O mRNA veiculado pelas vacinas contra Covid-19 das empresas Moderna e Pfizer se faz presente no leite materno, ao contrário do que se disse antes a favor dessas vacinas, descobriu um estudo publicado na semana passada (19) na eBioMedicine, uma publicação que faz parte do grupo da revista médica The Lancet.
Os oito autores, todos afiliados à Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York em Long Island, estudaram o leite produzido por 13 mães de bebês recém-nascidos que receberam a vacina da Pfizer ou da Moderna durante a sua lactação entre fevereiro e outubro de 2021. Elas ajudaram congelando amostras do leite em casa até serem transportadas para o laboratório. Elas produziram amostras de antes e de cinco dias ou mais depois de serem inoculadas contra Covid. Sete delas foram mais diligentes e registram o leite produzido não só depois da primeira dose, mas também depois da segunda. Todas tinham resultados negativos para infecção, para não haver possibilidade de o mRNA do leite não ter vindo do vírus.
Oito das 13 mães apresentaram o mRNA da vacina em seu leite. É uma demonstração eloquente de que as moléculas bioativas da vacina não ficam localizadas no local de aplicação, mas se espalham pelo corpo. As quantidades encontradas foram pequenas, mas os cientistas alertam que “mais investigações são necessárias para determinar a quantidade mínima de mRNA necessária para produzir uma resposta imunológica em recém-nascidos”. Em outras palavras, os níveis seguros não são conhecidos. “Embora acreditemos que a amamentação depois da vacinação com mRNA é segura”, acrescentam, “um diálogo entre a mãe que amamenta e seu profissional médico deve tratar das considerações de risco/benefício nos primeiros dois dias depois da vacinação da mãe”.
A expectativa de que é seguro é razoável, afinal, o leite também contém milhares de outras moléculas de mRNA humano, que difere do vacinal e viral pela ordem de seus blocos construtores. As mães que amamentaram na época não precisam se preocupar com efeitos prolongados, a sobrevida de mRNA no organismo é bastante curta.
Falsas certezas imperaram na pandemia
Em julho de 2021, quando as vacinações contra Covid-19 no Brasil estavam acima de um milhão de doses por dia, a revista JAMA Pediatrics, ligada à Associação Médica Americana, publicou um artigo que não detectou mRNA vacinal no leite de sete lactantes. “Esses resultados dão evidências precoces importantes para reforçar as recomendações atuais de que o mRNA relacionado à vacina não é transferido ao bebê”, comentaram os autores.
A repercussão foi substancial nos jornais e até revistas especializadas em maternidade. Contudo, não havia motivo para colocar tanto peso em um único estudo envolvendo apenas sete mães lactantes. Desde os estudos de teste da vacina da Pfizer, já estava claro que os pesquisadores foram surpreendidos com a capacidade do mRNA e as gotas microscópicas de gordura que envolviam cada molécula (as “nanopartículas”) de se espalharem pelo organismo dos animais de laboratório. Isso foi atestado pela Agência Europeia de Medicamentos e por um relatório japonês do processo de aprovação da vacina que vazou e viralizou já em 2021. Os documentos diziam que o mRNA era encontrado nos ovários, baço e fígado 48 horas após a injeção. Que pudesse ser encontrado no leite materno era já uma desconfiança posta por esse fato, confirmada só agora.
Como reclamou o experiente jornalista de ciência Nicholas Wade, ao contrário dos jornalistas que cobrem assuntos como política, “os jornalistas de ciência consideram os cientistas, suas fontes com autoridade, altos demais no Olimpo”. Além disso, eles “dão pouca atenção aos problemas internos que ameaçam de forma séria a credibilidade da empreitada da pesquisa científica, como o fato impressionante de que menos de metade das descobertas de destaque em algumas áreas podem ser reproduzidas em outros laboratórios. A fraude e o erro em artigos científicos são difíceis de detectar, mas ainda assim cerca de 32 mil artigos foram removidos por variadas razões”.
Muito do jornalismo científico durante a pandemia vendeu falsas certezas: de que o tratamento precoce não poderia funcionar ou que estava “cientificamente comprovado” que não funcionava; de que dizer que o vírus poderia ter vindo de um vazamento laboratorial era “teoria da conspiração”; de que em nenhum grupo de vacinados os riscos das vacinas poderiam superar os benefícios — alimentando assim o autoritarismo pouco científico dos tomadores de decisão.
A falsa certeza de que a vacina da AstraZeneca/Oxford era segura para jovens levou o Brasil a esperar 600 dias a mais que o Reino Unido para remover a recomendação para menores de 40 anos, decisão tomada por causa do risco de coágulos sanguíneos. No período, brasileiros dessa faixa etária morreram deste exato problema após tomar esta exata vacina. A credulidade descrita por Wade atingiu níveis desastrosos.
O que é mRNA e como funcionam essas vacinas?
O conjunto dos nossos genes está contido em 46 longuíssimas fitas de DNA que ficam no núcleo das nossas células. Podemos pensar no DNA como o “poder legislativo” do organismo, onde as leis que o organizam estão escritas. A linguagem desse material genético, contudo, é diferente daquela usada pelas proteínas, que são como um “poder executivo” do organismo, que faz as tarefas mais importantes. Portanto, mensagens a serem traduzidas de uma linguagem para outra são necessárias. Essa é a função do mRNA — o “m” é de “mensageiro”. Os portugueses, menos afeito às siglas em inglês, preferem “ARNm” (Ácido Ribonucleico mensageiro).
Todas as células humanas vivas têm milhares de mRNAs diferentes atuando a todo momento no citoplasma para manter o organismo em funcionamento. No caso da vacina, a mensagem carregada pelo mRNA contido na seringa é para que nossas células produzam uma pequena parte do vírus da Covid-19, a proteína de espícula ou proteína S. Essa parte então é reconhecida pelo nosso sistema imunológico, que cria defesas contra ela que podem ser usadas contra o vírus inteiro. Aí está a diferença das vacinas de mRNA comparadas às vacinas clássicas: as clássicas trazem o vírus inativado ou parte dele diretamente, em vez de uma mensagem que “pede” às nossas células que fabriquem uma parte dele.
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