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Entre os efeitos nocivos da maconha está o engatilhamento da propensão à esquizofrenia, indicam revisões de estudos científicos.| Foto: Pexels/Washarapol D BinYo Jundang

A maconha continua ilegal na maior parte do mundo, especialmente para uso recreativo. Para o uso medicinal, a planta foi legalizada de diferentes formas em 41 países. O Brasil permite o uso para pacientes terminais ou que exauriram alternativas de tratamento, e descriminalizou por conversão de pena a posse de pequenas quantidades em 2006. Os defensores da completa descriminalização defendem que a erva tem muitos benefícios medicinais, especialmente no uso de seu derivado anticonvulsivo, o canabidiol, e que é menos danosa que outras drogas que são legais, como o tabaco e o álcool. Contudo, há também estudos sobre os riscos da maconha.

Pesquisadores canadenses avaliaram a exposição de crianças a produtos comestíveis de maconha após a legalização do uso recreativo no país. Daniel Myran, do Instituto de Pesquisa do Hospital de Ottawa, é o primeiro autor deste estudo. Eles identificaram todas as emergências clínicas e internações de crianças na província de Ontário entre janeiro de 2016 e março de 2021. O período extenso inclui uma fase antes da legalização (setembro de 2018), logo após a legalização, e também após os produtos comestíveis terem sido postos no mercado (fevereiro de 2020).

Foram identificadas 522 emergências pediátricas por exposição à maconha, 61% das quais aconteceram na fase dos comestíveis, envolvendo 122 internações. Nenhuma morte foi registrada.

Na literatura dos riscos da maconha, preocupa especialmente a possibilidade de a droga engatilhar a esquizofrenia. Revisando estudos em 2011, a italiana Paola Casadio, do Departamento de Saúde Mental da Unidade Local (AUSL) de Ravenna, junto a três colaboradores do Instituto de Psiquiatria de Londres, apontou que até aquele momento dez estudos que acompanharam pessoas a longo prazo indicam que o risco de esquizofrenia é de até quatro vezes maior nos usuários de maconha. O maior deles, que seguiu por quase trinta anos 50 mil conscritos do exército sueco, aponta que este risco é até três vezes maior, podendo chegar a seis vezes maior entre os usuários mais frequentes.

O outro estudo deste mês foi o maior a avaliar os efeitos da principal substância psicoativa da maconha, o THC (tetrahidrocanabinol), em mais de mil pacientes que sofreram derrame por rompimento de vaso sanguíneo entre a membrana aracnoide e o cérebro. Analisando a urina dos pacientes, os pesquisadores descobriram 46 que haviam feito uso recente de maconha. Essas pessoas tinham maior risco de ter hipertensão e outras complicações cardiovasculares que dificultavam a recuperação após o derrame. Foram três vezes mais propensas a desenvolver isquemia cerebral tardia, uma complicação após o derrame em que parte do cérebro fica sem sangue suficiente, deficiências físicas moderadas a severas a longo prazo, e o dobro da chance de morrerem. Importantemente, essas pessoas tinham outras drogas detectadas na urina, mas os pesquisadores controlaram para esse fator e mostraram que somente o THC aumentava a complicação por isquemia. Os primeiros autores do estudo foram Joshua Catapano e Kavelin Rumalla, do Departamento de Neurocirurgia do Hospital de St. Joseph em Phoenix, Arizona.

Aplicações terapêuticas

Em uma revisão de 2016, Zach Walsh, psicólogo da Universidade da Colúmbia Britânica, Canadá, e colaboradores avaliaram 31 artigos e 29 revisões a respeito das aplicações terapêuticas da maconha na saúde mental. Concluem que evidências preliminares sugerem que a erva tem um potencial de tratar o transtorno de estresse pós-traumático e a dependência de drogas mais perigosas. Quando usada em excesso, os efeitos parecem reversíveis — como o famoso efeito sobre a memória de curto prazo. Não indicam maconha para pessoas com histórico de transtornos mentais do tipo psicótico, como a esquizofrenia.

Os estudos são baseados em "dispensários de maconha médica" dos Estados Unidos, que administram a erva de diferentes formas. Na Flórida, os dispensários são proibidos de recomendar que se fume a maconha, e recomendam o uso por vaporização, em cápsulas, em produtos comestíveis, na forma de extratos e óleos e na forma tópica (cremes e loções).

Outra revisão de 2020, de Rabia Khan, da Universidade Dow das Ciências da Saúde em Karachi, Paquistão, e colegas, considerou os efeitos do canabidiol em transtornos psiquiátricos. Os cientistas acharam 23 estudos relevantes, e concluíram que são de qualidade moderada (um nível abaixo da qualidade alta em seus métodos) as evidências de que o canabidiol apresenta benefícios a pacientes com esquizofrenia, transtorno de ansiedade social, do espectro do autismo e do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Também poderia ser recomendável para insônia, ansiedade, transtorno bipolar, transtorno de estresse pós-traumático e síndrome de Tourette, mas nesses casos a qualidade das evidências foi considerada baixa.

Efeitos persistentes da maconha no cérebro e na mente

A sugestão da revisão de Zach Walsh de que os efeitos da maconha são reversíveis foi posta em questão este mês com a publicação de uma revisão de revisões de Laura Dellazizzo e colaboradores, afiliados a dois institutos psiquiátricos e ao Departamento de Psiquiatria e Adictologia da Universidade de Montreal. O trabalho agrupou dez metanálises envolvendo mais de 43 mil pessoas.

Dellazizzo e colegas concluem que a maconha leva a uma queda de performance de pequena a moderada nas funções executivas do cérebro, que são aquelas relacionadas ao autocontrole e à capacidade de concentração, na capacidade de tomar decisões, na memória de trabalho (importante para o aprendizado), no aprendizado e memória verbais, na velocidade de processamento de informações (especialmente se fumada em vez de ingerida), e no controle motor fino (medido com testes de agilidade nos dedos). Atribuem uma qualidade moderada às evidências desses efeitos. Os resultados valem principalmente para adultos que fazem uso crônico da erva e para quem começou a usar antes dos 16 anos, e, no caso do prejuízo às funções executivas, não desaparece após 25 dias de abstinência. Já a deficiência no aprendizado e memória verbais pode perdurar após uma semana sem uso nos usuários regulares. Os outros efeitos não parecem perdurar por mais de um mês após a interrupção do uso.

Os autores enfatizam que as evidências mais robustas apontam que o aprendizado e a memória, especialmente quando referentes às habilidades verbais, são os mais afetados pelo uso agudo da maconha e o prejuízo parece ser persistente após a interrupção do uso. “Essa menor capacidade de aprender, reter e recuperar a informação verbal pode ter repercussões para a performance ocupacional, para a vida independente e para a capacidade de navegar adequadamente na vida diária”, declaram. É possível que alguns desses efeitos negativos sejam revertidos com um longo tempo de abstinência, mas há evidência de alguns efeitos que perduram, especialmente quando se começa a usar Cannabis cedo demais na vida e esse uso é constante.

Não há evidências de que maconha cause dependência química, mas alguns jovens com uso exagerado e constante podem ter a vida atrapalhada por uma rotina com a droga. “Escolas devem implantar medidas de prevenção e intervenção para educar os estudantes a respeito do uso da Cannabis e desencorajá-los de usar a substância de uma forma crônica”, concluem os cientistas.

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