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batalha ideológica

Uma estratégia diferente para vencer o Estado Islâmico: bombardeá-los com séries de TV

Caravana do Estado Islâmico na Líbia: em Hollywood e no Oriente Médio há quem deseje batê-los por meio da ideologia | -/AFP
Caravana do Estado Islâmico na Líbia: em Hollywood e no Oriente Médio há quem deseje batê-los por meio da ideologia (Foto: -/AFP)

Enquanto o presidente Donald Trump proíbe a entrada de muçulmanos em território nacional e lança bombas sobre eles no exterior, uma parceria inovadora entre os líderes dos grupos de mídia privada no Oriente Médico – a MBC – e os maiores roteiristas e produtores de televisão nos Estados Unidos oferece uma abordagem diferente: o combate na guerra das narrativas.

Essa ideia pode parecer estranha, ou até mesmo frívola, no meio de uma guerra violenta travada contra o Estado Islâmico, tanto na Síria quanto no Iraque. Mas, na verdade, faz todo o sentido, dada a natureza cultural e ideológica da batalha contra o extremismo, vista de uma perspectiva mais ampla.

De fato, o Estado Islâmico vem tentando compensar sua perda de território investindo mais em propaganda virulenta, com resultados catastróficos – como, para dar um exemplo recente, o atentado perpetrado em Londres por Khalid Masood. Não só existia propaganda online do Estado Islâmico tendo Londres como alvo, como ainda surgiram novos vídeos que utilizaram o atentado como uma ferramenta para recrutamento.

Atacar os muçulmanos domesticamente ou no exterior não vai ajudar em nada a combater o recrutamento online. Na verdade, isso só piora o problema. Seria uma estratégia muito mais eficaz enfrentar as narrativas extremistas com histórias convincentes que incorporem aquilo que o Estado Islâmico oprime – a tolerância, a pluralidade, sistemas meritocráticos, a democracia participativa, os direitos humanos – e que exponham a hipocrisia e a desumanidade do grupo terrorista.

Criar programas de TV de qualidade é uma arte, e o que procuramos com Hollywood é aprender a arte da narrativa, não que eles produzam nossas ideias para nós

Ali Jaberdiretor de programação do grupo MBC

E os primeiros passos estão começando a ser dados agora na telinha. “Criar programas de TV de qualidade é uma arte, e o que procuramos com Hollywood é aprender a arte da narrativa, não que eles produzam nossas ideias para nós”, explicou Ali Jaber, diretor de programação do grupo MBC e um dos principais responsáveis pelo projeto.

Dar ouvidos às vozes locais da mídia árabe parece ser infinitamente mais promissor do que procurar executivos que são, em sua maioria homens, brancos e de meia idade, para solicitar deles as ideias para o combate às narrativas extremistas, como aconteceu, no ano passado, com o então subsecretário de diplomacia pública do Estado, Richard Stengel e o então secretário do Estado John Kerry. O Departamento de Estado merece os créditos por ter abandonado as estratégias fracassadas antiextremismo e por vir desenvolvendo, com o tempo, uma abordagem colaborativa que combina a capacidade de Hollywood de criar televisão de qualidade com as histórias poderosas do mundo de maioria árabe e muçulmana.

Inimigo em comum

Após o slogan promovido por Stengel – “Think Again Turn Away” [“Repense e Recuse”, em tradução livre] – ter sido amplamente condenado por sua ineficácia, o Estado criou uma parceria com a Annenberg Foundation Trust em Sunnylands, à época liderado por Geoffrey Cowan, um executivo bastante entendido em mídia, para organizar uma série de reuniões com criadores de conteúdo do mundo árabe de modo a pensar numa estratégia de como melhor desenvolver narrativas eficazes para combater a propaganda do Estado Islâmico.

O ponto de virada veio quando as reuniões de Sunnylands foram transferidas da Califórnia para Dubai e trouxeram consigo mais de 20 dos principais roteiristas e produtores, incluindo as mentes por trás de séries de sucesso como “Black-ish”, “Silicon Valley” e “O Rei do Pedaço”. Jaber, o fundador das reuniões, descreveu assim essa mudança sísmica: “Pela primeira vez, sentimos que o coração de Hollywood estava se abrindo ao mundo árabe; pela primeira vez, árabes e os EUA têm, no ISIS, um inimigo em comum”.

