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Opinião

Uma pesquisa de opinião, o vírus e a aposta do presidente

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Longe de agir por impulso, o presidente faz um cálculo político. Ele sabe que um dia a crise do coronavírus vai passar. (Foto: Isac Nobrega)

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Estamos vivendo um daqueles momentos ingratos em que o prazo de validade de uma opinião se torna muito curto e qualquer análise ou previsão pode ser desmoralizada pelos fatos no dia seguinte. Mesmo assim, vamos lá.

Na semana passada, uma pesquisa do Datafolha mediu a avaliação de desempenho do presidente Jair Bolsonaro na gestão da crise do coronavírus. O resultado foi:

  • Ótimo/bom: 35%
  • Regular: 26%
  • Ruim/péssimo: 33%
  • Não sabe: 5%

Ainda que muitos eleitores de Bolsonaro tenham respondido no modo automático, por reflexo, desqualificando o instituto de pesquisa, a verdade é que esses números são excelentes para o Governo. Mostram, em primeiro lugar, que a base consolidada de apoio ao presidente, ou seja, aquela parcela da população que o defende incondicionalmente, independente do que ele faça ou diga, é de 1/3 da população.

Outro 1/3 pode ser identificado com uma oposição convicta, que quer voltar ao poder a qualquer preço e ataca incondicionalmente o presidente (também independente do que ele faça ou diga). No meio do caminho, estão as pessoas sem compromisso com um lado ou outro, podendo, portanto, oscilar para o apoio ou a rejeição ao governo, ao sabor das circunstâncias.

Mas o que a pesquisa sinaliza é que o ponto de partida de Bolsonaro na próxima eleição continua sendo de, pelo menos, 30% - situação, aliás, semelhante à que manteve o PT no poder por quase 14 anos. Nas circunstâncias atuais, a notícia é ótima para o presidente, que mesmo sob ataque cerrado segue sendo favorito para a reeleição, ao menos enquanto não aparecer uma alternativa viável de centro. Evidentemente, ainda falta muito para 2022, e as coisas podem mudar.

A mesma pesquisa do Datafolha registrou 55% de aprovação ao Ministério da Saúde, o que sinaliza que a maioria absoluta da população percebe como eficaz a condução da crise pelo ministro Luiz Henrique Mandetta. Em um primeiro momento, pode-se imaginar que Bolsonaro só não tem um desempenho similar por causa de suas declarações intempestivas, capazes de irritar até mesmo parte de seus eleitores.

Pode-se concluir, também, que a melhor estratégia para o presidente neste período de epidemia (que ninguém sabe quanto tempo vai durar) seria colar no Mandetta nas questões de saúde, como colou no Paulo Guedes nas questões de economia. Como não é sua obrigação entender do assunto em profundidade, melhor delegar as manifestações públicas ao ministro, que está convencendo. Mas a situação é mais complexa.

Na quarta-feira, Bolsonaro foi à TV para e surpreendeu a todos criticando o fechamento das escolas e o comportamento dos governadores e da mídia. Por quê? A quê atribuir comportamento aparentemente tão absurdo?

Longe de agir por impulso, o presidente faz um cálculo político. Ele sabe que um dia a crise do coronavírus vai passar. Sabe, também, que aquilo que propôs na TV não irá acontecer. E sabe, por fim, que a recessão econômica decorrente da epidemia terá efeitos desastrosos na vida da população. O fato é que, enquanto estamos no olho do furacão de uma crise, outra crise, também gravíssima, já está encomendada e em gestação, e quanto menor se tornar a percepção do impacto da epidemia, o que é uma questão de tempo, maior se tornará a percepção do impacto das suas consequências. Paradoxalmente, quanto mais o remédio fizer efeito, mais será percebido como veneno.

Nesse contexto, o que Bolsonaro fez foi saltar algumas páginas do livro e dar uma olhada no capítulo seguinte, quando o risco à saúde pública estiver dissipado e o pânico tiver passado, mas a economia do país estiver destroçada. Pressentiu, talvez, que, sem alterar de fato o que está sendo feito hoje para mitigação de danos e combate ao vírus, seria prudente, politicamente, se precaver em relação ao futuro.

Isso explicaria o seu discurso, endereçado aos que já se preocupam com as consequências econômicas do Covid 19, empresários inclusive, mas também ao povão, que é quem sofrerá na carne o impacto da recessão. E boa parte desses destinatários está naquele 1/3 do eleitorado que pode apoiar ou rejeitar o governo. Daí o aparente paradoxo da retórica anti-confinamento do presidente, enquanto seu ministro da Saúde continua fazendo o que tem que ser feito.

A fatura da volta à normalidade será alta, com custos pesados em sofrimento e angústia, mas, em um cenário de desemprego, quebra-quebra de empresas e retração (já há quem fale em crescimento negativo de 5% este ano), Bolsonaro terá uma narrativa no bolso: terá sido aquele que alertou contra a paralisação da economia, mas não foi ouvido – e se eximirá, assim, da responsabilidade pela nova crise, responsabilidade que transferida àqueles que “exageraram” na dose, ao paralisar o país. É uma aposta arriscada, mas que pode resultar em um capital simbólico importante, quando for necessário e urgente retomar a agenda das reformas e do crescimento.

Ou não. Como eu disse no começo deste artigo, qualquer análise ou previsão pode ser desmoralizada no dia – ou mesmo no minuto – seguinte, a depender dos acontecimentos.

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