob o qual boa parte do território sírio foi anexado ao Estado Islâmico, que conhecemos pela sigla ISIS, mas também como a invasão americana ao Iraque em 1993 tornou a região terreno fértil para o radicalismo; como a Rússia tem ajudado a dar suporte ao regime de Al Assad e como o ditador sírio tem utilizado o ISIS contra seu próprio povo — com suporte militar de Vladimir Putin.
A reportagem da Gazeta do Povo participou de uma conversa com Sebastian Junger e Nick Quested sobre como o documentário pode mostrar a complexidade do conflito e mudar a visão das pessoas não apenas sobre o drama dos refugiados, mas também sobre como o mundo ocidental tem contribuído para que as tensões no Oriente Médio se acirrem. Leia:
Gazeta do Povo — Após filmar este documentário, vocês concluíram que muita gente tem concepções equivocadas sobre a Síria?
Nick Quested — Não posso falar pelos outros, mas estamos tentando é trazer luz a essas concepções erradas e mostrar a narrativa de como uma série de protestos no sul do país, que começou com alguns adolescentes pichando “Doutor, você é o próximo” no muro de uma escola, se tornou uma série de manifestações em massa por toda a Síria, que culminaram em uma guerra civil que, por sua vez, deu espaço para uma guerra santa. Estamos tentando contar a história da melhor maneira possível. A solução para a Síria é extremamente complexa e eu não posso esperar que o público americano se eduque e se envolva profundamente nos problemas deles. Mas acho que podemos inspirar uma empatia básica e uma compaixão, particularmente ao contar a história da família de refugiados que fugiu de um território ocupado pelo ISIS e que veio para a Turquia.
Gostaria de saber sobre os riscos que você enfrentou para gravar essas imagens, por favor…
Sebastian Junger — Ir para a Síria como um jornalista ocidental era virtualmente um suicídio após um certo ponto. Então, obviamente quando o risco se tornou muito grande, não avançamos. Mas tivemos muita sorte de trabalhar com sírios que gravaram imagens para a gente. Também mandamos alguns jornalistas e o Nick conseguiu ir para o norte do Iraque e gravou algumas imagens ele mesmo.
Qual a diferença entre o conflito da Síria e outros que vocês cobriram?
NQ — Cada guerra tem suas razões específicas, por isso que neste documentário tentamos definir em detalhes quais são as razões deste conflito, como ele surgiu e mostrar a humanidade que existe dentro desta que é a maior tragédia da nossa geração. Por isso resolvemos focar numa família e em sua luta, que é algo que sensibiliza qualquer ocidental. E isso também é o que faz desta guerra a similar a todas as outras. Você tem famílias de classe média que, em geral, são desalojadas por causa do conflito.
Considerando que se têm notícias diárias sobre a Síria, quão difícil foi encontrar um ângulo novo para contar essa história?
SJ — Bem, o noticiário em geral tem cinco minutos. Nós tínhamos cem minutos para trabalhar. Nosso trabalho era dar um passo atrás e mostrar a dinâmica da guerra e as dinâmicas comuns a muitas guerras civis. Também quisemos identificar que uma das raízes do ISIS foi a desastrosa invasão americana ao Iraque uma década antes de seu surgimento. Queríamos deixar isso claro para o público americano.
Finalmente, o ISIS é famoso por sua violência pública, tortura e execução de inocentes. Queríamos mostrar que este tipo de violência foi usada em quase todas as sociedades, incluindo-se a nossa, incluindo-se a sociedade americana do século 20. Queríamos ter uma discussão honesta sobre a responsabilidade moral que o mundo todo tem sobre este tipo de comportamento.
Em sua opinião, quão próximo do fim está esse conflito?
SJ — Eu acredito que o ISIS provavelmente será destruído no campo de batalha. Acho ainda que a OTAN, os Estados Unidos e Putin na Rússia chegarão ao um acordo de paz e uma efetiva partilha do país. Eu imagino que isso vá acontecer. Trabalhei na Bósnia com a ajuda dos russos, por isso vislumbro isso acontecendo novamente.
O que mais aconteceu com aquela família retratada após o fim do documentário?
NQ — Estamos postando material adicional sobre as famílias que acompanhamos. Depois que eles foram detidos pela guarda costeira turca, em direção à Grécia, eles ficaram uma semana detidos em um centro onde o passaporte do Mawan [personagem do documentário] foi roubado. Mostramos como é fácil comprar um passaporte sírio falso. Inclusive fizemos um com o nome do Sebastian.
Temos um monte de imagens deles tentando arrumar trabalho. Mas para um imigrante na Turquia, o único trabalho disponível é o trabalho braçal. E sustentar uma família com este tipo de trabalho é muito difícil. Então eles abriram uma lojinha e estão vendendo miudezas para a comunidade.
O material do documentário é bem explícito. Quão difícil para vocês foi trabalhar vendo essa tragédia e derramamento de sangue na Síria e durante a edição?
NQ — As imagens são bem estressantes. Por sorte tínhamos um grupo grande de editores e pesquisadores e dividimos as tarefas igualmente. Encontramos companhia no sofrimento e quase formamos um grupo de auto-ajuda.
SJ — Aquilo afeta você bastante. Eu me lembro que uma noite eu sonhei que era um soldado do ISIS, que de alguma maneira tinha me tornado um. E noite passada tive um pesadelo de que eu tinha sido sequestrado pelo Taliban. Essas coisas mexem com a cabeça da gente.
Vocês acham que se o ISIS for derrotado, o terrorismo vai acabar?
NQ — Cada país poderia estar fazendo muito mais pra resolver esta crise. E sem resolvê-la, eu não acho que haverá segurança no ocidente. Eu acho que continuaremos a ver ataques dos tais lobos solitários, mesmo depois que a ideologia for derrotada no campo de batalha. Eu não acho que haverá uma diminuição nos ataques no estrangeiro.
Estes países têm que tratar esses ataques como problemas isolados, fruto de ideologia e doutrinação. E esta luta é uma luta para se lutar depois e agora.
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