Califado digital

Tanto os criadores de Hollywood quanto o secretário de Estado Rex Tillerson reconhecem a importância de se enfrentar o Estado Islâmico “online e com tanta agressividade quanto no combate em solo” para evitar que um “califado digital” substitua o domínio territorial do grupo. Novas administrações nem sempre continuam os programas iniciados pelas antecessoras, mas, para o seu crédito, Tillerson anunciou seu apoio pelo projeto colaborativo de mídia entre os EUA e o mundo árabe ao convidar Jaber para palestrar no Plenário Ministerial pela Coalizão Global para Derrotar o ISIS, que aconteceu no mês passado no Departamento de Estado.

Jaber explicou sucintamente o papel crucial que a mídia tem na luta contra o Estado Islâmico: “Para nós da MBC, nós vemos o ISIS como uma ideia, uma narrativa – e uma narrativa perigosa. Acreditamos que o único jeito de vencer essa ideia é criando outra melhor, mais atraente e mais progressista”.

Ele falou sobre séries como “Selfie”, uma sátira incrivelmente popular que critica não apenas o Estado Islâmico, mas também as normas religiosas e regulações obscuras da Arábia Saudita (por mais que vá ao ar também na MBC, uma rede saudita), e “Black Crows”, que trata da vida de mulheres no Estado Islâmico, ambas as quais entrarão no ar este ano, durante o Ramadã. Reconhecendo o desafio que é criar “uma outra narrativa mais atraente” para vencer o Estado Islâmico no campo de batalha emocional e psicológico povoado por muçulmanos e árabes insatisfeitos e vulneráveis, Jaber recorreu à perícia de Hollywood e sua arte narrativa.

“Grandes produções árabes feitas no estilo americano. Vai ser uma paulada”, ele disse. E, no comando da MBC, a maior plataforma de mídia do mundo árabe, chegando a 150 milhões de telespectadores a cada 15 minutos, Jaber está pronto para entregar os frutos de suas colaborações. O primeiro passo foi chamar Shereen el-Meligi, que supervisiona a programação dramática da MBC, para passar cinco semanas com a produção de “The Last Tycoon”, uma série em desenvolvimento pela Amazon baseada no romance póstumo, de mesmo nome, de F. Scott Fitzgerald [traduzido como “O Último Magnata”, em português].

Origem no Oriente Médio

Se essa pode parecer uma opção estranha para a programação árabe, o mesmo não pode ser dito do envolvimento de Christopher Keyser, um dos criadores da série. Keyser supervisionou a terceira e a última temporadas de “Tyrant”, a primeira série de televisão dos EUA com origens no Oriente Médio. Tendo feito assessoria para a “Tyrant” através da organização Muçulmanos no Cinema e Televisão (MOST, na sigla em inglês), que eu mesma codirijo, eu pude testemunhar o interesse profundo de Keyser pelo mundo árabe contemporâneo e seu desejo de retratá-lo de forma autêntica.

Quando Jaber quis produtores dispostos a criar versões árabes das suas séries de Los Angeles, Keyser se voluntariou. Percebendo que a estadia de Meligi era um “excelente primeiro passo”, Keyser explicou que ele e a equipe da série – que inclui várias pessoas envolvidas em “Tyrant” – deram a Meligi pleno acesso ao processo todo, que contava também com forte apoio da Sony e da TriStar Television.

Ele tem a esperança de que ela sairá disso com uma noção de como construir uma temporada de episódios e como utilizar os roteiristas para obter a melhor história, bem como outras técnicas que são o arroz com feijão da profissão.

Mas o maior desafio de todos será garantir que os Estados Unidos continuarão comprometidos com programas como este. Por um lado, o secretário Tillerson e até mesmo Donald Trump, que tem suas raízes no setor privado, poderiam reconhecer o valor de se contratar os talentos de Hollywood para conceber as melhores narrativas e combater a propaganda do Estado Islâmico. Mas será que esses programas financiados pelo Departamento do Estado sobreviverão aos seus cortes orçamentários?

Conforme o Estado Islâmico incita mais e mais indivíduos à violência, há muito mais em jogo do que só a produção de boas séries de televisão. Para citarmos Ali Jaber, “Essa é a única solução possível”.

*Schneider é pesquisadora não-residente no Projeto de Relações dos EUA com o Mundo Islâmico em Brookings. Ela lidera a Iniciativa de Artes e Cultura no Saban Center for Middle East Policy e leciona matérias de diplomacia e cultura na Faculdade de Serviços Exteriores da Georgetown University. De 1998-2001, ela serviu de embaixadora dos EUA na Holanda.

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